Acórdão nº 94/17.0T8AVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução11 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório M. C.

instaurou ação declarativa comum contra F. D.

e J. G.

, pedindo que seja declarado, frente a ambos os réus, nulo ou, pelo menos, e quando assim se não entenda, anulado e ineficaz em relação à autora, o acordo celebrado entre aqueles em 06-01-2015, e junto aos autos como documento n.º 3 da petição inicial e, em consequência, ser o 2.º réu condenado a restituir-lhe, ou a esta e ao 1.º réu, a quantia de 20.000,00 € que recebeu ao abrigo de tal acordo, acrescido dos juros legais de mora contados desde a data de citação até integral pagamento.

Alegou, para o efeito, e em síntese, que é casada com o 1.º réu no regime da comunhão geral de bens e que, por escritura de compra e venda celebrada em 29-12-2014, um e outro venderam ao 2.º réu o prédio rústico melhor identificado no artigo 2.º da petição inicial pelo preço de 43.000,00 € pago no ato da respetiva escritura. Posteriormente, no dia 6-01-2015, os réus, bem como um representante da imobiliária contratada para mediar o negócio supra referido, assinaram uma declaração, da qual constam como primeiros outorgantes os nomes da ora autora e do 1.º réu, mais resultando da mesma, na parte que agora releva, que «os primeiros outorgantes restituem nesta data ao segundo o valor de vinte mil euros», que «o segundo propõe-se alargar o conteúdo da servidão constituída, por forma a proceder a intervenção na faixa de terreno onerada com a servidão tornando-a apta ao trânsito permanente de pessoas e veículos automóveis»; «para a hipótese de, por via judicial ou extrajudicial se lograr obter o alargamento da servidão de passagem, nos moldes supra mencionados, mantém-se o contrato outorgado, devendo nesse caso, o segundo outorgante devolver aos primeiros aquela quantia do valor de vinte mil euros»; «na hipótese de não se conseguir lograr aquele objetivo, então declaram obrigar-se a revogar aquela mencionada escritura pública, com todas as consequências legais, designadamente a restituição do imóvel transmitido e a entrega do remanescente do preço na importância de 23.000,00 €»; «mais acordam, na eventualidade de procedência judicial do pedido e/ou acordo extrajudicial relativo ao alargamento da servidão, nos moldes descritos, que todas as despesas e encargos relativos às diligências judiciais ou extrajudiciais a realizar para efeitos de lograr o alargamento da servidão serão suportadas em partes iguais por ambas as partes, vendedores e comprador»; «na eventualidade de improcedência do pedido e impossibilidade legal de alargamento da servidão, nos moldes descritos, todas as despesas e encargos, serão exclusivamente suportadas pelos primeiros outorgantes». Mais alega a autora que, em simultâneo com a assinatura desta declaração, o 1.º réu entregou ao 2.º a quantia de 20.000,00 € que este recebeu. Porém, a autora alega que só teve conhecimento desta declaração no mês de janeiro de 2017 pois só então o seu marido, ora 1.º réu, lhe comunicou o que se passava e a levou com ele à solicitadora anteriormente contactada por este para lhe explicar o que se passava e o que teria de ser feito. Alega que a declaração datada de 06-01-2015 representa, em substância, uma alteração a condições essenciais do negócio plasmado na escritura de compra e venda anteriormente celebrado, constituindo uma redução do preço da venda acompanhada pela devolução da diferença e no aditamento de condições contratuais novas, sendo nulo por vício de forma, nos termos do disposto nos artigos 364.º, n.º 1, e 875.ºdo Código Civil (CC) nulo também por consubstanciar uma alienação de bem alheio, pertencente ao casal, e não de um bem próprio do 1.º réu; e nulo ainda porque mesmo que tal alteração seja entendida como um ato de administração ordinária, só a autora teria legitimidade para praticá-lo por se tratar de um bem por ela adquirido a título gratuito, nos termos do disposto no artigo 1678.º, n.º 2, alínea c), do CC.

Regularmente citados, apenas o 2.º réu contestou. Alegou que depois de celebrar o contrato de compra e venda supra referido constatou que, ao contrário do que lhe tinha sido garantido, tanto pela imobiliária bem como pela autora e pelo 1.º réu, o prédio rústico que adquirira não era apto para construção urbana, condicionalismos que foram explicados pelo 2.º réu comprador em data anterior ao acordo inicial que deu origem à escritura definitiva de compra e venda celebrada em 29-12-2014; mais alega que foi neste contexto que a declaração em crise nos autos foi subscrita pelo 1.º réu, sendo certo que apesar de a autora se encontrar ausente, todas as negociações ocorreram com o seu conhecimento e consentimento, pelo que, ao invocar a nulidade do acordo, age com abuso do direito. Mais alega que tentou obter junto da Câmara Municipal a necessária autorização de construção mas que a edilidade lhe comunicou que não autorizava a construção da pretendida habitação uma vez que o único acesso à via pública é feito através de caminho de servidão, considerando, por conseguinte, que o prédio não é acessível diretamente a partir da via pública. Mais alega que apesar de todos os contactos que encetou com a proprietária do prédio serviente para solucionar a questão, estes revelaram-se infrutíferos, tendo a mesma recusado qualquer proposta de acordo por parte do 2.º réu. Arguiu, ainda, a caducidade do direito de a autora vir pedir a anulação do negócio. Concluiu pedindo que o Tribunal declare a petição inepta, que julgue a ação improcedente e que condene a autora como litigante de má-fé em multa e indemnização.

A autora respondeu, pugnando pela improcedência das exceções de nulidade do processado por ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade dos réus, bem como da exceção perentória de caducidade.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual se julgaram improcedentes as exceções de nulidade do processado por ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade dos réus (relegando-se para a sentença a apreciação da exceção de caducidade), após o que foram proferidos os competentes despachos saneador, de identificação do objeto do litígio, de enunciação dos temas da prova e de admissão dos meios de prova, sendo que destes últimos as partes não reclamaram ao abrigo do disposto no artigo 596.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC).

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo os réus dos pedidos formulados pela autora, e condenando esta última, como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa de 10 (dez) UC, e no pagamento de uma indemnização ao réu J. G. no montante de 1.000,00 €.

Inconformada, a autora apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença.

Termina as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I A matéria de facto dada como provada sob o nº 11 não corresponde à realidade, como resulta, além do mais, do documento nº4 junto com a petição inicial.

II Tal matéria deve, por isso, ser eliminada e substituída por outra donde resulte que o Réu vendedor entregou ao Réu comprador, depositando-a na conta bancária deste, a quantia de 20.000,00€ no dia 05 de Janeiro de 2015 e que o acordo dos autos só foi redigido e assinado no dia seguinte.

III Existe importante contradição contra o que a sentença refere ter sido o depoimento da testemunha M. G. acerca do telefonema para a Autora no dia 05/01/2015 e a transcrição desse mesmo depoimento na parte referida.

IV Ao dar como provada a matéria constante dos nºs 11, 18, 20,25,27 (no respeitante à A.), 29 e 40 do elenco dos factos provados, baseando-se exclusivamente nos depoimentos do Réu comprador e da sua companheira e, com este, promitente comprador do prédio, tendo, assim, também ela, um interesse idêntico ao de parte no resultado da ação, o Mmº Juiz a quo excede os limites da livre apreciação da prova, devendo, por isso, ser essa matéria considerada não provada.

V Ainda que assim se não entenda, sempre a objetiva falibilidade da prova testemunhal e, ainda por cima, de uma só testemunha e interessada num desfecho da ação favorável a uma das partes, deverá fazer prevalecer os valores de segurança e certeza que o requisito legal da forma contratual visa proteger.

VI Ao caso dos autos não é aplicável o abuso de direito, nomeadamente na modalidade do venire contra factum proprium, por não reunir nem os pressupostos gerais da sua aplicação tal como considerados no Ac. do S.T.J. de 12/11/2013, nem os pressupostos específicos em casos, como o dos autos, de neutralização da nulidade dum negócio jurídico por falta da forma legalmente exigida, como considera o Ac. do S.T.J. de 12/02/09,por não se tratar de um caso de “clamorosa”ofensa ao principio da boa fé. COM EFEITO, VII Nem a Autora emitiu uma declaração de anuência formada de modo suficientemente livre, informado, refletido e consciente para que devesse ou, sequer, pudesse considerar-se no futuro a ela irreversivelmente vinculada nem o 2º Réu reunia as condições para, de boa fé, poder considerar que a Autora não viria a impugnar o contrato, nomeadamente se ele, ao contrário daquilo a que se comprometera, não envidasse todos os esforços - ainda que alguns tivesse feito - para resolver o problema ou acertar definitivamente as contas com o 1º Réu.

VIII O 2º Réu procurou foi perpetuar uma situação que lhe permitia ficar com o terreno e com os 20.000,00€ que conseguiu que o 1º Réu lhe entregasse daquela forma precipitada. Entrega esta que, obviamente, nunca teria ocorrido se ao venderem o prédio a A. e o 1º Réu estivessem a agir com intenção de enganar o comprador.

IX E que nem o 2º Réu envidou todos os esforços nem o problema pode ser havido como insolucionável é a própria sentença que o admite quando refere “ (…) não podemos dar por certo que o 2º Réu esgotara todos os meios, “ judiciais e extrajudiciais”, para alcançar o objetivo pretendido e plasmado no acordo subscrito em 6 de Janeiro de 2015 (…) X Acresce, quanto à...

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