Acórdão nº 4404/20.4T8MTS-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | NELSON FERNANDES |
Data da Resolução | 15 de Novembro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Apelação 4404/20.4T8MTS-A.P1 Recorrente: B… Recorrida: C… _______ Relator: Nélson Fernandes 1ª Adjunta: Rita Romeira 2ª Adjunta: Teresa Sá Lopes Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – Relatório 1.
B… intentou ação declarativa comum emergente do contrato de trabalho contra C… (associação), formulando a final o seguinte petitório: “Deve declarar-se que a Ré efetuou o despedimento da Autora, sem processo disciplinar e sem justa causa, alegando extinção do posto de trabalho, à data de 30 de Junho de 2020, sendo o mesmo declarado ilícito e condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 57.343,80, como alegado e pelos títulos referidos supra em 61., 62, 63., 64, 65., 66., 67., 68, 69. e 70. desta petição, com custas e demais encargos legais.
OU, Assim se não entendendo, Em alternativa, Declarar-se que a Autora se despediu com justa causa, resolvendo o contrato por falta de pagamento pontual da retribuição, designadamente todo o trabalho suplementar prestado desde 2015 até Maio de 2020, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 52.543,80 euros, como alegado e pelos títulos referidos em 76., 77., 78., 80., 81., 82., 83. e 84. desta petição inicial, com custas e demais encargos legais.” 1.1.
Seguindo os autos os seus termos subsequentes, admitida a reconvenção e fixado o valor da causa em € 60.543,80, foi de seguida proferido despacho saneador, no qual, para além do mais que aqui não importa, por se entender que o estado dos autos o permitia nessa fase, se conheceu parcialmente do pedido, fazendo-se constar nomeadamente o seguinte: “(…) Conclui-se, assim, pela ilicitude da resolução apresentada pela autora, pelo que nenhuma indemnização poderá a mesma reclamar da ré, a qual se absolve do correspondente pedido nessa parte.
Uma vez decidida a ilicitude da resolução apresentada pela autora, está o tribunal em condições de apreciar o pedido reconvencional deduzido pela ré.
Dá-se aqui por reproduzido o que anteriormente se escreveu aquando da admissibilidade da reconvenção.
Nessa sequência, face à ausência de justa causa para que a resolução pudesse ter sido apresentada, à duração do vínculo aqui em causa e à retribuição auferida pela autora (1.600€), tem a ré direito aos peticionados 3.200€ a título de indemnização por incumprimento do prazo de aviso prévio.
Terá, assim, a autora de pagar tal montante, o que se decide.” 2.
Não se conformando com o assim decidido, apelou a Autora, apresentando as suas alegações e aquelas que considerou serem as conclusões, que aqui se transcrevem: ……………………………… ……………………………… ……………………………… 2.1.
Contra-alegou a Ré, concluindo do modo seguinte: ……………………………… ……………………………… ……………………………… 2.2.
O recurso foi admitido em 1.ª instância nos termos do despacho que se transcreve: “Por ser tempestivo e legalmente admissível, defiro o requerimento de interposição de recurso de apelação, tendo este efeito meramente devolutivo e com subida em separado− art.s 644 n.º 1, 647.º, n.º 1 e 645º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC).
Autue um apenso com as alegações, contra-alegações e as peças processuais indicadas por recorrente e recorrido e, ainda, do presente despacho e remeta ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.” 3.
Nesta Relação, no parecer emitido, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
3.1 Não houve resposta ao aludido parecer.
* Cumpridas as formalidades legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir: II – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, as questões a decidir são as seguintes: saber se a carta de resolução cumpre os requisitos impostos pela lei; saber se a decisão recorrida merece censura na pronúncia sobre o pedido reconvencional; requerida condenação da Autora / recorrente em má-fé.
*III – Fundamentação A) Fundamentação de facto O Tribunal a quo, na decisão que proferiu, considerou (citação), “face às posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados e face à prova documental junta aos autos (e que não foi impugnada), os seguintes FACTOS: 1.
A ré é uma ONG – Organização Não Governamental de cariz humanitário sem fins lucrativos e de natureza privada, a qual tem a finalidade prevista no art. 3.º dos respectivos Estatutos – “1. Sensibilizar a sociedade portuguesa para os problemas do desenvolvimento e progresso social, bem como prestar assistência sócio-humanitária às populações e pessoas mais desfavorecidas ou afectadas por cataclismos, acidentes colectivos ou guerras, em Portugal e no resto do mundo; 2. Denunciar, em instituições nacionais ou internacionais, situações em que se verifiquem atentados à dignidade humana ou injustiça social, assim como o acompanhamento das populações afectadas. 3. Proteger e promover os direitos humanos. Promover o esclarecimento e debate sobre os direitos humanos, com enfoque nos direitos à saúde. 4. Formação profissional na área dos direitos humanos e saúde.
” – cfr. doc. de fls. 9v a 17.
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Por acordo escrito denominado contrato a termo certo, celebrado a 01/09/2008, pelo prazo de um ano, a ré admitiu a autora para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, prestar serviços com a categoria profissional de Educadora Social, mediante uma remuneração mensal de 1.150€, acrescida de 4,11€ a título de subsídio de alimentação diário – cfr. doc. de fls. 17v a 19.
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O horário de trabalho acordado foi de 37,5 horas semanais a prestar na representação do Porto e nos demais locais onde a ré tivesse trabalhos a efectuar, de segunda a sexta-feira, das 09h às 13h e das 14h às 17h30m.
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No ano de 2015, a remuneração base da autora era de 1.325€ mensais e o seu horário passou a ser de segunda a sexta-feira, das 10h30m às 13h e das 14h às 19h.
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Tal contrato converteu-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado.
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No dia 01/06/2016, as partes outorgaram uma Adenda ao referido contrato de trabalho, pela qual a autora passou a desempenhar funções inerentes à categoria profissional de Directora de Projectos Nacionais Norte e Centro – cfr. doc. de fls. 21 a 23v.
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Nessa sequência, a autora passou a auferir uma retribuição mensal de 1.500€, acrescida de 50€ a título de subsídio de representação e de 5,90€ a título de subsídio de refeição diário (mantendo-se as restantes cláusulas do contrato).
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No dia 01/01/2019, as partes subscreveram nova Adenda, pela qual a remuneração da autora foi alterada para 1.600€ (mantendo-se a mesma como Diretora de Projetos Nacionais Norte e Centro, assim como os montantes pagos a título de subsídios de representação e de refeição) – cfr. doc. de fls. 24/24v.
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A autora remeteu à ré a carta registada com a/r que foi recepcionada no dia 09/06/2020, com o seguinte teor: “(…) Como é do conhecimento da Associação, a signatária, há muitos anos que presta trabalho suplementar sem receber, mau grado as atempadas comunicações mensais, o pagamento da respetiva remuneração. (…) não é possível o esforço que se vem prestando, sem obter a legal contrapartida, atentos os sacrifícios familiares e pessoais que tal importa. Feito o apanhado das horas suplementares e trabalho em dias feriados e de descanso semanal, a signatária chegou a este valor: € 16.382,80 (…) correspondente a 1.048 horas prestadas para além do horário de trabalho e de compensações realizadas, sendo 460,30 prestadas em dias de descanso semanal e feriados, 587,30 horas prestadas em dias úteis, das quais 230 em primeira hora e 357,30 prestadas em horas subsequentes. (…) Anexa-se – Resumo correspondente aos envios mensais parcelares de todo o trabalho suplementar.
” – cfr. docs. de fls. 56v/57.
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A autora remeteu à ré, que os recebeu, os mapas de horas constantes dos documentos juntos de fls. 25 a 56.
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A autora remeteu à ré a carta registada com a/r, a qual foi acompanhada de reconhecimento presencial celebrado a 29/06/2020 e foi recepcionada a 02/07, com o seguinte teor: “(…) Face ao não pagamento do trabalho suplementar prestado para além do horário de trabalho, não pagamento que se vem protelando há muito mais que 90 dias, não manifestando V. Exa. qualquer intenção ou sinal de intenção de proceder ao pagamento, bem pelo contrário, continuam sempre a previamente solicitar a prestação de trabalho para além do horário de trabalho, vem e requerente, nos termos do disposto nas alíneas a), e) do n.º 2 e n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho, Resolver o Contrato de Trabalho celebrado em 1 de Setembro de 2008, Com JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO. (…)” – cfr. docs. de fls. 57 a 59.
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No dia 13/07/2020, a ré transferiu para a conta da autora a quantia de 3.756,46€.
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A ré emitiu em nome da autora o recibo de vencimento referente ao mês de Junho de 2020, no montante global de 3.756,46€ (1.600€ de ordenado base, 1.600€ de subsídio de férias, 797,81€ de subsídio de natal, 797,81€ de proporcional de férias, 797,81€ de proporcional de subsídio de férias, 114,95€ de 11,67 horas de formação e 1.600€ de 22 dias de férias não gozadas, sendo igualmente aí mencionado o desconto de 1.600€ por 30 dias de baixa médica) - cfr. doc. de fls. 128v.
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A 17/07/2020, a ré (através da Directora Executiva D…) deu instruções para que a conta de correio electrónico atribuída à autora – B1…@....pt - fosse desactivada, disso lhe dando conhecimento – cfr. doc. de fls. 60.
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A ré comunicou à Segurança Social que o contrato de trabalho da autora cessou no dia 30/06/2020, por iniciativa da mesma – cfr. doc. de fls. 59v.
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No dia 30/07/2020, a autora remeteu para a ré (na pessoa de E…, com conhecimento a D…), a seguinte mensagem electrónica: “(…) Apenas para avisar que, apesar de ter consulta amanhã, provavelmente não irei renovar a baixa, pelo que segunda feira me encontro ao serviço. De qualquer...
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