Acórdão nº 53/18.5GCLLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução09 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.2. Nestes autos de processo comum, com a intervenção do Tribunal Singular, n.º 53/18.5GCLLE, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Loulé – Juiz 3, foi submetido a julgamento, o arguido (...), melhor identificado nos autos, acusado pelo Ministério Público da prática, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a), ambos do CP.

1.2. Na audiência de julgamento, produzida a prova, foi comunicada ao arguido a alteração não substancial dos factos descritos na acusação, ao abrigo do disposto no artigo 358º, n.º 1, do CPP, ao que o defesa declarou nada ter a opor ou a requerer (cf. ata de fls. 349).

1.3. Foi proferida sentença, em 14/05/2021, depositada nessa mesma data, na qual se decidiu condenar o arguido pela prática, em autoria material e a título de negligência, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 15º, al. a), 26º, 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a), todos do CP, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €70,00, à qual se descontou um dia pelo período de detenção sofrido à ordem dos autos (artigo 80º, n.º 1, do CP) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.

1.4. Inconformado com o decidido recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada, as seguintes conclusões: «I) Analisados os factos presentes na acusação e a factualidade julgada provada na sentença recorrida, conclui-se que a acusação não contém elementos de facto suscetíveis de integrar o elemento intelectual do nexo de imputação subjectiva crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em qualquer das variantes legalmente possíveis; II) Ademais, e como bem refere o Acórdão nº 1/2015 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 20/11/14 e publicado em DR, I série, de 27/1/15, o qual uniformizou jurisprudência: «“A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP”».

III) Assim como é referido no parecer da Sra. Procuradora-Geral Adjunta, no âmbito do Ac. N.º 576/15.8GCFAR.E1 que citamos de seguida: «A falta de indicação de factos integradores, seja do tipo objectivo de ilícito, seja do tipo subjectivo de ilícito, implicando assim o não preenchimento, a perfeição, do tipo de ilícito incriminador, deve, forçosamente, conduzir à absolvição do arguido, se verificada em audiência de julgamento” (sublinhado nosso).

IV) Ora, a douta acusação não apresenta quaisquer factos concretos que preenchem o tipo subjetivo de ilícito, nem tão pouco foram apresentados quaisquer factos que poderiam provar a culpa do Recorrente.

V) Em suma, analisado o Acórdão n.º 576/15.8GCFAR.E1 de 29.11.2016 do Tribunal da Relação de Évora, a factualidade elencada na douta acusação, a ausência de factos e de provas que comprovem o elemento subjetivo do crime na acusação, a referência à pratica de crime a título de dolo direto apresentada pelo Ministério Público, a prova produzida em sede de julgamento, a ausência de apresentação de novos factos em sede de julgamento, e a alteração não substancial de factos decidida pelo Tribunal de 1.ª instância, somos em crer, que só com a absolvição do arguido da acusação se fará a tão aclamada justiça ; Se assim não se entender, e por mero dever geral de patrocínio, requer-se a redução do número de dias de multas e o valor diário, por os mesmos serem manifestamente exagerados e desadequados, violando o princípio da proporcionalidade e o disposto nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal com os seguintes fundamentos: VI) O Recorrente demonstrou arrependimento, está inserido social e profissionalmente.

VII) À hora em que conduziu não se registava praticamente trânsito na localidade nem havia peões na via pública, não tendo o arguido posto em causa a circulação rodoviária ou quem transitava na via, mostrando-se plenamente consciente.

VIII) Atentas as características do automóvel ligeiro o perigo para a sua segurança e a dos outros condutores encontrava-se substancialmente reduzido.

IX) Minutos antes da hora dos factos, o Recorrente exerceu eficientemente atividades de extrema responsabilidade, como o fecho das contas e a organização da contabilidade do restaurante e que carecem de lucidez para a sua realização; X) À hora dos factos, o Recorrente não tinha consciência que ainda possuía uma taxa de alcoolémia tão elevada, uma vez que já tinham passado várias horas desde da última vez que tinha ingerido bebidas de baixo teor de álcool, e sentia-se plenamente capaz e consciente para praticar uma condução segura; XI) Teve consciência que, à data dos factos, apenas necessitava de percorrer 6 kms, entre o local do seu trabalho (restaurante) e a sua residência em Portugal; XII) Repara-se que o tempo que o álcool permanece na corrente sanguínea depende do peso, altura, idade, género e velocidade do metabolismo dos indivíduos.

XIII) Este processo é também afetado pela quantidade de alimentos ingerida, se toma ou não medicação, pelo estado de saúde do fígado e pelo tipo de álcool consumido.

XIV) Todavia, aquilo que se sabe com certeza é que em média o fígado demora uma hora a processar um grama de álcool – e que demora 5,5 horas a decompor na corrente sanguínea a quantidade que equivale ao limite legal permitido para conduzir.

XV) De acordo com a publicação britânica Metro UK, e com um estudo realizado pelo sistema de saúde britânico (NHS), o tempo médio para o corpo decompor o álcool presente em 250 mililitros de vinho, é de três horas. Já para digerir uma caneca de cerveja, o organismo leva até duas horas.

XVI) Aos olhos do Recorrente, e somos em crer que, aos olhos do homem médio, a espera de 6 horas deveriam ser suficientes para o corpo eliminar os vestígios de álcool do corpo humano; XVII) Desde que confrontado com os presentes autos, o Recorrente redobrou os seus cuidados de condução de veículos automóveis, tendo o processo provocado um forte efeito dissuasor e mostra-se arrependido.

XVIII) A simples censura dos factos praticados pelo Arguido/Recorrente, garantem de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especiais pertinentes ao caso em apreço.

XIX) Por outro lado, uma sanção acessória mais aproximada do mínimo legal mostrar-se-á comunitariamente suportável, dentro das exigências de reafirmação dos valores violados com o comportamento do Recorrente.

XX) Sendo da experiência comum que a faculdade de conduzir é, com frequência, condição necessária para o exercício de muitas actividades remuneradas, a função ressocializadora da pena acessória de inibição de conduzir ficará tanto mais comprometida quanto mais longe for.

XXI) O Recorrente encontra-se desempregado e não aufere quaisquer rendimentos desde dezembro de 2020, pelo que o valor de multa no montante de 5.180,00€ é extremamente exagerado; XXII) Não foi apresentada, nem pedida pelo tribunal de 1.ª instância, qualquer prova documental que aferisse a real capacidade económica do Requerente.

XXIII) No caso em apreço, a douta sentença recorrida não teve em devida conta princípios previstos no art.º 40.º do C.P., uma vez que uma pena de multa de 74 dias, pelo valor diário de 70€ totalizando o montante total de 5.180€ (cinco mil, cento e oitenta euros), e uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 4 meses e 15 dias, aplicada ao arguido são manifestamente exageradas e desadequadas, não tomando em consideração a sua situação e as condições em que praticou a infracção, violando a douta sentença recorrida o disposto nos artigos 71.° e 72.° do Código Penal.

XXIV) A pena principal se mostrou desproporcional e pesada face à fracção cometida.

XXV) Entende-se que perante as circunstâncias do caso em concreto, deveria ter sido aplicada uma pena, mais favorável ao Recorrente, traduzida por um número de dias de multa inferior e um valor diário inferior, àquelas que foram aplicadas, bem como um número inferior de meses de proibição de condução de veículos motorizados, aqueles que lhe foram aplicados.

XXVI) Repare-se que a douta acusação do Ministério Público acusa o Recorrente de dolo direto, alegando uma alta culpabilidade na prática do crime e propõe uma pena mais favorável ao arguido, propondo uma multa à taxa diária de € 30,00, perfazendo a quantia global de € 2.700,00, ao contrário da sentença aqui recorrida, que, condena o Recorrente ao pagamento de uma quantia global de multa no valor de 5.180,00€, mesmo que o dolo direto não tenha sido provado e o Tribunal de primeira instância tenha assumido apenas a existência de negligência consciente.

Nestes temos e nos mais de Direito, requer-se Mui Respeitosamente a V. Exa. que seja dado provimento ao presente Recurso e por via dele, seja anulada a sentença condenatória absolvendo o Recorrente do pedido ou se assim não se entender, reduzir o número de dias de multas e o valor diário por os mesmos serem manifestamente exagerados e desadequados, violando o principio da proporcionalidade e o disposto nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal.» 1.5. O recurso foi regularmente admitido.

1.6. O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se no sentido de não dever merecer provimento e pela manutenção da sentença recorrida, formulando as seguintes conclusões: «1. O Recorrente insurge-se contra o facto de ter sido condenado por negligência consciente quando a acusação em processo especial sumaríssimo imputava a prática do crime de condução em estado de...

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