Acórdão nº 02326/14.7BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“A…………, Lda.”, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial por aquela deduzida contra as liquidações de direitos antidumping, IVA e juros compensatórios, no montante global de € 2.288.725,27, interpôs recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal.

1.2.

Admitido o recurso e apresentadas alegações, passamos a transcrever destas as seguintes conclusões: «1.

A Sentença recorrida errou na aplicação do direito subsumível ao caso vertente, na medida em que entendeu ser aplicável uma taxa de direitos antidumping de 85% (“todas as outras empresas”) quando a regulamentação legal que instituiu essa mesma tributação fixou, para a empresa alegadamente fornecedora da Recorrente, uma taxa reduzida de 64,4%.

  1. Não é acertado o entendimento segundo o qual a errada indicação de proveniência dos produtos importados importa a aplicação da taxa geral.

  2. Na determinação da taxa de direitos antidumping a aplicar há que atender às margens de dumping apuradas no decurso do processo de inquérito levado a cabo pela Comissão Europeia, entendendo-se estas como sendo o montante em que o valor normal do produto excede o preço de exportação.

  3. As medidas antidumping não podem exceder a margem de dumping apurada e deverão ser inferiores a essa mesma margem se uma medida inferior for suficiente para neutralizar os efeitos prejudiciais causados à indústria da União (“Lesser Duty Rule”).

  4. Se é certo que a aplicação de direitos antidumping se destina a combater e a neutralizar práticas concorrenciais desleais (dumping, in casu) suscetíveis de causar prejuízos à indústria da União, não é menos certo que a quantificação daqueles direitos deve garantir um justo equilíbrio entre os diferentes e legítimos interesses de importadores e de produtores da União, em termos tais que as taxas efetivamente calculadas não conduzam ao pagamento de montantes de direitos antidumping superiores ao estritamente necessário. É justamente nisto que se traduz a Lesser Duty Rule.

  5. Não podem ser cobrados direitos antidumping em valor superior ao estritamente necessário para efeitos de correção de distorções no mercado.

  6. A tributação antidumping é instituída caso a caso e as medidas a aplicar são específica e concretamente fixadas para cada fornecedor do produto objeto de dumping.

  7. No caso em análise, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que as mercadorias importadas pela Recorrente são originárias da China e não da Indonésia, e o Tribunal recorrido corroborou esse mesmo entendimento.

  8. Ademais, apurou-se igualmente que a empresa que fabricou os produtos importados pela Recorrente é a empresa B............Co., Ltd.

  9. O Regulamento que impôs as medidas antidumping definitivas na importação dos produtos em causa (Regulamento (CE) n° 91/2009 do Conselho de 26 de janeiro de 2009), estipulou para a empresa B............Co., Ltd. uma taxa de direitos reduzida de 64,4% por entender que a mesma seria suficiente para eliminar o prejuízo sofrido pelos produtores da União.

  10. A liquidação de direitos antidumping em valor superior à taxa fixada pelo citado Regulamento constitui uma ofensa grosseira ao Regulamento de Base e ao Acordo antidumping da OMC.

  11. Do mesmo modo, o recurso à taxa geral de direitos (todas as restantes empresas), porque se afasta da realidade tributária subjacente ao caso em apreço, importa, ainda, um desvio intolerável aos princípios da legalidade tributária e da verdade material.

  12. A tributação antidumping não tem por objeto a repressão/punição de condutas.

  13. Tem em vista, isso sim, a correção de distorções identificadas no mercado e a tutela da concorrência.

  14. A aplicação da taxa geral de 85% às importações efetuadas pela Recorrente consubstancia a aplicação de uma sanção de natureza pecuniária pela alegada evasão ao pagamento dos direitos antidumping, o que é intolerável porque dos procedimentos tributários apenas poderão resultar a liquidações de tributos e direitos aduaneiros e nunca a aplicação de sanções.

    1.3.

    A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da interposição do recurso, veio contra-alegar, condensando as suas objecções ao provimento do recurso nas premissas que infra se reproduzem: «I.

    O objeto do presente recurso é a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 29.05.2020, proferida nos autos em epígrafe, a qual julga improcedente a impugnação apresentada pela empresa “A…………, Lda.” II.

    Alega a Recorrente que a sentença ao decidir nos termos em que decidiu fez errada interpretação da lei; III.

    Acontece que a douta sentença recorrida não merece qualquer censura; IV.

    Com efeito, na douta sentença recorrida encontra-se vertida toda a fundamentação de direito da decisão proferida pelo Tribunal recorrido; V.

    A AT ao liquidar os direitos antidumping à taxa de 85% não se pautou senão por critérios de legalidade; VI.

    E assim o procedimento de liquidação não revela qualquer falha que mereça censura; VII.

    Conforme refere a douta sentença recorrida, resulta da pauta de serviço em vigor à data – Regulamento (CE) nº 91/2009, do Conselho, de 26 de janeiro, que a errada proveniência das mercadorias importa o pagamento dos direitos antidumping à taxa de 85 %; VIII.

    Pretende a Recorrente agora que lhe seja aplicada a taxa reduzida de direito antidumping de 64,4 % fixada nos termos do nº 2 do art. 1º do Regulamento (CE) nº 91 / 2012, para a empresa chinesa “B............Co., Ltd”, por, alegadamente, ser esta a empresa fabricante e fornecedora das mercadorias importadas pela Recorrente; IX. No entanto, apesar da Recorrente alegar que o OLAF concluiu que as mercadorias haviam sido produzidas por essa empresa, tal como decorre do Relatório Final de Missão do OLAF que o Tribunal recorrido deu como reproduzido, trata-se de facto que não tem suporte na decisão recorrida; X. Pelo que o presente recurso não tem exclusivamente por fundamento matéria de direito, uma vez que a recorrente invoca, como suporte da sua pretensão, factos que não foram provados na decisão recorrida; XI.

    Em face do que se suscita a questão prévia da incompetência, em razão da hierarquia, desse Supremo Tribunal Administrativo.

    Nestes termos e nos demais de direito que V.Exa. doutamente suprirá, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e em consequência ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.

    1.4.

    Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, e aberto “termo de vista” à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, foi emitido parecer no sentido de ser declarada a incompetência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, extraindo-se da douta fundamentação exarada, o seguinte: da «leitura e análise das conclusões das presentes alegações de recurso somos levados a concluir que na matéria nelas vertida, a Recorrente não pretende ver discutida somente matéria de direito», mas, sim, retirar da factualidade constante do probatório, «apoio para a sua pretensão, com consequência jurídica diversa da assente na decisão recorrida, ou seja pretende com este recurso ver novamente discutidos os factos que entende serem pertinentes para obter o desiderato por si pretendido ou seja ver alterado o seu enquadramento legal, dando-lhes outra valorização, o que ressalta, nomeadamente, nos pontos 8 e 9.».

    Tudo para concluir, invocando em abono do sentido do seu parecer diversa jurisprudência deste Supremo Tribunal, que deve ser julgada procedente a suscitada questão de incompetência hierárquica e declarada competente para conhecer do mérito do recurso «a secção do contencioso tributário do TCA/N de acordo com o disposto nos artigos 280º, nº 1, 1ª parte, do CPPT e 31º e 38º, al. a) do ETAF, pois está também em discussão matéria de facto, além de matéria de direito».

    1.5.

    Determinada a notificação da Recorrente veio esta opor-se à excepção suscitada, alegando, fundamentalmente, que, face ao teor dos factos apurados, particularmente a factualidade vertida nos pontos 3 e 4 do probatório - em que se deram por reproduzidos, sem ressalva, os teores do Relatório Final da Missão do OLAF AM 05.20.12 na Indonésia e a Recomendação Final daquele Organismo Europeu de Luta Antifraude, deve concluir-se que que o Tribunal deu como provado (…) que os produtos vendidos pela empresa indonésia C………… (fornecedora da aqui Recorrente) são de origem chinesa, tendo apenas sofrido um mero transbordo na Indonésia antes de serem exportados para a União Europeia, e (…) que os mesmos foram produzidos pela empresa chinesa B………… Co. Ltd.».

    Assim, conclui, não pretendendo a Recorrente colocar em causa tal factualidade, nem as conclusões ínsitas em tais documentos, que o Tribunal a quo nos pontos 3. e 4. declarou provados, ou seja, não pretendendo demonstrar que os produtos não tinham origem chinesa ou que não haviam sido produzidos pela empresa chinesa B………… Co. Ltd.

    , mas apenas discutir o direito aplicável face a essa factualidade apurada (designadamente a violação da disciplina legal aplicável aos conceitos de “dumping”, “margem de dumping”, “valor normal”, “preço de exportação”, “direitos e taxas antidumping”, disciplina legal que o Tribunal recorrido desconsiderou quando decidiu manter em vigor a taxa de direitos antidumping aplicável a todas as empresas (de 85%) e que decorria já do ato de liquidação impugnado) é este Supremo Tribunal Administrativo, e não o Tribunal Central Administrativo, o Tribunal hierarquicamente competente para apreciar o mérito do recurso, sem prejuízo de melhor decisão que este Supremo Tribunal entenda dever ser tomada.

    1.6.

    Colhidos os vistos dos Exmos. Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos, vem os autos à conferência para julgamento.

  15. OBJECTO DO RECURSO 2.1.

    Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de...

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