Acórdão nº 0209/13.7BECTB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1 – A……… e B……….., ambos com os sinais nos autos, impugnaram no TAF de Castelo Branco o despacho que indeferiu o pedido de revisão da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ao ano de 2009, no valor de 364.690,88 EUR.

2 – Por sentença de 1 de Fevereiro de 2021, o TAF de Castelo Branco julgou a impugnação improcedente.

3 – Inconformados, os Impugnantes recorrem daquela decisão judicial para este Supremo Tribunal Administrativos, apresentando, para tanto, alegações que rematam com as seguintes conclusões: «[…] A) O presente recurso é interposto da douta sentença de fls. _ do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, proferida no processo de impugnação judicial n.º 209/13.7BECTB, relativa à manutenção da decisão de indeferimento do pedido de revisão do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2009, no montante de € 364.690,88 (trezentos e sessenta e quatro mil seiscentos e noventa euros e oitenta e oito cêntimos), a qual decidiu, salvo o devido respeito, mal, no sentido da improcedência daquela impugnação quanto aos vícios aí invocados pelos ora Recorrentes, designadamente, o vício de violação de lei, por transgressão do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, considerando que: «(...) que a parte final do n.º 4 do artigo 78.º da LGT excepciona do âmbito de aplicação da revisão excepcional aí prevista as situações em que o erro seja imputável a comportamento negligente do contribuinte (condição aditada pela Lei n.º 60. º-A/2005, de 31.12). Ou seja, o vício que determina a reavaliação da matéria tributável não deve resultar de um comportamento negligente do contribuinte. Esta condição radica no entendimento de que, sendo o erro imputável ao contribuinte que negligenciou os seus deveres, então não deverá estar em causa uma injustiça grave ou notória na acepção do referido preceito legal. Naturalmente, é ao contribuinte que cumpre demonstrar que o erro é imputável a um seu comportamento negligente (o que decorre da regra geral do ónus da prova previsto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT).

Uma vez que o legislador não faz qualquer distinção, a negligência, para efeitos de imputação do comportamento do contribuinte, poderá ser simples ou grosseira e deve ser aferida de acordo com o padrão de comportamento do bonus pater familiae em face das circunstâncias do caso.

(...) É certo que o sistema fiscal não é de fácil apreensão a um cidadão médio, contudo é também certo, resulta das regras da experiência comum (qualquer cidadão cumpridor das suas obrigações fiscais o sabe), que a declaração de rendimentos, seja preenchida em suporte de papel, seja preenchida em suporte informático, tem instruções quanto ao seu preenchimento. Acresce, como resulta do probatório (e havia sido alegado perante a administração) que os Recorrentes tiveram apoio de um técnico oficial de contas no preenchimento da declaração de IRS (aliás, tendo contabilidade organizada, era obrigatório o preenchimento da declaração por técnico oficial de contas, cfr. ponto 2 do probatório}, técnico esse que deverá ter conhecimento quanto às consequências da opção pelo englobamento dos rendimentos. Sendo assim, a declaração de rendimentos foi preenchida não por um cidadão médio (que até poderia, mesmo perante as instruções de preenchimento, ficar confuso com as regras do sistema, o que sempre careceria de prova) mas por pessoa com conhecimento qualificado na matéria. E, então, inegável que, no caso concreto, e tendo em conta a diligência exigida a um homem médio, se o que os Recorrentes pretendiam era pagar menos imposto, foram violados deveres de cuidado aquando do preenchimento da declaração (violação esta que, naturalmente, perante a administração tributária, é imputada aos Recorrentes). Em consequência, a conduta dos Recorrentes não pode deixar de se considerar negligente, o que sempre obstaria à revisão excepcional da matéria tributável.

Face ao exposto, a decisão de indeferimento do pedido de revisão não merece censura, pelo que improcede a alegação dos Recorrentes.» B) Ora, não podem os Recorrentes conformar-se com a decisão recorrida, por entenderem que padece a mesma de erro de julgamento, claudicando na devida aplicação do direito aos factos, porquanto, considerou que o pedido de revisão formulado pelos aqui Recorrentes não preenchia os pressupostos/requisitos previstos no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, designadamente, quanto aos relacionados com a imputação do erro do ato tributário a comportamento negligente do contribuinte e quanto ao conceito de injustiça grave e notória.

C) Nos termos daquela disposição legal cumpre ao dirigente máximo dos serviços o poder dever de rever o ato de liquidação efetuado aos ora Recorrentes, por aquele enfermar de injustiça grave - i.e., por este impor uma tributação manifestamente exagerada e desproporcionada.

D) Ainda que juridicamente qualificado como indeterminado, o conceito de “injustiça grave” e “injustiça notória”, já foi objeto de esclarecimentos, por parte da própria Administração Fiscal - cfr. Ofício Circulado n.º 802/2002, de 8 de maio de 2002, da Direção de Serviços da Justiça Tributária da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) - no sentido de se considerar como injusta toda a situação que lese fortemente os interesses do contribuinte, designadamente, quando a matéria coletável e o imposto apurados forem marcadamente exagerados e desproporcionados com a realidade em termos de poder causar perturbações na vida do contribuinte e da sua empresa; E) Nos mesmos termos, dever-se-á qualificar como "NOTÓRIA", uma injustiça patente, ostensiva ou inequívoco, não se requerendo que seja geralmente conhecida ou sabida de muita gente".

F) Deste modo, quando a prática de um determinado ato tributário enferme, assim, de injustiça grave, deverá o dirigente máximo dos serviços, revê-lo oficiosa e excecionalmente G) Na verdade, esta questão de rever os atos tributários não se apresenta, assim, como uma questão extraordinária, mas sim uma questão de justiça e legalidade, a que a administração tributária está legalmente vinculada - entendimento não partilhado pela douta decisão recorrida - .

H) Neste conspecto, veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 9872/16.GBELSB, de 23 de abril de 2020, no sentido de que: «I - A Administração Tributária, face ao consignado no artigo 78.º da LGT tem o poder/dever de proceder à reposição da legalidade quando identifique uma situação de cobrança ilegal de tributos.

II - Os princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade, determinam que a Administração Tributária não possa demitir-se de tomar a iniciativa de revisão do ato, quando reconhece, expressamente, a ilegalidade do imposto liquidado.» (negrito nosso).

I) Mais referindo este aresto com interesse, nos presentes autos que: «Por isso, a administração tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua actuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto, devendo, em qualquer caso, limitar-se, na restrição dos direitos individuais, ao estritamente necessário para assegurar os fins que visa, não tratar discriminatoriamente os administrados, nem frustrar as expectativas que a sua actuação nestes tenha gerado". (destaques e sublinhados nossos).

Dir-se-á, portanto, que constituindo a lei simultaneamente o fundamento e o limite da atuação da Administração Tributária, esta tem o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT