Acórdão nº 02857/12.3BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1. “Lipor - Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto”, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 13-3-2021, que julgou improcedente a sua pretensão de anulação da autoliquidação de Imposto de Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativa ao exercício de 2011, no montante de €117.859,05, e de atribuição de indemnização pela prestação indevida de garantia bancária, interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2.

Nas alegações de recurso apresentadas, formulou a Recorrente as seguintes conclusões: «1.

O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença, proferida nos autos referidos em epígrafe, a qual considerou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra a liquidação adicional de IRC, efetuada pela AT, relativamente ao exercício de 2011.

  1. De acordo com o Tribunal a quo, a Impugnante não se encontra abrangida pela isenção vertida na alínea a) do artigo 9.° à data da liquidação de IRC, fruto da grande evolução normativa ocorrida ao nível da consagração e a extensão da equiparação entre autarquias locais e associações de municípios, no tocante à atribuição de isenções. Por outro lado, é ainda entendimento do Tribunal a quo que a Impugnante não integra a previsão constante da alínea b) do artigo 9.º do Código do IRC, não lhe sendo, também por esta via, aplicável qualquer isenção de IRC.

  2. Salvo o devido respeito, entende a recorrente que a decisão recorrida merece censura porquanto padece de ANULABILIDADE, por erro de julgamento da matéria de direito, em violação do disposto no nº 1 do artigo 123º do CPPT e do nº 2 do artigo 659º do CPPT.

  3. Antes de mais desenvolvimentos, impõe-se, em face do decidido, avaliar sobre que premissas deveria o Tribunal a quo analisar a Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto (Lei do Associativismo Municipal – LAM) e, nomeadamente, qual o alcance da respetiva disposição transitória, em face da sucessão de leis que lhe antecede e em vista de um princípio geral de proteção das expectativas que daquela legitimamente emergem.

  4. Com efeito, entre as múltiplas inovações trazidas pelo diploma legal em questão, há que destacar, sobretudo em razão do seu particular interesse para a situação da LIPOR, o diferente estatuto que de futuro passam a deter as associações de municípios, consoante se assumam como associações de fins múltiplos ou de fins específicos (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2º da LAM).

  5. Temos, assim, que as associações de municípios de fins múltiplos – as designadas comunidades intermunicipais (CIM) – são entendidas como pessoas colectivas de direito público constituídas por municípios que correspondam a uma ou mais unidades territoriais definidas com base nas Nomenclaturas das Unidades Territoriais Estatísticas de nível III (NUTS III) – n.º 2 do artigo 2º da LAM.

  6. Já as associações de municípios de fins específicos passam a ser compreendidas como pessoas colectivas de direito privado criadas para a realização em comum de interesses específicos dos municípios que as integram, na defesa de interesses coletivos de natureza sectorial, regional ou local – n.º 4 do artigo 2º da LAM.

  7. Este estatuto dual a que ficam subordinadas as associações de municípios (oscilando entre a categoria de pessoa coletiva de direito público ou de pessoa coletiva de direito privado, consoante o carácter geral ou específico dos correspondentes fins estatutários), contrasta, claramente, com a condição unitária, de pessoas coletivas de direito público, a que se encontravam submetidas, independentemente da natureza dos respetivos fins, pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 2º da Lei n.º 11/2003.

  8. Sucede que uma das diversas consequências que a LAM retira desta qualificação diferenciada, em razão da natureza dos fins prosseguidos, das associações de municípios, se consubstancia, precisamente, na reserva, a título de exclusivo, do estatuto de entidade equiparada a autarquia local para efeitos de isenções fiscais, às associações de municípios de fins gerais (também designadas comunidades intermunicipais) – cfr. o artigo 30º da LAM.

  9. Do exposto decorre, sem mais, que deixam de gozar desse regime fiscal privilegiado as associações de municípios de fins específicos, que serão desta forma remetidas (ao menos em princípio) para a disciplina especial constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC – que se deve, assim, ter por aplicável residualmente a todas as formas de associação entre municípios a que não caiba o qualificativo de CIM.

  10. Não obstante o que antecede, há que forçosamente atentar no n.º 6 do artigo 38º da LAM, o qual expressamente dispõe que «as associações de municípios de fins específicos constituídas até à entrada em vigor da presente lei podem manter em vigor a natureza de pessoa colectiva de direito público».

  11. A LAM, contudo, nada adianta (e, porventura, tão pouco teria de o fazer) sobre as implicações imediatamente associadas a esta preservação do estatuto de pessoa coletiva de direito público por parte das associações de municípios de fins específicos.

  12. Sendo óbvio que à conservação da qualidade de pessoa coletiva de direito público, pelas associações de municípios de fins específicos, têm que se ligar consequências de direito relevantes (sob pena de total inutilidade da norma em apreço), importa, agora, traçar o seu perímetro exato, a fim de precisar o alcance efetivo da referida disposição legal.

  13. Ora, a faculdade conferida às associações de municípios de fins específicos de deixarem intacta a sua natureza de pessoas coletivas públicas (desde que, conforme é o caso da LIPOR, já se encontrassem constituídas no momento da entrada em vigor da LAM) não afeta, minimamente que seja, nem o seu espectro de atribuições, nem, tão pouco, a sua estrutura orgânica e a determinação do quadro de distribuição de competências entre os seus vários órgãos.

  14. Com efeito, estes eram aspetos que já se encontravam regulados, em termos significativamente diferenciados, para as CIM e para as associações de municípios de fins específicos no contexto da Lei n.º 11/2003 e que não contendiam, por isso, com a sua natureza comum de pessoas coletivas públicas.

  15. O que essencialmente muda com o novo regime instituído pela LAM para o associativismo municipal, e que passa a definir as CIM como pessoas coletivas de direito público e as associações de municípios de fins específicos como pessoas coletivas de direito privado, é o regime jurídico aplicável à sua atuação – dito de outra forma, a constelação de normas que contextualizam o seu modo de agir.

  16. Referimo-nos, concretamente, às normas constantes dos artigos 21º a 31º da LAM (em particular, as relativas aos regimes de pessoal e dos encargos a suportar com o mesmo, de contabilidade, de fiscalização e julgamento das contas, de património e finanças, de endividamento, de isenções fiscais e de reação contenciosa às decisões dos seus órgãos), no que toca às CIM, e ao disposto no artigo 37.º do mesmo diploma (que determina que as associações de municípios de fins específicos se regem pelas disposições de direito privado e, ainda, pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, pelo Código dos Contratos Públicos, pela Lei de organização de processo do Tribunal de Contas e pelo regime jurídico da tutela administrativa), no que se refere às associações de municípios de fins específicos.

  17. Desta forma, somos obrigados a concluir que a opção de uma associação de municípios de fins específicos por «manter em vigor a natureza de pessoa coletiva de direito público», em conformidade com o estabelecido no n.º 6 do artigo 38º da LAM, significará a sujeição da sua atuação, no fundamental, a um regime substantivo de direito público, moldado, ainda que com as necessárias adaptações, a partir da disciplina contida nos artigos 21º a 31º.

    Ser-lhe-á assim extensível, ao contrário do que defende o Tribunal a quo, o regime de isenções fiscais que vale para as autarquias locais, do mesmo modo que lhe serão igualmente aplicáveis os regimes de pessoal, contabilidade, financeiro e contencioso que é estabelecido pelo legislador para as CIM, enquanto associações de municípios de fins gerais com estatuto de pessoa coletiva de direito público.

  18. Não obstante o exposto e sem prescindir, a verdade é que nem assim as liquidações impugnadas podem ser consideradas legais, como também argumenta, a título subsidiário, o Tribunal recorrido.

  19. É que, em rigor e ao contrário do que se propugna na Sentença de que se recorre, dúvidas não podem existir sobre o facto de a LIPOR não exercer uma atividade comercial e industrial.

  20. É ao Estado e, mais especificamente, aos municípios – como todos reconhecem – que compete promover e garantir a realização dos serviços básicos de recolha e tratamento dos lixos: não é este um compromisso ou responsabilidade do Estado – dos municípios – nos resultados da atividade, mas um verdadeiro “dever que visa garantir sua existência”, o que, aplicado ao caso e à questão sub judice, transforma a atuação de uma associação com aquela natureza numa decorrência daquela responsabilidade de execução, não focalizada num interesse de cariz lucrativo, e já não numa responsabilidade de execução privada (embora de interesse público) de carácter empresarial.

  21. Qualquer outro critério (de cariz material) para qualificação como principal de um determinado fim associativo ou objeto social seria imprestável.

  22. Referimo-nos a um critério relativo, por exemplo, à contribuição das receitas respetivas para a globalidade dos resultados da associação ou da empresa ou aos níveis de afetação a esse fim dos recursos da entidade em causa – segundo o qual apenas poderíamos concluir que uma atividade não-lucrativa é a atividade exercida a título principal se as receitas e/ou os níveis de afetação de recursos superassem as receitas e os níveis de afetação às restantes.

  23. Um tal critério seria...

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