Acórdão nº 02120/17.3BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I - RELATÓRIO 1 – “Farmácia A………., Lda.”, com os sinais dos autos, impugnou no Tribunal Tributário de Lisboa o indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação de Imposto do Selo (guia n.º 80231033460).

2 – Por sentença de 6 de Março de 2020, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação, anulou o acto de liquidação antes referido e condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à emissão da respectiva nota de crédito 3 – A Fazenda Pública, inconformada com o teor da sentença, vem interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando, para tanto, alegações que remata com as seguintes conclusões: «[…] a) Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, consequentemente, anulou o ato impugnado de liquidação de imposto do selo e condenou a AT ao pagamento de juros indemnizatórios b) Salvo o devido respeito, a douta sentença enferma de erro de julgamento resultante da incorreta interpretação e aplicação do Direito, tendo, assim, violado a norma prevista no artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (Código IS) e na verba 27.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

c) Como será demonstrado de seguida, em rigor, é a douta decisão que incorre em erro judicativo por não ter interpretado corretamente o conceito “trespasse de estabelecimento comercial” previsto na verba 27.1 da TGIS.

d) Com efeito, a transmissão em causa nos autos configura um vero e próprio trespasse de estabelecimento comercial para efeitos da verba 27.1 da TGIS, estando, assim, sujeita a imposto do selo.

e) Considerou o tribunal a quo que a condição essencial para que se considere um verdadeiro trespasse é a transferência do direito ao arrendamento em relação ao local onde o mesmo se encontra a laborar e concluiu que o direito ao arrendamento de um corredor de três m2 não pode ser determinante da qualificação jurídica da transmissão em causa como trespasse e, muito menos, para efeitos de incidência de imposto do selo.

f) Não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento pois conforme decorre da escritura de constituição da sociedade, a realização da entrada em espécie é efetuada mediante transmissão do estabelecimento comercial denominado Farmácia A…….., que inclui a totalidade do património afeto ao exercício da atividade empresarial do mesmo estabelecimento, não constando bens imóveis, nem direitos de arrendamento, exceto o direito de arrendamento relativamente a um pequeno corredor, com a área aproximada de três metros quadrados, que serve como acesso secundário ao estabelecimento que tem cerca de cento e vinte metros quadrados. (facto C da fundamentação de facto).

g) Encarando-se o estabelecimento como um bem indiviso, sem gomos discriminados, sem partes excluídas, sem distinção de elementos independentemente da eventual saliência de um deles, tendo as partes intervenientes no negócio tratado dele como único e indivisível, somos da opinião de que, contrariamente ao decido pelo tribunal a quo, a transmissão onerosa de um estabelecimento, acompanhada da transmissão de um contrato de arrendamento de um imóvel, ainda que seja “um pequeno corredor” “que serve como acesso secundário ao estabelecimento” deve ser qualificada como trespasse de estabelecimento comercial ou industrial, cabendo, assim, na previsão da norma de incidência da verba 27.1 da TGIS.

h) Pelo que, aceitando ainda o conceito de trespasse desenvolvido na sentença de que ora recorremos, deveria o tribunal a quo ter decidido que ocorrendo a transmissão de um contrato de arrendamento de um pequeno corredor que serve como acesso secundário ao estabelecimento é relevante para o preenchimento do conceito de trespasse desenvolvido, concluindo pela legalidade da liquidação de imposto do selo.

i) Assim, entende a Fazenda Pública que, decidindo como decidiu, o tribunal a quo não interpretou corretamente o conceito “trespasse de estabelecimento comercial”, violando a norma prevista no artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (Código IS) e na verba 27.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

j) Caso assim não se entenda, o que por mero exercício intelectual se concede, e sem prescindir, k) Parece-nos igualmente que o tribunal a quo não adotou o conceito de “trespasse de estabelecimento comercial” mais rigoroso e conivente com o princípio da legalidade.

l) Se é certo que, classicamente, a doutrina defendia que o trespasse era caraterizado pela existência de um contrato de arrendamento tendo por objeto o estabelecimento comercial, atualmente é pacífico que pode existir trespasse de estabelecimento estável sem existir um direito de arrendamento do imóvel.

m) Conforme doutrina melhor identificada nas alegações e que se dá aqui por reproduzida, o regime plasmado para o trespasse no artigo 1112.º do Código Civil regula, apenas, os casos em que existe um contrato de arrendamento, não podendo a partir daí concluir-se ser esta a única hipótese de trespasse.

n) Com efeito, o artigo 1112.º do Código Civil regula a situação mais comum, facto que, ademais, era visível no pretérito Regime do Arrendamento Urbano, que regulava, em especial o arrendamento para comércio, máxime o artigo 115.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro.

o) Ora, mesmo sob a égide desse regime, tal preceito apenas regia os casos de trespasse aos quais estava acoplado um contrato de arrendamento, motivo pelo qual as asserções das páginas 17 e 18 da douta sentença enfermam de uma sinédoque, isto é, tomou-se a parte (regime do arrendamento urbano) pelo todo (trespasse em geral), para afastar do conceito de trespasse os casos em que não haja contrato de arrendamento tendo por objeto o imóvel onde está sito o estabelecimento.

p) A propósito da incidência de selo sobre o trespasse de estabelecimento escreveram Saldanha Sanches e Manuel Anselmo Torres (artigo constante a fls. 98 e ss. da reclamação graciosa): «…a delimitação da incidência de imposto do selo àquelas transmissões de estabelecimentos que incluam a transmissão do direito ao arrendamento não parece ter o mínimo de correspondência na letra da lei nem traduzir o pensamento legislativo. Antes pelo contrário, resultaria no tratamento desigual de contribuintes em situação substancialmente idêntica, o qual deve ter-se por...

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