Acórdão nº 01471/17.1BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por REN PORTGÁS - Distribuição, SA, melhor sinalizada nos autos, visando a revogação da sentença de 05-01-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação intentada contra o despacho proferido em 21/04/2017 pelo Sr. Diretor da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidades dos Grandes Contribuintes, o qual indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra o acto de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) n.º 27000001151, relativa ao ano de 2016, no valor de € 3.703.564,38, bem como acto de autoliquidação n.º 2700002204, no valor de € 3.768.534,50, e absolveu a AT do pedido.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente REN PORTGÁS - Distribuição, SA, as seguintes conclusões:

  1. O Requerimento de interposição de recurso, acompanhado das respetivas Alegações, apresentado nesta data, é tempestivo.

  2. O objeto do Recurso é constituído pela Sentença proferida nos autos de Impugnação Judicial n.° 1471/17.1BEPRT, em 29 de dezembro de 2020, no segmento decisório dedicado à apreciação do mérito da causa e à consequente condenação da Recorrente em custas, concordando-se com a Sentença recorrida na parte em que o Tribunal a quo admite a ampliação dos autos por forma a que os mesmos passem a versar sobre o ato de liquidação n.º 2700002204, decorrente da entrega da Declaração Modelo 27 de substituição, e, bem assim, na parte em que determina a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

  3. A RECORRENTE entende que a Sentença recorrida incorre vício de omissão de pronúncia, por não se debruçar, em toda a linha, sobre a alegada violação da regra da especificação orçamental, geradora de ilegalidade abstrata ou de inconstitucionalidade indireta, conforme invocado, tempestivamente, pelo Recorrente em sede de Alegações escritas.

  4. A RECORRENTE entende, também, que a Sentença recorrida incorre, ainda, em vício de erro de julgamento no que tange: (i) à apreciação da natureza jurídica da CESE, e, bem assim, do juízo de preclusão quanto à apreciação da violação do princípio da capacidade contributiva, na vertente de igualdade material, e da violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real (artigo 103.° da Constituição da República Portuguesa - “CRP”); e, bem assim, (ii) à apreciação da alegada violação do princípio da proporcionalidade e da igualdade na repartição dos encargos públicos (artigo 103.º, n.º 1, da CRP); (iii) à apreciação da alegada violação dos princípios da confiança, da segurança jurídica e da não retroatividade da lei fiscal (artigos 2.° e 103.°, n.º 3, da CRP).

  5. A RECORRENTE invocou, nos artigos 106.° a 144.° e nas Conclusões Ivi) a Iviii) das Alegações escritas, no âmbito da Impugnação Judicial, em 9 de maio de 2018, a violação da regra da especificação orçamental, a qual inquina o ato tributário dos vícios de ilegalidade abstrata ou de inconstitucionalidade indireta.

  6. A Recorrente sustentou a sua alegação em quatro Pareceres jurídicos, um da autoria do Prof. Dr. José Casalta Nabais, um da autoria da Prof. Dra. Maria d’Oliveira Martins, um da autoria do Prof. Dr. Joaquim Freitas da Rocha, e um último da autoria do Prof. Dr. Eduardo Paz Ferreira e da Prof. Dra. Clotilde Celorico Palma, devidamente junto aos autos.

  7. A invocação deste fundamento em sede de Alegações é própria e admissível, uma vez que cominação desse vício é a nulidade típica ou integral, por se reconduzir à previsão das alíneas k) e l) do artigo 161.º do CPA, a qual será invocável a todo o tempo, ou, pelo menos, até ao trânsito em julgado da Sentença, na esteira do que vem sendo defendido pela jurisprudência e doutrina relevantes.

  8. Mas ainda que se entenda - o que apenas se concebe por mera cautela de patrocínio, atenta a jurisprudência e doutrina existentes anteriormente às previsões consagradas nas referida alíneas k) e l) do artigo 161.º do CPA, a que entende se subsumir o caso dos presentes autos -, que, neste caso, a nulidade de que padece o ato de liquidação em crise não é suscetível de ser invocado a todo o tempo, ou que antes deve intervir a anulabilidade, sempre se dirá que as questões de constitucionalidade deverão ser suscetíveis de ser invocadas e conhecidas (ainda que oficiosamente) pelo Tribunal até ao trânsito em julgado dos presentes autos, dada a relevância das normas constitucionais violadas pela CESE, como entende a doutrina e a jurisprudência.

  9. Ora, na Sentença recorrida, em momento algum o Tribunal a quo se debruça sobre esta questão de direito levada aos autos em sede de Alegações escritas, em manifesta omissão de pronúncia, inquinando a sentença recorrida de nulidade.

  10. Assim, inegável que é a admissibilidade da questão de direito submetida ao Tribunal a quo em sede de Alegações escritas, a sua não apreciação pelo Tribunal a quo configura uma situação típica de omissão de pronúncia, a qual determina, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC a nulidade da Decisão recorrida, devendo a mesma ser revogada.

  11. Ainda que a Sentença deva ser considerada nula, e por isso revogada, considerando que os autos dispõem de todos os elementos necessários à apreciação da questão omissa, requer-se ao Tribunal ad quem que, caso assim o entenda, faça uso da prerrogativa concedida pelo disposto no artigo 665.º, n.º 2, do CPC, e, assim, aprecie, em sede do presente recurso, a questão não conhecida pelo Tribunal a quo.

  12. A Sentença recorrida remete a sua fundamentação para o Acórdão do STA, de 8 de janeiro de 2020, proferido no âmbito do processo 0386/17.8BEMDL, onde o STA, e, portanto, também o Tribunal a quo, entendeu que a CESE tem natureza de contribuição financeira e não de imposto, aderindo ao entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 7/2019, de 8 de janeiro.

  13. A RECORRENTE não concorda com tal entendimento, desde logo porque a jurisprudência que sustenta a Sentença recorrida aprecia a conformidade constitucional de um ato de liquidação da CESE do ano 2014, o que tem largo impacto nos pressupostos daquela decisão, que se circunscrevem exclusivamente à factualidade verificada naquele período e não ao período em causa nos presentes autos: 2016.

  14. A RECORRENTE insiste que a CESE se trata de um verdadeiro imposto, porque (i) se destina ao financiamento de fins gerais do Estado, e (ii) carece da bilateralidade característica das contribuições financeiras.

  15. A CESE foi criada, não só com o objetivo de garantir a sustentabilidade sistémica do sector energético, mas, também, com o objetivo de angariar receita para o cumprimento das metas traçadas no programa de assistência financeira, assim onerando, especialmente, o sector energético.

  16. Esta segunda finalidade da CESE, a da contribuição para a consolidação orçamental, que parece ser ignorada pela jurisprudência invocada na Sentença recorrida, é a única finalidade a que tem sido, efetivamente, alocada a receita da CESE ao longo destes sete anos, e retira à CESE o caráter bilateral cuja existência é defendida pelo Tribunal a quo.

  17. Depois, contrariamente ao pugnado pela Sentença recorrida, entende a RECORRENTE que os benefícios/custos presumidos advenientes do financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade do setor energético, através da redução da dívida tarifária e da adoção de medidas de caráter social e ambiental do setor energético, não permitem isolar os sujeitos passivos de CESE dos demais contribuintes, mas, pelo contrário, permitem alargar o escopo de presumíveis beneficiários à generalidade dos contribuintes, já que traduz uma tarefa fundamental do Estado, cabendo no elenco do artigo 9.º, al. d), da CRP.

  18. A RECORRENTE insiste que não existe, com efeito, nenhuma bilateralidade quando as finalidades que se pretendem alcançar beneficiam da mesma forma a generalidade dos contribuintes e não, em específico, um determinado grupo dentro destes.

  19. O Tribunal a quo não logra clarificar, cabalmente, que essas presumíveis compensações são diferentes, distintas e especiais relativamente àquelas que resultarão para a generalidade dos contribuintes não sujeitos a CESE.

  20. A finalidade de promoção da sustentabilidade do setor energético mantém tanto uma “suficiente proximidade" (para utilizar a expressão exata da jurisprudência...

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