Acórdão nº 1738/15.3PAVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO PIRES SALPICO
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc.Nº1738/15.3PAVNG.P1X X XAcordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No processo comum com intervenção de Tribunal Singular que correu termos no Tribunal judicial da comarca do Porto no Juízo Local Criminal do Porto, a arguida, B…, por sentença, proferida a 16/10/2017, transitada em julgado, em 15/11/2017, foi condenada pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1 do Código Penal (CP), na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com regime de prova, designadamente com sujeição de tal arguida, durante este período, a acompanhamento social que venha a revelar-se necessário. Para efeitos de cumprimento do regime de prova determinado na sentença, a DGRSP propôs o Plano de Reinserção Social, junto aos autos (cfr., referência nº 18294491, de 29.3.2018), o qual foi homologado pelo Tribunal, por despacho judicial, proferido em 10.4.2018 (cfr., referência nº 391494845).

Por decisão proferida em 19/05/2021 revogou-se, ao abrigo do disposto no artº 56º, nºs 1, als. a) e b) e 2 do CP, a suspensão da execução da pena aplicada à arguida, B…, mais se determinando, consequentemente, que a mesma cumpra efetivamente a pena de 9 (nove) meses de prisão, fixada na sentença.

*Não se conformando com a decisão, o arguido veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões: I - O presente recurso versa sobre a matéria de Direito vertida no despacho (fls. ref.424926068) que revogou a suspensão da pena de prisão de 9 meses aplicada à Recorrente nos presentes autos.

II - Preceitua o art. 54.º n.º 2 do Código Penal que “[o] plano de reinserção social é dado a conhecer ao condenado, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo prévio”; efetivamente, nos presentes autos, não se retira que tenha havido a mais mínima tentativa de obter o acordo prévio da Recorrente para a prossecução do plano de reinserção social que o preceito mencionado faz referência, o que, de forma flagrante, ultraja a lei.

III - Na esteira do decido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, cujo entendimento, deveras, se sufraga: “[o]ra, a lei que proíbe o mais proíbe o menos. Assim, não nos parece à partida (nem à chegada) que assim tenha sido feito (…). Tal aceitação é injuntiva, obrigatória e indispensável, também no devir do plano de reinserção social”. (Cfr. Ac. TRL, datado de 25-05-2017, relator FILIPA COSTA LOURENÇO, processo n.º 317/14.7PBPDL-A-L1-9, in www.dgsi.pt).

IV - Convenhamos que se, pelo menos, tivesse existido a tentativa de acordar um plano com a Condenada, tal como o art. 54.º n.º 2 do Código Penal impõe, evitar-se-iam, com elevadas probabilidades, as situações de incumprimento dos respetivos regimes de prova.

V - Sempre se diga que não se pode falar de uma infração grosseira ou repetida dos deveres ou regras de condutas impostos ou do plano de reinserção social não tendo o Tribunal a quo logrado obter o prévio acordo da Condenada; concluímos, assim, e salvo melhor opinião, que a inobservância do previsto no art. 54.º n.º 2 do CP inviabiliza a verificação dos pressupostos plasmados no art. 56.º n.º 1 al. a) do mesmo código.

VI - À luz do art. 97.º n.º 5 do CPP “[o]s atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.

VII - Ainda que não estejamos na presença de uma verdadeira sentença, não se mostra despicienda a constatação de uma estreita relação existente entre ambas as decisões; na realidade, tanto a sentença como o despacho de revogação obtêm-se atendendo à prova respetivamente produzida.

VIII - No que tange à figura da sentença, o art. 374.º n.º 2 do CPP impõe que a mesma contenha a enumeração dos factos dados como provados e dos factos dados como não provados. Ademais, impõe o mesmo artigo que o julgador faça um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sob pena de nulidade – art.379.º n.º 1 al. a) do mesmo código; de facto, tais exigências justificam-se, também, com o preceituado no art. 27.º n.º 4 e art. 32.º n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

IX - Decidiu o STJ: “[t]al despacho não se limita, como se disse, a dar sequência à “execução” da pena anteriormente cominada, mas aprecia factos novos entretanto surgidos e que põem em causa a suspensão (condicional) da pena de prisão (…)”. (Cfr. Ac. STJ, datado de 20-02-2013, relator RODRIGUES DA COSTA, processo n.º 2471/02.1TAVNG-B.S1, in www.dgsi.pt.).

X - Assim sendo, tendo como assente que o despacho a que o art. 495.º n.º 2 do CPP faz referência consiste na apreciação de novos factos, cremos que não seja concebível a ideia de que este não deva ter uma enunciação individual e especificada dos factos dados como provados (ou demonstrados) sob pena de os direitos constitucionalmente consagrados da Condenada saírem defraudados.

XI - Comungamos, por isso, do pensamento que a nulidade prevista no art. 379.º n.º 1 do CPP é aplicável ao despacho do art. 495.º n.º 2 do mesmo código, pois, caso assim não se entenda, mostra-se inconstitucional o art.495.º n.º 2 do CPP quando interpretado no sentido de no mesmo não ser exigível uma enunciação especificada e individual dos factos dados como provados, por violação dos arts. 27.º n.º 4 e 32.º n.º 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa; inconstitucionalidade que fica, desde já, arguida para todos os efeitos legais.

XII - Ao ignorar o previsto no art. 43.º n.º 1 do CP, o Tribunal a quo violou a lei, porquanto, conforme o preceito prescreve, poderia ter aplicado à Recorrente uma pena de multa.

XIII - Estribando-nos no que foi recentemente proclamado por a Relação de Coimbra, sempre se diga que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão só deve ter lugar quando seja a única e última forma de conseguir alcançar as finalidades da pena; em harmonia com os princípios basilares do nosso Direito Penal trata-se, na realidade, de uma cláusula de ultima ratio. (Cfr. Ac. TRP, datado de 07-02-2018, relator MARIA DOLORES SILVA E SOUSA, processo n.º 24/16.6PGGDM-A.P1, in www.dgsi.pt).) XIV – Ao invés por optar pela “bomba atómica” das soluções, a primeira instância poderia, conforme se colhe do art. 55.º do Código Penal: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres de ou regras de conduta; ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção ou, até, prorrogar o período de suspensão.

XV - Note-se que no relatório final de execução (fls…) elaborado pela DGRSP, em de Janeiro de 2019, é mencionado que “(…) a condenada mostrou consciência da impulsividade que a caracteriza e que tem motivado os seus confrontos com o Sistema de Administração da Justiça Penal, e declarou ter vontade de se inscrever num ginásio e, eventualmente, de aumentar a sua escolaridade (…)”.

XVI - Como referem SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, “(…) o não cumprimento da obrigações impostas não deve despoletar necessariamente a revogação da condenação condicional. Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotados ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências que este preceito contém”.

XVII - Ademais, cremos que a condenação por crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, só por si, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, em liberdade, as finalidades da punição que norteará a opção entre o regime do art. 55.º ou do art. 56.º do Código Penal.

XIX - Concluímos, então, ser manifesto que não se mostram preenchidos, menos ainda de forma cumulativa, os pressupostos exigidos pelo art. 56.º n.º 1 do Código Penal e, por isso mesmo, o despacho proferido pelo Tribunal a quo deverá ser revogado e substituído por outro que esteja em euritmia com a lei e que, por conseguinte, seja realmente proporcional.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE O DESPACHO OBJETO DO PRESENTE RECURSO, SÓ ASSIM FARÃO OS VENERANDO DESEMBARGADORES A TÃO ACLAMADA JUSTIÇA*O Digno Procurador apresentou resposta ao recurso: sustentando a improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma: No que tange ao douto Recurso ora interposto, verifica-se que: - Relativamente à alegada “inobservância do disposto no artº 54º/2 do Código Penal” – que estipula que “O plano de reinserção social é dado a conhecer ao condenado, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo prévio”, afigura-se que a mesma se deverá certamente a lapso: Retira-se do Plano de Reinserção Social elaborado pela DGRSP, datado de 28/03/2018 (cfr. fls. 219 e ss.), que o mesmo resultou de diversas diligências de recolha e análise de informação, nomeadamente, entrevistas estruturadas, efectuadas com a condenada, nas instalações da equipa de reinserção social; sendo expressamente consignado no mesmo que a arguida B… tomou conhecimento do Plano e manifestou concordância com os seus objectivos e actividades. Verifica-se também resultar daquele Plano que, “Para apoio e vigilância do cumprimento dos objectivos e das actividades contempladas no presente plano, a DGRSP manterá: - Entrevistas com a condenada, cuja frequência e regularidade serão estabelecidas em função das necessidades de apoio e vigilância reveladas ao longo da execução da medida, advertindo-a para a obrigatoriedade de comparência; a DGRSP solicitará à condenada: - A justificação de quaisquer faltas, devendo comunicá-las previamente. - Os contactos de pessoas do seu meio familiar ou outro, bem como informações e documentos comprovativos; - A disponibilidade para receber a Técnico de Reinserção Social no meio residencial, ou outro considerado pertinente, e...

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