Acórdão nº 8902/18.1T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA
Data da Resolução03 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 8902/18.1T8LSB.L1.S1 Tribunal recorrido – Relação de Lisboa, 2.ª Secção Acordam na 6.ª Secção do SupremoTribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1.

J. A. Santos, Lda.

e «Centro de correcção visual, Lda.» intentaram acção de condenação sob a forma de processo comum contra «Grandvision Unipessoal, Lda.», pedindo a condenação desta a pagar: (i) à 1.ª Autora, 58.479,45€, acrescida de 24.551,43€ de juros vencidos, no total de 83.030,88€; (ii) à 2.ª Autora, 28.805,20€, acrescida de 12.093,29€ de juros vencidos, no total de 40.898,49€; em ambos os casos sendo os capitais acrescidos ainda dos juros que se vencerem até integral pagamento à taxa legal para operações comerciais.

Alegaram a sentença transitada em julgado e proferida no processo n.º 2022/08… (doravante, 2022/08…) – junta como Doc. 1 –, tendo aí resultado provado que (71) entre a «Grandvision Unipessoal, Lda.» (antes «Multiópticas Unipessoal, Lda.», depois «Pearle Portugal Unipessoal, Lda.») e a «J. A. Santos, Lda.» existia um saldo de contas-correntes, a favor desta, de, pelo menos, 58.402,65€ relativo a rappel e que (72) entre a «Grandvision Unipessoal, Lda.» e a «Centro de correcção visual, Lda.» um saldo a favor desta, de 28.767,37€, também de rappel, valores estes que constam registados nos balanços de cada uma das Autoras; apesar de solicitado o pagamento, a Ré nunca procedeu ao mesmo; esses créditos a favor das Autoras foram apreciados e reconhecidos naquele processo n.º 2022/08...; assim sendo, sobre tal matéria existe autoridade de caso julgado e, por isso, essa sentença deve ser pressuposto indiscutível da existência do crédito das Autoras; o crédito das autoras resulta de transacção comercial.

A Ré apresentou Contestação, invocando a inexistência de caso julgado cuja autoridade pudesse ser invocada, desde logo porque o caso julgado não faz valer, por si só, a matéria de facto provada num processo anterior; excepcionando com a nulidade da atribuição do rappel por força do art. 6º do CSC se essa atribuição não tivesse sido feita nos termos por ela defendidos; o abuso de direito, por força do art. 334º do CC, se fosse reconhecido às autoras o direito de receber o rappel apesar de terem violado o contrato, dando lugar à resolução do mesmo pela ré e por a acção só ter sido intentada seis anos depois da sentença da no processo n.º 2022/08...; e a prescrição dos eventuais juros que se tivessem vencido até 17/04/2013 (cinco anos antes da citação da Ré para esta acção).

Os oito contratos de franquia celebrados entre as Autoras e (originariamente) a «Multiópticas de Gestão, S.A.» e a «Multiópticas Unipessoal, Lda.» foram juntos como Docs. 2 a 9.; tendo em conta que apenas os contratos celebrados com a Segunda Autora em 6/3/1989 e 20/7/1990 diferem dos demais, sem prejuízo da sua referência se pertinente, serão considerados na fundamentação, os contratos celebrados, com a Primeira Autora, em 10/7/2003 e, com a Segunda Autora, em 16/8/2000 (como “contratos considerados”).

As Autoras responderam às excepções deduzidas, pugnando pela sua improcedência e pedindo a condenação da Ré como litigante de má fé.

Depois de notificadas para suprimento de insuficiências (despacho pré-saneador), as Autoras apresentam peça de aperfeiçoamento da Petição Inicial. A Ré arguiu a excepção dilatória de ineptidão, com a consequente absolvição da Ré da instância, impugnou os factos alegados e reiterou a absolvição do pedido.

  1. Foi elaborado despacho saneador, no qual se decidiu não existir a autoridade de caso julgado invocada pelas partes Autoras.

  2. Uma vez realizada a audiência de discussão e julgamento, o Juiz … do Juízo Central Cível … proferiu sentença em que julgou improcedente a acção e absolveu a Ré do pedido.

  3. Inconformadas, as Autoras interpuseram recurso de apelação, visando julgar a acção como procedente, para cuja decisão foram identificadas as seguintes questões: “se, com base na sentença proferida na acção 2022/08….., se podia decidir que os créditos das autoras existiam”; “se a decisão da matéria de facto deve ser alterada, com a consequente alteração da decisão de Direito”.

    O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão em que, depois de alterar os pontos 3., 4., 10. e 13. da matéria de facto provada, julgou a acção parcialmente procedente, “condenando a ré a pagar 58.402,65€ à 1.ª autora e 28.767,37€ à 2.ª autora, quantias essas acrescidas de juros vencidos desde 18/04/2013 (estando prescritos os vencidos até 17/04/2013) e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal dos juros comerciais”.

  4. Veio então a Ré interpor recurso de revista para o STJ, pedindo a final: “

    1. O acórdão do TRL deve ser revogado no que respeita à alteração da matéria de facto dos artigos 3, 4 e 10 da sentença da 1.ª Instância, na medida em que essa alteração assenta em erro jurídico de violação das normas legais aplicáveis à suposta confissão que foi feita pela RÉ na réplica do processo 2022/08… ou, subsidiariamente, deve ser determinada a baixa do processo para reformulação destes pontos da matériade facto; b) O acórdão do TRL deve ser revogado no que respeita à alteração da matéria de facto dos artigos 3 e 4 da sentença da 1.ª Instância, na medida em que essa alteração viola o princípio da indivisibilidade da confissão previsto no artigo 360.º do CC ou, subsidiariamente, deve ser determinada a baixa do processo para reformulação destes pontos da matéria de facto; c) O acórdão do TRL deve ser revogado no que se refere à alteração dos artigos 3, 4 e 10 da matéria de facto provada, mantendo-se a sentença da 1.ª Instância e, em consequência, deve ser confirmada a improcedência da acção; d) Deve ser reconhecida a violação do princípio de caso julgado por parte do TRL (ou, subsidiariamente, da autoridade de caso julgado) e, em consequência, o acórdão recorrido deve ser revogado ou, subsidiariamente, deve ser ordenada a baixa do processo para a sua reformulação; e) Deve ser julgada procedente a nulidade do acórdão recorrido por contrariedade dos fundamentos com a decisão e,em consequência, deve o mesmoser revogadoou, caso assim não se entenda, deve ser ordenada a baixa do processo para correcção do vício; f) Deve ser julgada procedente a nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia e, em consequência, deve o mesmo ser revogado ou, caso assim não se entenda, deve ser ordenada a baixa do processo para correcção do vício; g) Deve ser julgada procedente a violação pelo acórdão recorrido dosartigos 434.º e 801.º, n.º 2, do CC; h) Em todo o caso, deve ser julgada procedente a presente revista e ser revogado o acórdão recorrido; i) Subsidiariamente e caso assim não se entenda, procedendo a condenação da RÉ (o que em caso algum se concede), os juros de mora apenas devem ser computados a partir da sua citação nos presentes autos.” Para o efeito, apresentou as seguintes Conclusões: “1. Os presentes autos têm por objecto a reclamação pelas AUTORAS à RÉ do pagamento de determinados montantes que lhes teriam sido reconhecidos no âmbito de um processo judicial que correu entre as Partes no … Juízo do Tribunal de ..., sob o n.º 2022/08….

  5. Nessa acção, a aqui RÉ tinha demandado as AUTORAS pela cessação ilegal dos contratos de franquia que vigoravam entre si e exigido uma compensação pelo incumprimento desses mesmos contratos.

  6. A RÉ obteve provimento no processo n.º 2022/08..... mas, na medida em que formulou e calculou o seu pedido indemnizatório com base no interesse contratual positivo, as AUTORAS não foram condenadas a indemnizar a RÉ pelo referido incumprimento.

  7. No âmbito desse processo, a RÉ reconheceu que ao longo da relação de franquia que unia as partes, havia creditado determinados montantes na conta-corrente que mantinha com as AUTORAS e que, pese embora a atribuição dessas notas de crédito não fosse exigida contratualmente, fazia-o para que asAUTORAS pudessemdescontar esses valoresnas compras de produto próprio que estavam contratualmente obrigadas a fazer.

  8. Uma vez que as AUTORAS incumpriram com as quantidades de compras de produto próprio que estavam contratualmente obrigadas a fazer e cessaram indevidamenteos contratos de franquia antes do que seria o seu termo, as contas-correntes apresentavam um saldo positivo a favor das AUTORAS no momento em que cessou (ilicitamente) a relação comercial.

  9. A RÉ reconheceu a existência desses saldos positivos no processo 2022/08....

  10. As AUTORAS deduziram um pedido reconvencional subsidiário no processo 2022/08... no sentido de receberem o saldo das contas-corrente caso fossem condenadas na indemnização pelo interesse contratual positivo formulada pela RÉ 8. Na medida em que o Tribunal de ... não concedeu provimento ao pedido indemnizatório pelo interesse contratual positivo formulado pela RÉ, a reconvenção subsidiária de compensação formulada pelas AUTORAS nunca chegou a ser apreciada.

  11. Os presentes autos têm como objecto a reclamação por parte das AUTORAS do saldo positivo dessas contas-corrente.

  12. A 1.ª Instância julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a RÉ de todos os pedidos.

  13. Inconformadas, as AUTORAS recorreram dessa decisão e o Tribunal da Relação de Lisboa julgou a apelação das AUTORAS parcialmente procedente.

  14. Em 18-06-2020, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou parcialmente procedente a apelação interposta pelas AUTORAS e, em consequência, alterou a matéria de facto provada sob os artigos 3, 4 e 10 da sentença proferida pela 1.ª Instância e condenou a RÉ no pagamento dos valores peticionados.

  15. A alteração da matéria de facto provada sob os artigos 3, 4 e 10 da sentença proferida pela 1.ª Instância implicou a violação de normas de direito por parte do Tribunal da Relação de Lisboa.

  16. Ao alterar os artigos 3, 4 e 10 da sentença proferida pela 1.ª Instância, o TRL socorreu-se de uma suposta confissão feita pela RÉ no processo 2022/08... e violou os artigos 355.º, n.º 3, do Código Civil e 421.º, n.º 1, do CPC.

  17. O STJ tem competência para apreciar esta questão, nos termos e para os...

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