Acórdão nº 1069/15.9T8AMT-P.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução03 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 1069/15.9T8AMT-P.P1.S1 Recorrente: “Supercorte – Empresa de Confecções, S.A.” Recorridos: “Massa Insolvente de Profato – Empresa de Confecções, S.A.” e AA I. RELATÓRIO 1. “Supercorte – Empresa de Confecções, S.A.” propôs contra Massa Insolvente de Profato – Empresa de Confecções S.A. e AA (administrador da insolvência), por apenso ao processo de insolvência, ação destinada a que lhe fosse reconhecida a validade de um contrato de arrendamento para fim não habitacional.

  1. A primeira instância proferiu a seguinte decisão: «a) julgar a ação instaurada pela Autora totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver os Réus de todos os pedidos contra si formulados; b) julgar a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência condenar a Autora a restituir à Ré Massa Insolvente da “Profato – Empresa de Confeções, S.A.”, livre e devoluto de pessoas e de bens, o espaço que a Autora vem ocupando no prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº …71, inscrito sob a matriz nº …65 da freguesia ..., ..., apreendido sob a verba … do Auto de Apreensão de Bens, e condenar a Autora a pagar à Ré Massa Insolvente da “Profato – Empresa de Confeções, S.A.” uma indemnização pela ocupação que vem fazendo de tal espaço, à razão de €5.500 (cinco mil e quinhentos euros), por cada mês, desde 29.02.2016 e até efetiva entrega do mesmo espaço.

    A autora foi condenada a entregar o imóvel em causa, no prazo de 2 meses, após o transito em julgado.

  2. Inconformada, a autora apelou, mas a Relação confirmou a decisão da primeira instância, subscrevendo os seus fundamentos. Divergiu apenas quanto ao prazo que fixou à autora para desocupar o imóvel (que passou de 2 para 4 meses).

  3. Inconformada com a improcedência do essencial da apelação, a autora interpôs recurso que qualificou como revista excecional, alegando que se verificavam os fundamentos correspondentes às alíneas a), b) e c) do art. 672º, nº 1 do CPC.

    Nas suas alegações, a recorrente formulou extensas e repetitivas conclusões que parcialmente se transcrevem, expurgadas de alguns pontos irrelevantes para a apreciação da matéria em causa, bem como das considerações que se destinavam a justificar a admissibilidade da revista excecional: «[…] K. Em causa está aferir se o facto de a sentença e o acórdão recorridos, ao sustentarem as respetivas posições numa corrente jurisprudencial por aqueles considerada como maioritária, sem aprofundar os fundamentos jurídicos que poderiam levar à manutenção do contrato de arrendamento, e sem explorar os argumentos que levaram à decisão que ignorou factos provados, e ao lançar mão do artigo 687.º nº 1 e nº 2 do C.C., normas que não existem, seria suficiente para estamos perante uma sentença nula.

    L. Posições, aquelas, que dada a falta de fundamentação, só podem ser consideradas gravosos e violadoras da lei e dos princípios da proteção da confiança dos cidadãos e da segurança jurídica que pautam o nosso sistema, os quais se assumem como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado.

    M. Posto isto, continua a ser divergente se o nº 2 do artigo 824.º do C.C. se aplica ou não aos contratos de arrendamento, apesar de aqueles não estarem previstos no corpo da norma, nem, pela sua natureza, produzirem efeitos quanto a terceiros, isto é, quanto aos arrendatários.

    […] V. Revertendo ao caso concreto, a sentença recorrida é manifesta ao determinar que foi celebrado um contrato de arrendamento comercial entre a Autora e a insolvente Profato, no ano de 2006, consubstanciado nos factos provados número 3, 4, e 5.

    W. Mais determinou que “é inequívoco que, na data da transmissão para a BARCAMAIA – Consultoria e gestão de Empresas, S.A., da propriedade de tal imóvel, a Autora tinha a seu favor o contrato de arrendamento celebrado com a Profato – Empresa de Confeções, S.A., já que o contrato que haviam celebrado tinha a duração de 10 anos e, por isso, o seu términus apenas ocorreria em 30.09.2016, já que não há notícia de ter sido denunciado por qualquer das partes em data anterior.” X. Não obstante, quer o tribunal de primeira instância, quero o douto tribunal da Relação do Porto determinaram que o referido contrato de arrendamento caducou com a transmissão do imóvel à Barcamaia em sede de acção executiva, através da venda judicial.

    […] AA. Tendo ambas as instâncias concluído que: - tendo sido constituída a hipoteca em 08.04.2002; - tendo o contrato de arrendamento invocado pela Autora sido celebrado em 30.09.2006; - este contrato não era oponível à Barcamaia, crédito hipotecário, atento o disposto no artigo 824.º, nº 2 do C.C.

    BB. Em suma, pugnaram pela caducidade do referido contrato, sustentando o efeito extintivo do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e a Profato, datado de 30.09.2006, com recurso ao artigo 824.º, nº 2 do Código Civil.

    CC. Por via de uma interpretação errónea do referido preceito, determinaram, a folhas 24 da douta sentença e a folhas 31 e 32 do douto acórdão, conforme se transcreve, que “… o credor hipotecário nunca pode ser prejudicado por efeitos da alienação ou da oneração do bem hipotecado, já que tais direitos sendo constituídos após o registo constitutivo da hipoteca são inoponíveis ao credor hipotecário, por força da anterioridade do registo da hipoteca e da sua ineficácia em relação a esta, cfr. Artigo 687.º, nº 1, alínea h), e nº 2.º do Código Civil, e artigo 4.º, nº 2 do Código do Registo Predial.

    DD. Terminam, concluindo, quer na douta sentença, quer a folhas 32 do douto acórdão que “… o contrato de arrendamento celebrado entre a autora, ora recorrente e a insolvente “Profato – Empresa de Confeções, S.A.”, caducou com a venda do imóvel arrendado no processo executivo, por aplicação do citado artigo 824.º, nº 2, do Código Civil, ou seja, com a transmissão da propriedade do imóvel para a Exequente, credora hipotecária, “BARCAMAIA – Consultoria e gestão de Empresas, S.A.”, em 08.03.2014.” EE. Fundamentação com que a Recorrente não se conforma dado o facto de quer a sentença, quero o acórdão sustentarem a mesma em normas que não existem.

    FF. Veja-se a referência ao artigo 687.º, nº 1, alínea h), e nº 2, do Código Civil, que não existe, sendo, por isso, a fundamentação nula, nos termos da alínea b) e c), do nº 1, do artigo 615.º do C.P.C, o que se invoca para os devidos efeitos.

    GG. Nem se pode conformar com a errada interpretação feita ao artigo 824.º do Código Civil, nem com a convicção dos julgadores que resultou daquela interpretação que, a final, concluíram pela caducidade do contrato de arrendamento.

    HH. Quer o tribunal de primeira instância, quer o douto tribunal da Relação partilham da posição defendida por parte da doutrina jurisprudência portuguesa, sendo certo que aquela posição não retrata a posição defendida pela totalidade da doutrina e jurisprudência, carecendo, ainda, de vir a ser proferido um acórdão uniformizador de jurisprudência para que a mesma se considere inabalável.

    II. Ora, preceitua o artigo 824.º, nº 1 do Código Civil que “A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.” JJ. Prescreve o nº 2 do referido artigo que “Os bens são transmitidos livres de direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.” KK. Aquando da leitura da supracitada norma, atente-se às expressões “...livres de direitos de garantia que os onerarem...” e “...demais direitos reais...”, expressões, estas, essenciais à correcta interpretação da mesma e do próprio caso concreto. Vejamos, LL. O contrato de locação, comummente designado por contrato de arrendamento, encontra-se inserido no Livro II – Direito das Obrigações, do Código Civil, caraterizando-se por ser um contrato através do qual se proporciona o gozo de uma determinada coisa a outrem, por um determinado período temporal, contra uma contrapartida pecuniária.

    MM. Vários autores, tais como Galvão Telles, Pires de Lima e Antunes Varela, Romano Martinez, Januário Gomes e Menezes Leitão, qualificam o contrato de locação como um contrato de natureza obrigacional, sendo o locatário meramente o titular de um direito pessoal de gozo, não produzindo, consequentemente, o contrato de locação quaisquer efeitos reais.

    NNº Galvão Telles acrescenta que a concessão do gozo significa que nada se transmite, nada se transfere, nada se aliena. O que sucede é que o locador se vincula à prestação de proporcionar esse gozo ao arrendatário, adquirindo este, em contrapartida, o direito à mesma prestação – de natureza obrigacional – e não qualquer direito sobre a coisa.

    OO. Defendem aqueles autores uma tese personalista do contrato de locação, ensinando que: o legislador o teria inserido no livro relativo aos direitos reais ao invés de o inserir no livro da obrigações, caso lhe pretendesse atribuir efeitos reais; o artigo 1031.º, alínea b) do Código Civil expressamente qualifica o gozo da coisa como sendo uma obrigação do locador, caracterizando-o como um direito pessoal de gozo; pela razão precedente exclui o contrato de locação do elenco dos “..demais direitos reais...” indicado no artigo 824.º, nº 2, do Código Civil, rejeitando a caducidade do contrato de arrendamento em caso de venda judicial em processo executivo.

    PP. Por outro lado, os autores que sustentam uma tese realista e defendem a caducidade do arrendamento, interpretam o artigo 824.º, nº 2, do Código Civil no sentido de a expressão “outros direitos reais” abranger o arrendamento e, em consequência, sustentam: a inaplicabilidade do...

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