Acórdão nº 2418/16.8T8FNC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução03 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo nº 2418/16.8T8FNC.L1.S1 Recorrente: BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, SA Recorrida: AA RELATÓRIO 1. Banco Comercial Português S.A. propôs a presente ação contra BB e AA, pedindo a condenação destes a: A) reconhecer ao A. o direito de propriedade sobre a fração autónoma identificada no art. 27 da petição inicial; B) entregar ao A., imediatamente e livre de pessoas e coisas, essa mesma fração.

2. Na sentença, decidiu-se julgar a ação procedente por provada e, em consequência, declarou-se o seguinte: «a) Reconheço o Banco Comercial Português, S.A., como titular do direito de propriedade incidente sobre a fracção autónoma designada pelas letras “BA”, integrada no prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, denominado “Apartamentos ...”, sito ao ..., ..., freguesia ....., inscrito na matriz cadastral respetiva sob o artigo ......09ºe descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nºº ......26; b) Condeno os Réus a reconhecer o Autor como proprietário da fracção referida em a); c) Reconheço a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre os Réus e, em consequência, condeno os Réus a restituir ao Autor a fracção mencionada em a), livre e desocupada de pessoas e bens.

».

3. Inconformada com essa decisão, a ré, AA, interpôs recurso de apelação, sustentando, entre outros argumentos, que a ação devia improceder por não ter ocorrido a caducidade do contrato de arrendamento. O autor contra-alegou sustentando a confirmação da sentença.

4. O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão recorrido decidiu (com um voto de vencido) nos seguintes termos: «Pelo exposto, julgando a apelação parcialmente procedente, improcedente na parte restante, altera-se a sentença recorrida, na medida em que se julga a acção parcialmente improcedente, por não provada, para eliminar da respectiva decisão, que no mais se mantém, o seu ponto C), acima transcrito, e absolver os réus do pedido de condenação a entregar ao autor, imediatamente e livre de pessoas e coisas, a identificada fracção autónoma designada pelas letras “BA” do prédio, denominado “Apartamentos ...”, sito ao ..., ..., freguesia ..., inscrito na matriz cadastral respectiva sob o artigo …09° e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº. .......26.» 5. Inconformado com a decisão, o autor, Banco Comercial Português, interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões: «A).

A 1ª instância julgou a acção procedente por provada, e em consequência: “a. Reconheço o Banco Comercial Português, S.A. como titular do direito de propriedade incidente sobre a fracção autónoma designada pelas letras “BA”, integrada no prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, denominado “Apartamentos ...”, sito ao ..., ..., freguesia…..., inscrito na matriz cadastral respectiva sob o artigo .....09º e descrito na Conservatória do Registo Predial …... sob o nºº .......26; b. Condeno os Réus a reconhecer o Autor como proprietário da fracção referida em a.; c. Reconheço a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre os Réus e, em consequência, condeno os Réus a restituir ao Autor a fracção mencionada em a., livre e desocupada de pessoas e bens”.

B.

Concluiu a 1ª instância pela inclusão do contrato de arrendamento na definição de ónus constante do artigo 824º, nº. 2, do Código Civil.

C.

Contudo, o acórdão ora recorrido perfilha uma orientação jurisprudencial e doutrinaria minoritária, na medida em que entende que o Autor, como comprador, por venda judicial do imóvel hipotecado a seu favor, não beneficia do cancelamento do arrendamento, anterior à respectiva penhora, por aplicação do artigo 824.º, nº 2 do Código Civil.

D.

A jurisprudência em que se louva a decisão de que agora se recorre, ressalvado o devido respeito, verifica-se obsoleta.

E.

Atualmente é inquestionável a aplicação do nº 2 do artigo 824.º do Código Civil, uma vez que, sendo o arrendamento, registado ou não, constituído após o registo de hipoteca, arresto ou penhora, é inoponível ao comprador do imóvel em venda judicial na ação executiva, caducando automaticamente com a concretização dessa venda.

F.

O entendimento contrário, como é o do acórdão de que se recorre, conduz a resultados profundamente nefastos, uma vez que, vistas as coisas pelo prisma do credor hipotecário, é consabida a repercussão negativa, em termos de valor-preço, que a celebração de um contrato de arrendamento provoca no imóvel.

G.

Sendo certo que o valor de um prédio arrendado é, sempre, inferior ao valor de um prédio livre de ónus.

H.

Entende o Tribunal da Relação através do acórdão de que se recorre (não sendo este o entendimento da jurisprudência maioritária deste Tribunal da Relação), que a relação jurídica de arrendamento, atendendo ao modelo de direito real ínsito no artigo 1305.º CC, não se confunde com um direito diretamente referido à coisa arrendada, com um direito que tem por objeto a coisa arrendada, isto é não se confunde com um direito real.

I.

E que, o direito do arrendatário não é real, mas integra como direito de crédito uma estrutura jurídica obrigacional, não tem que ser suprimido por aplicação do artigo 824.º, nº 2 do CC.

J.

Não poderíamos mais estar em desacordo.

K.

Ora, o proprietário goza, de modo pleno e exclusivo, dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, como é o caso do identificado imóvel, nos termos do artigo1305º do Código Civil (CC).

L.

E o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, de acordo com o artigo 1311º do CC.

M.

O imóvel em questão está a ser ocupado pela Ré AA sem autorização e contra a vontade do Autor.

Nº Isto porque, o Réu BB celebrou com a Ré AA um Contrato de Arrendamento para habitação com prazo certo em 29.04.2011.

O.

Sucede que, nos termos do artigo 824º nº 1 do CC, a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.

P.

Contudo, pela aplicação analógica do nº 2 do mesmo preceito, o contrato de arrendamento caduca, na sequência da venda judicial do imóvel sobre o qual incidia garantia real constituída em beneficio do adquirente, em momento anterior à data da celebração de tal contrato.

Q.

São, portanto, inoponíveis ao comprador em execução judicial as relações locativas constituídas posteriormente ao registo de qualquer garantia real constituída em benefício daquele.

R.

E, na sequência do Contrato de Compra e Venda celebrado em 04.06.2009, entre o Réu BB e o ora A., foi constituída hipoteca a favor deste sobre a fração autónoma em questão.

S.

E, o contrato de arrendamento celebrado entre os Réus data de 29.04.2011, ou seja, é posterior à constituição da hipoteca a favor do aqui A.

T.

Posto isto, os efeitos decorrentes do contrato de arrendamento encontram-se claramente extintos por caducidade, pela enumeração não taxativa do artigo 1051º do CC.

U.

Com todo o respeito que nos merece tal Alto Tribunal, não se pode...

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