Acórdão nº 16/14.0YYLSB-B.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

Na acção executiva para pagamento de quantia certa instaurada por Banco Santander Totta, S.A.

contra AA e BB (entretanto falecido, e substituído, por via de incidente de habilitação de herdeiros, pela referida AA e outros), com fundamento em incumprimento pelos executados de dois contratos de mútuo celebrados com a exequente, veio a executada AA deduzir embargos, alegando: - Que, para garantia daqueles contratos de mútuos, os executados celebraram dois contratos de seguro de vida com Santander Totta Seguros, Companhia de Seguros de Vida, S.A.; - Após, por força da invalidez permanente do executado, a executada propôs acção declarativa contra a seguradora, julgada improcedente porque não lhe pôde opor o incumprimento pelo exequente (tomador do seguro) dos deveres de informação e esclarecimento das cláusulas do contrato de seguro de vida – concretamente as que previam a cessação da cobertura do seguro em caso de declarações inexactas ou de omissão de factos relevantes à celebração do contrato – e a consequente nulidade das mesmas; - Em consequência, entende ter sobre a exequente direito de crédito correspondente ao valor do incumprimento dos contratos de mútuo à data da morte do mutuário e dos custos com aquela acção.

Em 19 de Março de 2020 foi proferido saneador-sentença, que julgou os embargos improcedentes.

Inconformada, a embargante interpôs recurso para o Tribunal da Relação ......, que, por acórdão de 19 de Novembro de 2020, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

  1. Novamente inconformada, interpôs a embargante recurso de revista, por via excepcional, o qual, por despacho da relatora de 28 de Setembro de 2021, foi admitido por via normal com a seguinte fundamentação: «3.

    O juiz relator do Tribunal da Relação proferiu despacho onde, assumindo que existe efectiva dupla conforme, determinou a oportuna subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

    Dado o carácter provisório de tal despacho (cfr. art. 652.º, n.º 1, alínea b) do CPC), torna-se necessário apurar se ocorre efectivamente dupla conformidade entre as decisões das instâncias – circunstância impeditiva da interposição de recurso de revista normal (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC) – porquanto: em caso afirmativo, a admissão do recurso de revista por via excepcional é da competência da Formação prevista no art. 672.º, n.º 1, n.º 3, do CPC; e, em caso negativo, o recurso de revista por via excepcional será oficiosamente convolado pelo relator em recurso de revista por via normal, e, nada mais obviando, será conhecido o respectivo mérito.

    Vejamos.

    Verifica-se dupla conformidade quando a Relação confirme a decisão da 1.ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC).

    Entende-se que a diferença de fundamentação é essencial quando, nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 09-07-2015 (proc. n.º 542/13.8T2AVR.C1.S1), disponível em www.dgsi.pt, «a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença».

    Assim sucede com a decisão da 1.ª instância e o acórdão recorrido que, não obstante terem julgado os embargos improcedentes, e sem voto de vencido, assentaram em fundamentos essencialmente distintos: - A decisão da 1.ª instância fundou-se na improcedência da compensação ante a inexigibilidade do contra-crédito invocado pela embargante. Aí se afirma: «Um contra crédito que não se mostre vencido não pode fundamentar a exceção de compensação. Ora, o crédito indemnizatório emergente de responsabilidade civil não se efetiva, não se vence enquanto não for reconhecido, não sendo, portanto, judicialmente exigível até que se verifique tal reconhecimento, conforme resulta dos Acs. do STJ suprarreferidos, designadamente do ponto IV do sumário do Ac. STJ 01.07.2014. Não se trata de uma questão de iliquidez, mas antes de uma questão de exigibilidade desse alegado crédito. Não pode, portanto, o crédito indemnizatório invocado pela embargante ser utilizado para efeitos de compensação do crédito exequendo. Razão pela qual os presentes embargos de executado deverão improceder».

    - O acórdão da Relação assentou na inexistência de nexo de causalidade entre a inoponibilidade da violação dos deveres de informação e esclarecimento de cláusulas do contrato de seguro de vida e a improcedência da acção declarativa proposta contra a seguradora; e na incompatibilidade da invocação dessa violação com a declaração, naquela acção, da nulidade do contrato de seguro por declarações inexactas prestadas pelo segurado, ao abrigo do art. 429.º do Código Comercial. Afirmou-se, designadamente, o seguinte: «Perante o acabado de expor/transcrever, manifesto nos parece que a ora embargante decaiu na acção que interpôs contra a então Ré Companhia Seguradora não porque na referida acção não pôde valer-se das NULIDADES das cláusulas relacionadas com condições gerais do contrato de seguro e em razão do incumprimento do tomador do seguro/e beneficiário [a ora exequente e Banco] do dever de comunicação/informação aos segurados [a embargante e marido] de específico clausulado pertinente, mas sim porque o SEGURADO [marido da embargante] foi agente aquando da outorga do contrato de seguro de declarações inexactas subsumíveis à previsão do artº 429º, do Código Comercial e susceptíveis de influírem na existência ou condições do contrato.

    E, assim sendo, não se vê como possa a embargante arrogar-se [como o faz em sede de embargos] titular de um crédito indemnizatório perante a exequente [susceptível portanto de operar a compensação com o crédito exequendo] e em razão de alegada inobservância por esta última do dever de esclarecimento/informação de especifico clausulado e o qual em última análise teria desencadeado a desvinculação da Companhia Seguradora do contrato de seguro em que a embargante era a Segurada».

    Temos assim que: (i) A decisão da 1.ª instância se fundou na improcedência da compensação de créditos, por exigir o reconhecimento judicial prévio do contra-crédito; (ii) Enquanto o acórdão da Relação se fundou na inexistência do direito de crédito invocado pela embargante: primeiro, por não ter ficado demonstrado que a improcedência da acção contra a seguradora tenha decorrido da violação e da inoponibilidade de deveres de informação a cargo da embargada, fonte do direito de crédito segundo a embargante; segundo, por naquela acção, ter ficado declarado (por via da reconvenção deduzida pela seguradora) que o contrato de seguro era nulo [rectius: anulado] por declarações inexactas prestadas pelo segurado, ao abrigo do art. 429.º do Código Comercial, sendo por isso irrelevante apurar se houve ou não violação daqueles deveres.

    Que os fundamentos são essencialmente diferentes nas duas decisões confirma-se pelo facto de se verificar que, para além de se situarem em domínios jurídicos distintos – um na improcedência da compensação de créditos, outro na inexistência do contra-crédito, cada uma das decisões não tomou posição sobre o fundamento da outra: nem a decisão da 1.ª instância ajuizou sobre e a existência ou não do contra-crédito, nem o acórdão da Relação se pronunciou sobre os pressupostos e a viabilidade da compensação de créditos.

  2. Pelo exposto, não existindo dupla conformidade entre as decisões, nos termos dos arts. 5.º, n.º 3 e 193.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, admite-se o presente recurso de revista por via normal.

    » 3.

    Formulou a Recorrente as seguintes conclusões: «A. Sobre a admissibilidade dos embargos de executada 1. O fundamento da inadmissibilidade da oposição à execução por embargos, tem de se estribar em norma processual e não em norma de direito material.

  3. Ora, o artº 571º, do CPC, aplicável à oposição à execução, por força do artº 731º, do CPC, permite a defesa por exceção nos embargos de executado.

  4. A defesa da executada/embargante na oposição à execução foi feita por exceção, com um contra-crédito e por compensação, derivada da responsabilidade contratual da exequente no contrato de seguro que garantia os créditos hipotecários exequendos.

  5. A responsabilidade assacada à exequente/embargada é uma responsabilidade civil contratual e não responsabilidade civil decorrente de facto ilícito strictu sensu.

  6. Acresce que, o crédito ser “exigível judicialmente”, previsto como requisito da compensação, na alínea a), do nº 1 do artº 847º, do CC, não significa nem é sinónimo de uma exigibilidade forte, ou seja, de crédito reconhecido judicialmente e suscetível de ser objeto de execução judicial.

  7. O crédito ser exigível judicialmente, significa que estão afastadas as obrigações naturais e aquelas que ainda não estão vencidas, se para as mesmas houver prazo de cumprimento.

  8. Qualquer crédito vencido ou litigioso é judicialmente exigível em processo declarativo e suscetível de compensação.

  9. O crédito da embargante é judicialmente exigível, não sendo de admitir a interpretação restritiva que limita a exigibilidade judicial a créditos com força executiva.

  10. A responsabilidade da embargada aqui em apreciação, derivada do contrato de seguro, na posição de Tomador/Beneficiário, é uma responsabilidade contratual e não uma mera responsabilidade civil.

  11. A relação contratual do contrato de seguro é uma relação tripartida, como consta do Ac. do STJ do processo pregresso, movido contra o Santander Seguros, que teve como partes a seguradora, o segurado e o Tomador/Beneficiário (Banco Santander).

  12. A violação do dever de comunicação/informação pelo Banco Santander é uma violação contratual e legal, exposta no artº 4º, do DL 176/95.

  13. Foi decidido no processo movido contra o Santander Seguros, de forma definitiva, que a responsabilidade do dever de comunicação/informação era da embargada, o Banco Tomador.

  14. Existe...

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