Acórdão nº 2299/21.0YRLSB-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução04 de Novembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa I.

RELATÓRIO Em 03.7.2020 Maria requereu junto do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMAS) a realização de arbitragem em litígio que tinha com B, S.A.

A reclamante alegou que em 15.3.2020 se envolveu num acidente automóvel, tendo o seu veículo sofrido graves danos. Acionou o seguro que havia celebrado com a reclamada, o qual incluía cobertura relativa a danos próprios. Porém a reclamada recusou-se a assumir a referida responsabilidade, alegando que em 16.9.2011 havia excluído essa cobertura do seguro, tendo inclusive alterado o número da apólice. Ora, a reclamante nunca autorizou qualquer alteração ou anulação da apólice, nem dela teve conhecimento, nem assinou qualquer documento, pelo que a reclamada devia pagar à reclamante a quantia orçamentada para a reparação do seu veículo, no valor de € 9 408,83, acrescida de € 738,00 de honorários do seu advogado e € 50,00 pelo depósito da viatura imobilizada.

A reclamada contestou, alegando que em 2011 havia efetuado uma profunda revisão na área do seguro automóvel, no sentido de alcançar uma maior adequação do preço às características de cada seguro e ao conjunto das garantias subscritas pelos seus clientes. Nesses termos, em 16.9.2011 enviou uma carta à reclamante, dando-lhe a conhecer a exclusão da cobertura relativa a danos próprios, como forma de evitar agravamentos significativos do prémio e assegurar um maior equilíbrio na relação custo/benefício. A alteração contratual em causa implicou, inclusivamente, uma alteração do número da apólice. Mais foi a reclamante informada que a seguradora e o mediador estavam à disposição para qualquer esclarecimento adicional e para, em conjunto, estudarem eventuais alternativas à opção então proposta. E foram remetidas as novas condições particulares da apólice. A reclamante não contestou a alteração. A carta foi enviada em correio simples, para a morada da reclamante constante no contrato, nos mesmos termos que as cartas verdes que eram enviadas trimestralmente, em consonância com a modalidade contratada de pagamento do prémio, que era trimestral. Pelo que a reclamante não pode, decorridos quase dez anos após a alteração contratual, vir dizer que a desconhecia. Por outro lado, se responsabilidade houvesse, ela não poderia exceder o montante de € 4 850,00, por ser o valor do veículo sinistrado à data do acidente.

A reclamada concluiu pela sua absolvição do pedido e, subsidiariamente, que para efeitos de cálculo da indemnização fosse levado em consideração o valor médio do veículo à data do sinistro.

Realizou-se audiência de julgamento e em 19.1.2021 foi proferida sentença, na qual se julgou a ação parcialmente procedente e consequentemente se condenou a reclamada no pagamento à reclamante da quantia de € 4 860,00, absolvendo-se a reclamada do demais peticionado.

A reclamada apelou da sentença, tendo formulado conclusões que, por dificuldades técnicas, não se transcrevem, mas que aqui se sintetizam:

  1. A comunicação da alteração contratual foi efetuada para a morada da reclamante nos termos do disposto no art.º 120.º n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, o qual está reproduzido na Cláusula 34.ª, n.ºs 3 e 4, da Apólice Uniforme de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel; b) Nos termos da Cláusula 59.ª, n.º 2, das Condições Gerais da apólice a reclamada podia reduzir ou retirar as coberturas facultativas mediante comunicação escrita enviada com uma antecedência mínima de 30 dias; c) Trata-se de uma declaração recetícia, que se torna eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou dele é conhecida, tal como prescreve o art.º 224.º n.º 1 do Código Civil, bastando à seguradora provar o envio da comunicação; d) Com a exclusão da cobertura “choque, colisão e capotamento”, o valor do prémio anual passou de € 478,78 para € 232,69; e) Tendo a reclamante continuado a pagar o prémio do seguro, ao longo de nove anos, presume-se a sua aceitação tácita à referida alteração.

    A apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e a R. fosse absolvida do pedido.

    Não houve contra-alegações.

    Foram colhidos os vistos legais.

    II.

    FUNDAMENTAÇÃO 1. Nos termos do art.º 39.º n.º 4 da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12, a sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa só é suscetível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção da arbitragem. Para este efeito vale como convenção de arbitragem o regulamento de arbitragem para o qual as partes hajam remetido (art.º 6.º da LAV).

    O Regulamento do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros, cuja aplicação as partes aceitaram, prevê no n.º 2 do art.º 29.º que “Da decisão arbitral cabem para o Tribunal da Relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca”.

    O presente recurso é, pois, admissível.

    1. A questão objeto deste recurso é se a cobertura “choque, colisão e capotamento”, que constava no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado entre a apelante e a apelada em 2009, continuava em vigor à data do sinistro objeto dos autos, ocorrido em 2020.

    2. O tribunal arbitral deu como provada a seguinte Matéria de facto 1. No dia 15 de fevereiro de 2020 ocorreu um acidente com o ligeiro de passageiros de matrícula (…), pertença da reclamante Maria (…).

    3. Em consequência desse acidente, o veículo da reclamante sofreu danos cuja reparação foi estimada em € 7.649,46, a que acresce o IVA à taxa legal.

    4. Um veículo idêntico ao da reclamante podia ser adquirido por cerca de € 4 860,00.

    5. Em 05/11/2009 a reclamante e a reclamada celebraram um contrato de seguro, o qual foi então titulado pela apólice 00010545544.

    6. Através desse contrato, a reclamante transferiu para a reclamada, entre outros, os riscos de danos...

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