Acórdão nº 5247/21.3T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | EDUARDO PETERSEN SILVA |
Data da Resolução | 04 de Novembro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório[1] C…, S.A. intentou procedimento cautelar não especificado contra S…S.A. e V… S.A., pedindo a final que seja autorizada a sua permanência na loja do centro comercial da 2.ª requerida, onde está instalado o seu estabelecimento comercial, até ao levantamento de todas as restrições impostas ao comércio a retalho pelos sucessivos Estados de Emergência, bem como a renovação do contrato até à conclusão do Plano Especial de Revitalização. Mais pediu a inversão do contencioso.
Alegou em síntese que a 2.ª requerida é proprietária do centro comercial, denominado CENTRO …. Em contrato celebrado com a 2.ª requerida, a 1.ª requerida assumiu a responsabilidade de promover a exploração, sob a forma de comércio integrado, do referido centro comercial. Nos termos desse contrato, a 1.ª requerida confiou à 2.ª requerida o direito e o dever de gerir o Centro Comercial, incluindo-se na gestão, de um modo geral, a organização, administração, promoção, direcção e fiscalização do funcionamento e utilização do mesmo. Nesse seguimento, a Requerente celebrou com a 1ª Requerida, a 6 de Novembro de 2014, um Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial, nos termos do qual aquela lhe cedeu onerosamente a utilização da loja n.º … de 81,12 m2 do Centro Comercial …, destinada à actividade comercial de venda ao público de artigos de vestuário da marca …, com início a 31 de Dezembro de 2014 e até 31 de Outubro de 2020, sendo que, por aditamento ao contrato, ficou estipulada a alteração da data de caducidade para 28 de Fevereiro de 2021.
O contrato de utilização de loja em centro comercial tem vindo a ser sucessivamente renovado pelas partes, desde 1999, momento desde o qual a marca explorada pela requerente, a marca …, está presente no Centro Comercial … . Por alguns problemas com um fornecedor de malha, a requerida apresentou resultados menos positivos no ano de 2018, vendo-se forçada a apresentar um Plano Especial de Revitalização (PER) em Agosto de 2019, por causa daquele fornecedor, tendo a sentença de homologação transitado em julgado no passado Agosto de 2020. A 2.ª requerida, em sede de PER, reclamou créditos no valor de € 44.638,82 (quarenta e quatro mil seiscentos e trinta e oito mil euros e oitenta e dois cêntimos). O referido plano foi aprovado pela maioria absoluta dos votos favoráveis dos credores nos quais está incluída a 2.ª requerida. Com o novo enquadramento do PER, a 1 de Janeiro de 2020, a requerente tinha todas remunerações devidas à 1.ª requerida referentes à 2.ª requerida pagas, não havendo dívida para com aquela, faltando apenas as garantias bancárias parcialmente accionadas que ficou acordado que seriam reforçadas após a homologação e transito em julgado do PER. Do mesmo modo, a requerente procedeu ao pagamento atempado e integral das remunerações mínimas e variáveis devidas dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2020.
Devido às noticias relativas à propagação COVID-19 por todo o mundo, os clientes começaram a ficar apreensivos e receosos, reduzindo as suas deslocações aos centros comerciais, pelo que as vendas da requerente no final do mês de Fevereiro de 2020 foram afectadas, sendo quase reduzidas a zero nas 2 semanas e meio em que esteve aberta em Março. Existe um crédito da requerente perante a requerida no valor total de €19.077,92 (dezanove mil setenta e sete euros e noventa e dois cêntimos), estando em aberto o valor de € 12.491,65 (doze mil quatrocentos e noventa e um euros e sessenta e cinco cêntimos), havendo uma diferença no valor de € 6.586,27 (seis mil quinhentos e oitenta e seis euros e vinte e sete cêntimos) de crédito para a requerente. Com o qual, pelas razões que invoca não concorda.
No que se reporta ao contrato de utilização de loja (que caducava a 31 de Dezembro de 2020), foi a requerida informada pelo director do centro comercial, quando questionado sobre o assunto a 29 de Outubro de 2020, que por questões relacionadas com “uma reorganização do mix” de marcas naquele centro comercial, não pretendia renovar o contrato existente, não respeitando um prazo razoável da confirmação da caducidade do contrato, ou permitindo negociações conforme prevê o contrato celebrado. Confrontados com a oposição da requerente à não renovação do contrato, por não haver económica ou financeiramente razão para a não renovação do contrato, a directora da 1.ª requerida, indicou que a aquela decisão tinha sido da proprietária do centro comercial, com vista à alteração dos tenant mix. É claro que a responsabilidade da decisão de alteração do mix de lojas no centro comercial é da própria empresa de gestão, isto é a 1.ª requerida, não admitindo esta a sua posição e escudando-se atrás de inverdades e de uma entidade a quem responde, mas que não tem a competência operacional de decisão. Porém, como é evidente, a requerente não pode concordar com a não renovação do contrato existente pelas razões apresentadas pela 1.ª requerida, pois, por diversas vezes durante a relação contratual de 21 anos, houve diversas situações em que a requerente teve problemas financeiros mais significativos tendo sempre havido renovação dos contratos, tendo transmitido a sua posição e razões da sua posição à procuradora e directora da 1.ª requerida. Tanto assim é que a 1.ª requerida tem vindo a renovar os contratos celebrados com a requerente nos centros comerciais geridos e administrados pela mesma ao longo de todos estes anos.
Uma vez que se prevê que a presente pandemia se arraste até ao final de 2021, mesmo com o pressuposto do sucesso da vacinação que se iniciou em 2021, mantendo o país em recessão técnica por todo este período, é previsível que apenas em 2022 seja possível considerar que existem plenas condições para utilizar e gozar da plenitude do contrato. Deste modo, a requerente considera que tem o direito de renovar o referido contrato, pelo menos por um período de mais 3 anos, considerando que 2020 e 2021 foram e serão anos afectados pela pandemia, durante os quais não pode e não poderá usufruir na plenitude do bem contratado (loja, espaço comum do centro comercial, tráfego de cliente de forma livre e espontânea), apenas podendo garantir um exercício de sobrevivência da actividade. Aliás, como é explícito no PER, aprovado pela 2.ª requerida, a manutenção das lojas existentes à data é crucial para que o PER chegue a bom porto, pois, caso contrário a requerente corre o risco de insolvência, prejudicando gravemente os restantes credores e trabalhadores. Pelas razões explanadas supra, demonstrou a requerente a existência do direito de ver o contrato renovado, ou pelo menos prolongado até ao fim da pandemia, subsequentes restrições quando terminar a impossibilidade total ou parcialmente temporária da 1.ª requerida de prestar a sua obrigação contratual. De modo a impedir a lesão ao direito da requerente, considera esta adequada a medida de autorização de permanência na loja e do estabelecimento comercial nela instalada até ao levantamento definitivo de todas as restrições impostas ao comércio de retalho e actividade comercial, pelos diversos e sucessivos estado de emergência, até ao fim da pandemia e consequentemente até a requerida ficar possibilitada de prestar a totalidade da prestação contratada. * As requeridas apresentaram oposição, alegando que a requerente age de má-fé, sustentado a existência de uma expectativa que não lhe assiste, fazendo, assim, um uso abusivo deste meio processual e causando graves prejuízos às requeridas, pelo que requerem que seja devidamente sancionada. Mais referirem que a Primeira e Segunda Requeridas são pessoas colectivas distintas e independentes, sendo a Primeira Requerida a sociedade gestora do Centro Comercial …, gestão que também exerce noutros centros comerciais e a Segunda Requerida é a proprietária do mencionado Centro Comercial, e é no âmbito da gestão do Centro Comercial …, que a Primeira Requerida procede, entre outras tarefas, à comercialização das lojas vagas ou que ficam vagas em resultado da caducidade ou extinção dos contratos existentes.
Foi a Primeira Requerida, na qualidade de gestora/exploradora do Centro Comercial …, que negociou com a Requerente e em benefício da Segunda Requerida, o Contrato dos autos.
Com o contrato dos autos foi conferido à Requerente a utilização da loja nº …, sita no Centro Comercial da Segunda Requerida, com início em 01/01/2015 e termo em 31/12/2020. Termo esse que foi prorrogado pela Requerente e Segunda Requerida para o dia 28/02/2021 (cf. acordo outorgado em 19/11/2020).
A Segunda Requerida, apesar dos sucessivos incumprimentos da Requerente, anuiu em aceitar o pagamento da dívida em prestações, o que levou à outorga de um acordo, datado de 18/07/2019, no qual aquela reconheceu dever a quantia de €40.245,03, a qual deveria ser paga mediante dez prestações variáveis, com início em 22/07/2019 e termo em 30/12/2019. Valores que reclamou (créditos, vencidos e não pagos) à data da nomeação do Administrador Judicial Provisório, que ocorreu em 06/08/2019, no total de €44.638,82, bem como, que votou favoravelmente a proposta de PER apresentada; porém desse voto não se pode extrair as conclusões que a Requerente pretende.
A Segunda Requerida somente accionou a garantia bancária, porque a Requerente não cumpriu com o acordo de pagamento estabelecido em Fevereiro de 2019 e depois de ter sido advertida várias vezes para as consequências desse incumprimento. Pois, nos termos do PER, a Requerente obrigou-se a ter as remunerações/encargos/despesas em dia, para com a Segunda Requerida, para que esta não fizesse cessar o contrato com fundamento no não pagamento das obrigações pecuniárias vencidas. Facto que a Segunda Requerida não fez, ou seja, não resolveu o contrato, não obstante o incumprimento por parte da Requerente.
As Requeridas em nada contribuíram para a situação que se vive actualmente no Mundo, nem lhes poderá ser imputado as...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO