Acórdão nº 484/20.0T9LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO P.

veio interpor recurso da sentença que manteve a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que determinou a cassação do título de condução n.º C- ... de que é titular.

* E, da motivação extraiu as seguintes conclusões: I. O Arguido foi julgado e condenado nos autos em epígrafe na cassação do título de condução n.º (…), por preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 148.º, n.ºs 4, 10 a 12 do Código da Estrada.

  1. Viola o ne bis in idem (previsto no art. 29.º, n.º 5, da CRP e consagrado no art. 54.º da CAAS como princípio de preclusão e verdadeira proibição de cúmulo de ações penais) a presente sentença.

  2. O arguido cumpriu as penas aplicadas no âmbito dos processos citados na sentença a quo.

  3. Ora, o Tribunal a quo ao aplicar a norma 148.º do Código da Estrada, viola a Constituição da República Portuguesa.

  4. Nos termos do artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), deveria antes tê-la desaplicado, revogando o despacho da Autoridade Administrativa, por a sua aplicação determinar a violação da CRP e, portanto, há uma irregularidade prevista no 123.º n.º 1 do Código Processo Penal, não podendo por isso manter-se a decisão recorrida.

  5. Quer assim dizer-se que caso se entendesse que a lei processual estaria cumprida, a norma que determina a cassação do título de condução deverá ser considerada inconstitucional designadamente por violação de caso julgado e por inconstitucionalidade das normas 148.º e 149.º do Código da Estrada.

  6. E, assim teria de julgar, de acordo com o artigo 204.º da CRP que refere “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.”. Devemos entender que nesta norma da CRP se prevê a competência exclusiva dos Tribunais para o conhecimento de questões de constitucionalidade colocadas nos processos judiciais.

  7. O Tribunal Constitucional apenas conhecerá da inconstitucionalidade das normas em segunda instância, isto é, depois de devidamente suscitadas no Tribunal Recorrido.

  8. Como tem referido o Tribunal Constitucional, a esta aplicação subjaz a ideia segundo a qual a cada infração corresponde uma só punição, não devendo o agente ser sujeito a uma repetição do exercício do poder punitivo do Estado.

  9. Materialmente, à sua conduta já se fizera corresponder uma “punição” (em sentido amplo).

  10. No caso sub judice, o arguido não incumpriu as injunções aplicadas.

  11. O art. 29º, n.º 5 da CRP preceitua que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, assim se impedindo que uma mesma questão seja de novo apreciada.

  12. Do ne bis in idem resulta que o mesmo facto não pode ser valorado por duas vezes, isto é, a mesma conduta ilícita não pode ser apreciada com vista à aplicação de sanção por mais do que uma vez.

  13. Se se entender que a perda de pontos poderá preencher o elemento formal da pena acessória ou efeito da pena, já não preenche qualquer elemento ou pressuposto material.

  14. Com efeito como pressuposto material da aplicação da pena acessória deveria averiguar-se da especial censurabilidade do condutor no caso concreto.

  15. Contudo, na verdade, tal instituto de subtração de pontos aplica-se de forma automática, não se ponderando a necessidade prática de aplicação ao arguido, ou seja, não há valoração de qualquer elemento ligado à prevenção especial, nem tão pouco uma graduação da culpa.

  16. O princípio da necessidade, subprincípio do princípio da proibição do excesso que “proíbe que a restrição [de direitos, liberdades e garantias] vá além do que o estritamente necessário ou adequado para atingir um fim constitucionalmente legítimo”, “impõe que se recorra, para atingir esse fim, ao meio necessário, exigível ou indispensável, no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir o fim em vista” (Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Ed. 2004, p. 167).

  17. Nestas situações, qualquer condenação posterior numa pena representaria uma violação do princípio da necessidade, consagrado no art. 18º, n.º 2, da CRP, Constituição que o juiz de julgamento não pode deixar de aplicar. A sentença recorrida, ao condenar o arguido numa pena, não só manteve a violação do ne bis in idem, como afrontou o princípio constitucional da necessidade (da pena).

  18. O despacho de recebimento da acusação, o julgamento e a sentença são, por tudo, nulos.

  19. Apresentam-se como constitucionalmente insustentáveis e o primeiro (o despacho de recebimento da acusação) deverá ser substituído por outro que, fazendo aplicação do ne bis in idem, rejeite a acusação do Ministério Público.

  20. Sem conceder, sempre se defende que se deve ter por excessiva a pena de aplicada, uma vez que o Arguido não tem antecedentes criminais, é pessoa bem-educada, bem considerada e com estima dos familiares, amigos e colegas, pacífica e completamente cumpridora dos seus deveres em sociedade, pelo que atendendo à factualidade resultante da produção de prova, às circunstâncias e ao facto de ser trabalhador e precisar do veículo para exercer a sua atividade profissional.

  21. Por todo o exposto deve o presente recurso vir a ser julgado procedente por provado e a douta sentença revogada, decidindo-se que pela não aplicação da sanção de cassação da carta de condução.

  22. Sempre teremos que reconhecer que, em nenhuma das duas vezes o agente atuou com intenção de violar normas jurídicas, resultando em ambas as situações o não preenchimento de um pressuposto, absolutamente essencial, para toda e qualquer responsabilidade, o elemento subjectivo.

  23. Ora, em ambos os acontecimentos, verifica-se a omissão do elemento subjetivo, isto é, inexistiu qualquer intenção do respondente de agir dolosamente, em violação das disposições penais.

  24. Pelo que se considera como proporcional e adequado a imposição de obrigação de frequência de ações de formação ou tão somente a obtenção de novo título de condução, mas de forma imediata, pressupondo sempre que o respondente é um excelente condutor, tanto mais que o faz profissionalmente, e do seu título de condução tem necessidade para o exercício da sua atividade profissional.

NORMAS VIOLADAS XXVI. O Tribunal fez incorreta interpretação e aplicação do que vem disposto nos artigos 18.º, 29º, 204.ºda CRP e 123.º do CPP.

PEDIDO XXVII. Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso vir a ser julgado procedente por provado e a douta sentença revogada, decidindo-se que: O ora arguido/recorrente cumpriu as injunções que lhe foram cometidas, sendo que o processo deveria existindo uma clara violação do princípio ne bis in idem, artigo 29.º, n.º 5 e 18.º, n.º 2 da CRP, anulando-se o despacho de recebimento da acusação e, consequentemente, o julgamento e a sentença, devendo aquele despacho ser substituído por outro que, aplicando o ne bis in idem, rejeite a acusação do Ministério Público.

Se assim não se considerar, sempre se deverá considerar que: XXIX. Deverá ao Arguido, aqui Recorrente, ser aplicada a oportunidade de frequência de formação sobre...

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