Acórdão nº 509/16.4GCVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

O ACÓRDÃO RECORRIDO No processo comum colectivo n.º 509/16.4GCVIS do Juízo Central Criminal da Comarca de Viseu (Juiz 3), por acórdão datado de 9 de Julho de 2021, foi – e na parte que importa à decisão[1] deste recurso – decidido: A. Condenar o arguido AC.

pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo n.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de seis anos e seis meses de prisão; B. Condenar o arguido AJ.

b.1. pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo n.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na pena de cinco anos e seis meses de prisão; b.2. pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo art.º 86.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de dois anos de prisão; b.3. em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos de prisão.

2.

OS RECURSOS 2.1. Inconformado, o arguido AJ recorreu – RECURSO A – do acórdão condenatório, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição[2]): 1. Por doutoAcórdãoprolatadonestes autos, na procedência parcial da AcusaçãoPública deduzida contra os arguidos, foi o Arguido/Recorrente AJ (….) condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pelo crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), daLei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão, aplicando-lhe, em cúmulo jurídico, a pena de 6 (seis) anos de prisão, não se conformando o Arguido com o teor dessa decisão condenatória, daí interpor o presente recurso.

  1. Conforme se extrai do confronto entre o Acórdão recorrido (cfr. factos provados 73 a 87) e a Acusação (cfr. pontos a) a d), f), h) a p), e t) referentes ao Arguido, a pp. 19 e ss. da referida), o Tribunal a quo condenou o aqui Recorrente por factos diversos dos descritos na Acusação, nomeadamente quanto a alegadas datas e períodos em causa, quantidades vendidas, valores envolvidos, número de transacções e sua periodicidade, locais onde as mesmas ocorreram, e nalguns casos até o tipo de substância cedida e o “modus operandi” e circunstâncias da acção variam.

  2. Tal condenação aconteceu fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º (alteração não substancial dos factos descritos na acusação) e 359.º (alteração substancial dos factos descritos na acusação), os quais permitiriam uma condenação por factos diversos, desde que observado o procedimento previsto em cada uma dessas normas – o que não sucedeu.

  3. Mesmo que se considere que os factos diversos pelos quais o arguido AJ foi condenado não tenham importado alteração substancial da factualidade descrita na Acusação, entende-se, ainda assim, que tais alterações sempre teriam interesse para a decisão da causa (v.g., para aferir os graus de ilicitude e de culpa do agente), pelo que entendemos, ressalvada melhor opinião, que na Audiência de Julgamento o Tribunal a quo deveria ter seguido o procedimento descrito no n.º 1 do artigo 358.º. do CPP: oficiosamente, comunicar a alteração ao arguido e conceder-lhe, se ele o requeresse, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa – o que não aconteceu.

  4. Por assim ser, e salvo melhor entendimento, o Acórdão recorrido é nulo por condenação por factos diversos dos descritos na acusação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do atrigo 379.º do CPP, com os devidos e legais efeitos.

    Sem prescindir, 6. Da análise do douto Acórdão recorrido resulta que o mesmo contém erros, lapsos, obscuridades e ambiguidades, conforme melhor resulta da nossa motivação (para a qual se remete), impondo-se a sua correcção, por forma a eliminar em conformidade os vícios existentes no mesmo cuja eliminação não importe modificação essencial, nos termos do n.º 1 do artigo 380.º do CPP, sendo que, uma vez efectuada a rectificação, entende-se que o Acórdão, corrigido, deverá ser novamente notificado ao Arguido para este poder exercer plenamente o seu direito de recurso sem qualquer ambiguidade ou obscuridade.

    Sem prescindir, 7. O Arguido/Recorrente considera incorrectamente julgados, entreoutros, os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada no Acórdão recorrido, os quais expressamente se impugnam para todos os devidos e legais efeitos: factos provados vertidos nos pontos 19 e 20 (no que diz respeito ao Arguido/Recorrente), 23, 26 (igualmente no que lhe concerne), 72 a 87, 90 e 91 do Acórdão recorrido.

  5. Da arguiçãoda nulidade por condenaçãopor factos diversos dos descritos na Acusaçãoresulta uma inevitável impugnação da matéria de facto dos pontos 72 a 87 do Acórdão, dado que do vício determinante da nulidade também acaba por resultar a incorrecção de julgamento quanto a esses concretos pontos.

  6. Acrescem ainda as seguintes razões para a incorrecção de julgamento destes e dos demais pontosreferidos: i. existe uma insuficiênciaparaadecisãodamatériadefactoprovada quanto aos pontos 20, 23, 26, 72 a 87, 90 e 91 do Acórdão (conforme os argumentos que se referiram na motivação, para onde se remete), vício previsto na al. a) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP e que resulta do texto da própria decisão recorrida.

  7. A decisão recorrida não fica suficientemente esclarecida, em virtude da contradição entre os pontos 19 e 72 da factualidade provada e os pontos 73 a 87 (conforme os argumentos que se referiram na motivação, para onde se remete), pelo que padece o Acórdão recorrido do vício de contradição insanável da fundamentação probatória da matéria de facto (quanto aos pontos 19 (na parte respeitante ao ora Recorrente), 72 e 73 a 87 do Acórdão recorrido), previsto na al. b) do n.º do art.º 410.º do CPP, o qual resulta do texto da própria decisão recorrida.

  8. Nos pontos 72 a 87 do Acórdão recorrido foram imputados ao Arguido/Recorrente e considerados provados factos indefinidos, genéricos, conclusivos, não concretizados temporal, espacial ou circunstancialmente, tendo-o colocado numa posição em que simplesmente deles não se pode eficazmente defender, pelo que tais factos devem ter-se como não escritos (não provados) por violação irreparável das garantias de defesa em processo penal, do princípio da presunção de inocência, e do princípio do contraditório, nos termos dos nºs 1, 2 e 5 do art.º 32 da CRP, revogando-se o Acórdão recorrido.

  9. Salvo melhor entendimento, com a alteração da matéria de facto dada como provada, em conformidade com a impugnação factual do Arguido/Recorrente resultará uma inevitável diminuição do número de consumidores que se provou comprarem ao Arguido (que passariama inexistirou,pelomenos,a ser inferiores aonúmero que o Tribunal a quo apurou); a quantidade de estupefacientes relevante para o tipo de crime de tráfico seria igualmente reduzida, podendo ser relevante apenas a detida e apreendida; deixa de poder ser considerado que o Arguido/Recorrente usou terceiros [os arguidos (…) e (…)] – embora se entenda que a utilização dos mesmos já tenha resultado não provada, senão o Acórdão recorrido não tinha referido nesses pontos que “não se logrou apurar” a intervenção dos mesmos nas alegadas entregas de estupefaciente, o que, crê-se, equivale a dizer que isso não se provou! 13. Atendendo que, na própria concepção do douto Tribunal a quo, foram estas 3 circunstâncias que agravaram a ilicitude do arguido AJ e, por isso (a nosso ver mal, com o devido respeito), arredaram a qualificação dos factos como um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º do DL 15/93, de 22/01 (cfr., pontos 199, ii), e 220, i) do Acórdão), somos levados a acreditar que da alteração da factualidade proposta se impõe, justamente e por maioria de razão, uma decisão diversa da manifestada no douto Acórdão recorrido – embora consideremos que a alteração da decisão recorrida se imponha mesmo pela mera aplicação do direito à factualidade provada.

  10. Evidentemente que não se defende que, com a alteração da factualidade proposta pelo Arguido/Recorrente, a decisão recorrida deva passar a ser absolutória em vez de condenatória, no entanto, com essa alteração, pensamos que deverá necessariamente considerar-se uma diminuição do grau de ilicitude e da culpa do agente, reflectindo-se de forma ainda mais ponderosa quanto à alteração, quer da qualificação jurídica do crime em causa, quer da escolha e da medida da pena concretamente aplicada.

    Sem prescindir, 15.

    Subsidiariamente, ainda que se mantenha a matéria de facto dada como provada no douto Acórdão recorrido, o que não se concede e só por mera hipótese académica se coloca, entende-se, salvo o devido respeito por melhor opinião, que o Tribunal a quo fez uma errada subsunção da factualidade provada no crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art.º 21.º do DL 15/93, de 22/01, para além de que a medida da pena concretamente aplicada pela prática desse crime (5 anos e 6 meses de prisão) e pela prática do crime de detenção de arma proibida (2 anos de prisão), p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, ultrapassa a medida da culpa e as exigências de prevenção.

  11. Nos termos do art. 25.º do DL 15/93, de 22/01, para existir uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, é preciso ter “em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.

  12. Considerando o reduzido raio de acção (limitado a uma localidade: cidade de Viseu e áreas limítrofes), o reduzido número de consumidores (apenas – permita-se considerar – 15 consumidores), o reduzido número de transações, o reduzido período em que as mesmas tiveram lugar (3 meses), a reduzida quantidade fornecida (eram fornecidas doses individuais a cada consumidor), o “modus operandi” (simples e com recurso a meios sem sofisticação, com encontros previamente combinados, via telemóvel, para a entrega do estupefaciente), entendemos que estamos...

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