Acórdão nº 776/19.1GCLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | ANA CAROLINA CARDOSO |
Data da Resolução | 10 de Novembro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I.
RELATÓRIO 1.
Por sentença datada de 9 de novembro de 2020, proferida pelo Juízo Local Criminal de Leiria – J3, da Comarca de Leiria, proferida no processo comum n.º 776/19.1GCLRA, foi decidido: «Quanto ao segmento criminal a) Absolver o arguido N.
da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo p. e p. pelos artigos 14.º e 152.º, n.ºs 1, al. a), 2, 4 e 5, todos do Código Penal; b) Condenar o arguido N.
pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 200 [duzentos] dias de multa, à taxa diária de € 7,00 [sete euros]; (…) Quanto ao segmento civil (….)».
Da sentença proferida recorre o Ministério Público – que apreciaremos posteriormente ao conhecimento do Ø RECURSO INTERLOCUTÓRIO: Cabe, em primeiro lugar, conhecer do recurso interlocutório interposto pelo arguido após a sentença.
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Despacho recorrido: “Por Decisão proferida em 09.11.2020, foi o aqui arguido N.
, no que ora releva, absolvido da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo p. e p. pelos artigos 14.º e 152.º, n.ºs 1, al. a), 2, 4 e 5, todos do Código Penal, e condenado, além do mais, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros) – cfr. fls. 234 a 250v. dos autos.
Inconformado com tal Decisão, dela interpôs recurso o MINISTÉRIO PÚBLICO (cfr. fls. 252 a 284v. dos autos), o qual foi admitido por despacho proferido a fls. 285 dos autos, no qual foi ainda ordenado o cumprimento do disposto no artigo 411.º, n.º 6, do Código de Processo Penal.
Regularmente notificados arguido e assistente, apenas o primeiro veio responder, o que fez em 25.01.2021, no 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo para a prática do ato, de harmonia com o disposto no artigo 139.º, n.º 8, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art. 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, sem, contudo, proceder ao pagamento da respetiva multa, invocando, para o efeito, e em súmula, o princípio da igualdade de armas e o direito a um processo equitativo.
Desse requerimento foi dado conhecimento ao Ministério Público e à Assistente para exercerem, querendo, em 5 (cinco) dias o respetivo contraditório (cfr. fls. 324 dos autos).
Nenhum dos mencionados sujeitos processuais se pronunciou.
Cumpre apreciar e decidir: No requerimento apresentado pelo arguido e que ora nos reportamos (id. em epígrafe), vem alegado, em síntese, que o Ministério Público interpôs recurso a 14.12.2020, tendo o prazo terminado a 09.12.2020, pelo que foi apresentado no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo legalmente fixado para o efeito, não tendo pago a multa a que alude o artigo 107.º-A, al. c) do Código de Processo Penal, nem tendo sido notificado para proceder ao pagamento a que se refere o artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, tendo sido, não obstante, aquele considerado tempestivo.
Nesta sequência, fazendo apelo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, nomeadamente, ao princípio do processo equitativo, vem o arguido pugnar pela dispensa do pagamento da multa para a resposta ao recurso, escorado ainda no princípio da proporcionalidade e da igualdade de armas.
O prazo para interposição de recurso da sentença é de 30 dias, a contar do respetivo depósito, nos termos do disposto no art. 411.º, n.º 1, al. b) do CPP, tendo aquele depósito ocorrido na data em que foi prolatada a decisão a 09/11/2020.
Vejamos: No que concerne à possibilidade de o Ministério Público praticar ato processual nos três dias úteis seguintes ao termo do respetivo prazo, sem pagar multa, tal encontra acolhimento nos artigos 107.º, n.º 5, e 522.º do Código de Processo Penal, e 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, a contrario (vd. Ac. do STJ n.º 5/2012 de 18/04, disponível no sítio www.dgsi.pt).
Tal isenção encontra respaldo no facto de o Ministério Público ser “o representante do Estado, encarregado de, nos termos da lei, defender a igualdade democrática, exercer a ação penal e promover a realização do interesse social” (cfr. Ac. do STJ de 11/12/1996, proc. n.º 96P754, in www.dgsi.pt).
Sem prejuízo, preceitua o artigo 139.º, n.º 8. do Código de Processo Civil que “O juiz pode excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respetivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte”.
Nessa sequência, veio o Ac. do STJ n.º 4/2020, de 18/05 uniformizar jurisprudência no sentido de que “O n.º 8 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, no qual se estabelece a possibilidade excecional da redução ou dispensa da multa pela prática de ato processual fora do prazo, é aplicável em processo penal” – estando, assim, aberta a possibilidade de o juiz conceder a redução ou dispensa da multa também ao arguido.
Contudo, a aplicação desse normativo não pode ser realizada de forma automática, assumindo cariz excecional, devendo ser aduzidos pelo arguido fundamentos nos quais ancora a manifesta carência económica. Podendo igualmente o juiz reduzir ou dispensar da multa quando o montante respetivo se revelar manifestamente desproporcionado, “designadamente nas ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte” (vd.
Ac. da RG de 30/11/2015, proc. n.º 87/13.6GAMGD.G1, in www.dgsi.pt).
Ora, revertendo ao caso dos autos, o arguido não só não comprova qualquer situação de carência económica, como nem sequer traz à colocação qualquer fundamento que traduza essa carência e muito menos “manifesta”, tal qual reclama o comando normativo sobredito. Diga-se, aliás, a este propósito, que o montante devido não se revela manifestamente desproporcionado (ou seja, 2UC – valor total de € 204,00, cfr. art. 107.º-A, al. c) do CPP).
Por outro lado, sublinhe-se o facto de a interposição de recurso ou a resposta ao mesmo carecer da constituição de Mandatário, não tendo por isso o ato sido praticado diretamente pela parte. Pese embora, o preceito legal utilize a expressão “designadamente”, o tribunal não pode desconsiderar esse facto. Tece apenas no ponto 19 do seu requerimento a consideração genérica de “o cidadão-arguido, que não dispõe dos poderes de que é titular o MP, nem beneficia de todo a máquina que se encontra ao serviço deste (…) viu substancialmente dificultada a elaboração da sua resposta ao referido recurso”, não densificando...
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