Acórdão nº 652/18.5T8GMR.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA e BB intentaram acção declarativa com forma comum contra CC, DD e EE pedindo que estes sejam solidariamente condenados a pagar as seguintes indemnizações: €58.192,43 por danos patrimoniais, e €1.750,00 por danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

Alegaram que a autora mulher é dona do prédio urbano destinado a habitação, em regime de propriedade total, sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, sito na Rua………, e que os autores são casados entre si, no regime da comunhão de adquiridos, residindo nesse prédio. A ré CC, é arrendatária do imóvel sito na Rua …. do qual os 2ºs réus são proprietários.

Em 13.01.2017, deflagrou um incêndio no arrendado pela ré que teve origem numa salamandra colocada por esta na casa onde o que fez com o consentimento dos proprietários. O incêndio ocorreu por deficiências do equipamento, sendo a responsabilidade de quem o colocou solidária com a de quem deixou que o equipamento fosse colocado.

Na contestação a ré CC alegou que o equipamento não estava em mau estado e que o problema residiu no facto de lhe ter sido autorizada a colocação da salamandra sem o aviso de que a chaminé não dava para o exterior, mas sim para o telhado, junto a uma tela inflamável, e termina requerendo a intervenção da Cª de Seguros Ocidental, intervenção da seguradora foi admitida a título acessório pelo despacho de 15.11.2018.

Por sua vez, os réus DD e EE referiram que nunca deram qualquer autorização para a colocação da salamandra e sublinhando que são meros usufrutuários e não os proprietários do prédio.

Tendo sido pedida a intervenção principal provocada de FF, filha de DD e EE, a quem estes doaram o prédio em Setembro de 2016, foi o incidente admitido.

Instruídos os autos e realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou as rés “CC e FF no pagamento, solidariamente, das seguintes quantias (sem prejuízo de, na relação interna, cada uma ser responsável por metade do valor total): i) € 40.000,00 (quarenta mil euros - € 34.000,00 + € 5.000,00 + € 1.000,00), a pagar à autora BB; ii) € 4.750,00 (quatro mil, setecentos e cinquenta euros), a pagar ao autor AA; iii) € 10.208,43 (dez mil, duzentos e oito euros e quarenta e três cêntimos - € 6.202,40 + € 990,03 + € 3.000,00 + € 16,00), a pagar aos autores BB e AA.

Sobre as referidas quantias incidirão juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.” Os demais réus vão absolvidos do pedido.” Tendo as rés que foram condenadas apresentado recurso de apelação foi proferido acórdão que julgou procedente a apelação interposta pela FF, revogando nessa parte a sentença da 1ª instância que a condenou nos pedidos da acção; E julgou improcedente a apelação interposta pela ré CC mantendo a sua condenação nos mesmos termos em que a sentença o tinha determinado.

Inconformada com esta decisão a ré CC e os autores AA e mulher, BB interpuseram recursos de revista.

Admitida a revista dos autores e indeferida por inadmissível a da ré, reclamou esta nos termos do art. 643 do CPC tendo vindo a ser admitido o recurso.

Os autores na sua revista concluem que: “ A. Os aqui Autores/Recorrentes não se podem conformar e, não se conformam, com a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação .........., razão pela qual, interpõem a presente revista que, nos termos do disposto no art.º 635.º, n.º 2 do CPC, se restringe à matéria relativa à decisão que julgou procedente o recurso interposto pela interveniente FF e que, em consequência, revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância que a condenava nos pedidos da acção (Ponto n.º 1 do Acórdão proferido).

  1. De igual modo, nos termos do disposto no art.º 674.º, n.º 1, alínea a) do CPC, a presente revista funda-se na violação de lei substantiva, consubstanciada no erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art.ºs 483.º, n.º 1 e 493.º, n.º 1 do Código Civil e, bem assim, do disposto no art.º 512.º do mesmo diploma legal, erro de interpretação e aplicação que aqui expressamente se invoca e requer seja declarado com todas as consequências legais.

  2. A interveniente EE é dona e legítima proprietária do imóvel sito na Rua ……, que o adquiriu por doação dos seus pais, aqui 2.ºs Réus, encontrando-se, à data dos factos, arrendado à Ré CC.

  3. O imóvel sofreu diversas intervenções urbanísticas: no ano de 1993/1994, foram feitas obras no telhado e nas fachadas, em 2011, foram substituídas telhas, caibros e ripes e em 2013, foi feita uma intervenção nas paredes interiores, obras que foram feitas com o acompanhamento e o conhecimento pessoal da interveniente FF.

  4. A Ré CC instalou e colocou em funcionamento uma salamadra a pellets naquela sua residência, o que fez para uso pessoal e de forma contínua, durante os meses de inverno, inclusivamente, naquele dia 13/01/2017, data em que deflagrou o incêndio que está na origem dos presentes autos, que se deu por ignição das madeiras do telhado, como resultado da deterioração e posterior volatização das mesmas (Facto Provado n.º 11).

  5. No referido imóvel existia um tubo em cerâmica que terminava junto a uma estrutura em madeira e que, em tempos, era serventia da cozinha, facto que era do conhecimento da interveniente FF.

  6. Após deslocação ao imóvel a pedido da Ré CC e, em conversa que, na altura, estabeleceu com ela sobre a ligação a ser feita à salamandra, a interveniente FF fez referência à existência daquele tubo em cerâmica, não se importando que a ligação do tubo em inox da salamandra se fizesse através dele, porquanto, o que realmente importava era que tal ligação não ficasse visível por fora (pelo exterior), por causa das imposições legais e camarárias impostas à estética daquele imóvel por ser e estar situado no Centro Histórico ...........

  7. A única preocupação da interveniente FF era a estética do imóvel, sendo-lhe irrelevante que o tubo em inox de ligação à salamandra se fizesse através do tubo em cerâmica já existente, facto a que não se opôs e, cuja ocorrência, resultou provada (Factos Provados n.º 16).

    I. A interveniente FF conhecia, pois, e bem, as intenções da Ré CC em utilizar o tubo em cerâmica existente para a saída dos gases da salamandra, tanto que, foi a própria a sugerir tal ligação por não querer que os tubos ficassem visíveis pelo lado exterior.

  8. A utilização do tubo em cerâmica existente não foi, como se viu e provou, impedida ou sequer proibida pela interveniente FF (nem pelos seus pais, usufrutuários do imóvel), para quem bastava que no final (leia-se, no final da vigência do contrato de arrendamento) tudo ficasse igual – tal qual decorre, inclusivamente, da fundamentação do Acórdão recorrido, na parte relativa à matéria de facto constante dos Pontos 13 a 17: “Ora, quanto a esse aspecto, é a própria recorrente que, ao ser questionada pela Sr. Juíza, acaba por reconhecer que não proibiu a instalação da salamandra na cozinha, apenas deixou claro que “ao fim queria a casa igual”. Ademais, já tinha referido no âmbito do inquérito criminal que os pais, embora renitentes não se opuseram à instalação da salamandra (cfr. declarações reproduzidas nos autos a que se reporta o documento de fls. 194).” (sublinhados nossos) Ademais, ali mais se diz que, “E relativamente à ligação do tubo de inox no antigo tubo de cerâmica (ninguém pôs em dúvida que servira de “exaustor” da cozinha) é verosímil que essa hipótese tenha sido colocada e a recorrente nada tenha oposto, dadas até as condicionantes da solução de o tubo de inox subir até ao topo do prédio junto à parede exterior, dizendo a ré CC nas declarações em julgamento que a propósito foi advertida pela FF que essa obra “esteticamente ficava mal e podia ter problemas com a Câmara”. Isto mostra-se em total concordância com o que a FF referiu nos autos de inquérito criminal, onde admite ter alertado a CC “para o perigo de uma salamandra, na medida em que as casas estão no centro histórico, tem partes em madeira, a qual têm de manter atendendo à sua localização.” (sublinhados nossos) K. Mais resultou provado que a interveniente FF não informou a Ré CC que o tubo em cerâmica terminava no telhado, junto a uma estrutura em madeira (Factos Provados n.º 17).

    L. Resulta, pois, à evidência que, tendo acompanhado as obras de renovação e restauro do imóvel (telhado, fachadas, paredes, telhas, caibros e ripes), o que aconteceu em 1993/1994, 2011 e 2013; sabendo, como sabia, da existência do tudo em cerâmica que servia em tempos a cozinha do imóvel; e, bem assim, sabendo da intenção da Ré CC em instalar e usar uma salamandra em pellets naquele mesmo imóvel, apesar de todos os riscos inerentes; e, sabendo, como também sabia, não haver licenciamento camarário para o efeito (Factos Provados n.º 12); e, bem assim, não tendo manifestado qualquer oposição à ligação do tubo em inox ao tubo em cerâmica existente, não restam dúvidas, de que a interveniente FF não agiu com o cuidado e a diligência que devia e estava obrigada enquanto proprietária daquele imóvel, a quem competia a sua vigilância, conservação e manutenção, sobretudo, porque não podia ignorar a circunstância de o referido imóvel se encontrar em pleno Centro Histórico ……. e, bem assim, saber que toda a sua estrutura era feita de madeira.

  9. O conhecimento de tais factos pelo proprietário do imóvel não pode deixar de implicar, necessariamente, uma responsabilidade acrescida dele, precisamente, por conhecer de forma expressa tudo quanto ali se pretendia fazer (e as concretas condições estruturais do imóvel) e, mesmo assim, nada ter feito para o impedir e/ou evitar.

  10. Com efeito, a interveniente FF aceitou, sem qualquer oposição (e de igual modo, os seus pais, aqui 2.ºs Réus), a instalação da salamandra e a ligação do tubo em inox ao tubo em cerâmica existente (que, como se sabe e a ora interveniente sabia, que estava encostado a uma estrutura em madeira), assumindo os riscos que lhe...

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