Acórdão nº 108/13.2RTPNH-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | VITOR AMARAL |
Data da Resolução | 09 de Novembro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório Em autos de processo incidental para liquidação de obrigação pecuniária, que N...
, com os sinais dos autos, intentou contra “V... Seguros, S. A.
”, também com os sinais dos autos, pediu aquele que se procedesse à liquidação no montante de € 27.234,10, acrescido de juros de mora vincendos, até integral pagamento, da quantia a pagar por esta a título de indemnização correspondente ao parqueamento de viatura determinada, desde 31/10/2012 e até à efetiva reparação da mesma, com condenação em conformidade.
Para tanto, alegou, em síntese, que: - por acórdão transitado em julgado foi a R./Requerida condenada a pagar ao A./Requerente a quantia correspondente ao parqueamento da sua viatura, desde 31/10/2012 até à respetiva reparação, a liquidar em sentença, acrescida de juros de mora, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, à taxa supletiva legal; - tal viatura encontra-se parqueado em oficina desde 31/10/2012, data do sinistro; - a dita oficina imputa ao A./Requerente a quantia de €10,00 diários, acrescidos dos legais encargos, devidos pela guarda e ocupação do espaço da viatura, com um custo do parqueamento que ascendia em 06/02/2019 à quantia de € 22.280,00 [2.228/dias x €10,00], a que acrescem os mencionados juros de mora (contabilizados desde a citação e ascendendo os já vencidos à quantia de € 4.954,10, para além dos vincendos).
A R./Requerida contestou: - excecionando a falta de legitimidade do A./Requerente, por o montante peticionado ser devido à oficina e não àquele, nem ter a R./Requerida sido condenada a pagar o aludido montante ao Requerente, não especificando o acórdão a quem deve ser paga tal quantia; - impugnando a factualidade alegada pelo A./Requerente, âmbito em que referiu que as despesas de parqueamento nunca foram comunicadas à R./Requerida, nem o relatório de peritagem elaborado refere qualquer montante a título de parqueamento; - e concluindo que o comportamento do A./Requerente é contrário às regras do bom senso e da experiência comum, por não ter havido um prazo para a reparação do veículo, por este ter um valor venal de €1.2510,00, ou seja, muito inferior ao montante ora peticionado a título de parqueamento, o que torna altamente improvável e irracional que alguém confie um veículo, que vale pouco mais de mil euros e que se encontra com danos avultados, a uma oficina, sem ordem de reparação, sem saber quanto tempo a viatura lá vai permanecer, sem saber se alguma vez irá ser reparado ou quem poderá ser o responsável pelo pagamento dessa reparação e, ainda assim, acordar a liquidação de €10,00 por cada dia que o automóvel lá se encontrar parqueado.
Observado o contraditório, foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade do A., com enunciação, ainda, do objeto do litigio e dos temas da prova.
Produzida prova pericial, veio a R./Requerida deduzir articulado superveniente, impugnando a contraparte, por sua vez, a factualidade ali vertida.
Procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «(…) decide-se julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o presente incidente e liquidar: a) em €21.910,00 acrescidos de IVA à taxa legal de 23% o que perfaz a quantia global de 26.949,30€ devida pela requerida V... Seguros S.A ao requerente N..., pelo parqueamento do veículo sinistrado, acrescida de juros de mora contabilizados desde a data da citação – 18.07.2013 até 30.10.2018, e ainda dos juros de mora contabilizados até efectivo e integral pagamento contados da presente decisão, à taxa supletiva legal para obrigações civis, absolvendo-se a requerida do demais peticionado.».
Inconformada, recorre a R. – recurso admitido como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo –, apresentando alegação, culminada com as seguintes Conclusões ([1]): (…) O A./Apelado contra-alegou, pronunciando-se sobre as questões suscitadas em sede de recurso e concluindo pela total improcedência da apelação.
*** Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foi mantido o regime e efeito fixados ao recurso, pelo que, nada obstando, na legal tramitação dos autos, ao conhecimento do mérito recursivo, cumpre apreciar e decidir.
II – Âmbito recursivo Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([3]) –, importa saber, com referência à decisão da matéria de facto e de direito:
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Se ocorrem as invocadas causas de nulidade da sentença [cfr. conclusão 18.ª aperfeiçoada, reportada às al.ªs b) a e) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv.]; b) Se deve proceder a impugnação da decisão de facto, alterando-se tal decisão [cfr. conclusões 19.ª e segs.]; c) Se ocorreu errada aplicação do direito, devendo a R./Recorrente ser absolvida do pedido, designadamente (para além do mais invocado) por se demonstrar ter havido simulação quanto à ordem de reparação da viatura e ao respetivo pagamento e por a oficina não ter como prática a cobrança de parqueamento aos seus clientes [cfr. conclusões 36.ª e 84.ª segs.].
III – Fundamentação
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Matéria de facto 1. - Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada: ...
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- E foi julgado como não provado: ...
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Das invocadas causas de nulidade da sentença Entende a R./Recorrente que estão verificados os vícios de nulidade da sentença a que aludem as al.ªs b) a e) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv., pelo que é sobre esta matéria que cabe começar por indagar, no plano da sindicância recursiva.
Cabia, por isso, à Apelante, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontram consubstanciados na sentença apelada aqueles vícios geradores de nulidade da mesma, o que devia ser feito mas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.
Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe ao recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Em seguida se verá se o fez, começando-se pelas questões ligadas à fundamentação, a que aludem as al.ªs b) e c) do n.º 1 daquele art.º 615.º.
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- Da ausência de fundamentação e obscuridade/ambiguidade Defende a parte recorrente que ocorre falta de fundamentação da sentença, bem como obscuridade/ambiguidade, tornando a decisão ininteligível (cfr. conclusões aperfeiçoadas 12.ª e segs.).
Enquanto o preceito da al.ª b) se refere à falta/ausência de fundamentação, já a norma da al.ª c) do mesmo n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv. se reporta, por sua vez, à oposição entre fundamentos e decisão ou à existência de ambiguidade ou obscuridade geradoras de ininteligibilidade.
Com efeito, dispõe a primeira daquelas al.ªs que a sentença é nula se não especificar «os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão», enquanto a outra estabelece ser nula a sentença, desde logo, quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, mas também quanto ocorram aquelas ambiguidade ou obscuridade geradoras de ininteligibilidade.
Assim, se a oposição se reporta a contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto ou direção diferente ([4]), inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.ºs 667.º e 668.º do anterior CPCiv.
([5]) – hoje art.ºs 614.º e seg. do NCPCiv. –, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal, a ininteligibilidade da decisão resultante das ditas ambiguidade ou obscuridade reporta-se, no mesmo plano de vícios formais, a fundamentos ([6]) enunciados de tal modo que não seja possível entendê-los, mormente na sua correspondência com a decisão e o seu sentido/alcance, de molde a não conseguir estabelecer-se o caminho seguido pelo tribunal para atingir o dispositivo da sentença.
Ora, a Apelante limita-se a invocar, de relevante, que da leitura da sentença não se consegue compreender a razão da condenação no montante estabelecido, daí extraindo a conclusão no sentido da sua ininteligibilidade por via de ambiguidade e obscuridade (conclusões 14.ª e 15.ª).
Porém, lida a sentença, deve dizer-se que não se surpreende...
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