Acórdão nº 1157/12.3 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório A………………., melhor identificado nos autos, veio impugnar o despacho, datado de 14/09/2011, proferido pela Directora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, que indeferiu o recurso hierárquico, com o n.°….., apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, com o n.°………., e cujo objecto é a liquidação de IRS n.° ……………, do ano de 2004, no valor de € 3.294,21. O Tribunal Tributário de Lisboa por decisão proferida a fls.

198 e ss. (numeração do processo em SITAF), datada de 25/03/2020, julgou procedente a impugnação.

Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 231 e ss. (numeração do processo em SITAF), a Fazenda Pública, formulou as conclusões seguintes: (…) B. A douta sentença concluiu que os rendimentos auferidos pelo Impugnante foram, na realidade, auferidos por uma sociedade irregular composta pelo Impugnante e pelo comproprietário do prédio, sujeitos a tributação em sede de IRC.

  1. No presente recurso, pretende-se que seja apreciada (i) a nulidade por excesso de pronúncia do Tribunal a quo, e, subsidiariamente, (ii) o erro de julgamento de facto nas ilações que o Tribunal retira da matéria de facto provada.

  2. A presente impugnação judicial foi deduzida pelo Recorrido pedindo a anulação da liquidação de IRS n.º .............., relativa ao ano de 2004, alegando, para o efeito: a) a preterição de formalidades legais, designadamente, a preterição do direito de audição, b) o vício de falta de fundamentação da decisão recorrida, c) o vício de violação de lei por recusa do recurso hierárquico fora dos casos previstos na lei, d) errónea qualificação do rendimento auferido em 2004 como rendimento proveniente do exercício de atividade comercial, industrial ou agrícola (categoria B), por oposição à correta qualificação do rendimento como mais-valias (categoria G), cf. P.I. junta a fls. 1 e ss. do SITAF.

  3. De acordo com o entendimento do Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.a Edição, Volume II, Lisboa, Áreas Editora, julho 2011, página 326 e 327, o Tribunal a quo poderia ter determinado a anulação do ato tributário de IRS com um dos fundamentos alegados pelo Impugnante (ora Recorrido).

  4. No entanto, na douta sentença recorrida, determinou-se anular a liquidação de IRS por o facto tributário, na muy douta opinião do Tribunal a quo, se encontrar sujeito a IRC, não a IRS, cf. fls. 20 e 21 da douta sentença, o que constitui um fundamento novo.

  5. Nenhuma das causas de pedir constantes da P.I. se reconduzem à sujeição do rendimento auferido pelo Recorrido a IRC.

  6. Na opinião da RFP, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre uma questão que não deveria ter conhecido, porquanto não foi suscitada por nenhuma das partes e não é uma questão de conhecimento oficioso.

    I. O contencioso tributário está sujeito ao princípio do dispositivo na alegação das causas de pedir, i.e., as causas de pedir que são suscetíveis de serem conhecidas no contencioso tributário são aquelas que são alegadas pelo autor do processo. Neste sentido, cf. acórdão do STA proferido no processo n.° 10519 de 1996-03-13, disponível em www.dgsi.pt.

  7. Padece de nulidade de excesso de pronúncia a sentença que conhece de causas de pedir não alegadas pelo autor, nos termos do n.° 1 do artigo 125.° do CPPT e da segunda parte da alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, e, ainda o acórdão do STA proferido no processo n.° 10519 de 1996-03-13, disponível em www.dgsi.pt.

  8. O Tribunal a quo excede-se porque conhece da (i)legalidade do ato tributário sob a perspetiva de uma causa de pedir que não foi alegada pelo autor (nem pela ré), i.e., da sujeição do rendimento a IRC, ao invés de IRS, o que constitui um suposto vício que não foi alegado pelas partes, e que não é de conhecimento oficioso.

    L. De acordo com o entendimento do Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.a Edição, Volume II, Lisboa, Áreas Editora, julho 2011, página 366, “Constitui também nulidade de sentença o excesso de pronúncia, que ocorre com a pronúncia do tribunal sobre questões que não deva conhecer, que também está prevista na alínea d) do n.° 1 do art. 668.° do CPC. (...) Haverá também excesso de pronúncia se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir de causa de julgar, por exemplo, anulando um acto com base em vício não invocado.".

  9. De facto, analisando a jurisprudência sobre o tema, tem sido entendimento unânime do Supremo Tribunal Administrativo que a pronúncia sobre questões que não foram colocadas à apreciação do tribunal constitui excesso de pronúncia, o que configura uma nulidade de sentença. Neste sentido, cf., a título de exemplo, os acórdãos proferidos pelo STA nos processos n.° 2/08, em 2008-03-06, n.° 1879/13, em 2015-01-28, n.° 1865/14.4BEBRG, em 2019-04-10, e n.° 1130/08.6BEVIS 660/17, em 2019-10-30, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

  10. Em face do exposto, a Fazenda Pública vem, respeitosamente, arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por ter tomado conhecimento de uma questão que, em nossa opinião, se encontrava vedada ao Tribunal conhecer.

  11. Subsidiariamente, vem a RFP alegar o erro de julgamento constante da sentença recorrida.

  12. A douta sentença recorrida afirma que “Para tanto temos de analisar a factualidade dada como provada, de onde se retira que o Impugnante adquiriu o terreno para construção, conjuntamente com A............... e esposa, com a intenção de o transformar e obter lucro, concretamente requerendo alvará de licença de construção, em seu nome e em nome do A....., outorgando contratos de abertura de crédito, por si e em nome do “sócio”, para juntos empreenderem a construção de uma moradia e a consequente alienação.

    As iniciadas construções tiveram, pois, como objectivo, a obtenção do “lucro”, visto que, tanto o ora impugnante como o sócio A........ não se limitaram a colher rendimentos da moradia construída, como, por exemplo, dando-a de arrendamento, mas pelo contrário, desenvolveram no citado lote de terreno uma actividade, mediante a qual suportaram custos, de resto comprovados, e, naturalmente, obtiveram lucros.

    Desde logo, suportaram custos com as licenças camarárias, visto que, sem elas, seria impossível dar início às construções e, simultaneamente, com os materiais e a mão-de-obra aplicados nas construções. Logo, salvo melhor opinião, a situação, que se tem vindo a concretizar, é bem reveladora de intenção societária que, por não ter assumido os termos legais, não poderá deixar de ser considerada, para todos os fins, designadamente e concretamente os fiscais, uma sociedade irregular (neste sentido, decidiu já o STA em aresto proferido a 23/10/2002, em sede do Processo n.º 0676/02).

    Portanto, pode afirmar-se, sem margem para dúvidas que, estas duas pessoas se juntaram, concretizando assim o surgimento de uma sociedade irregular, na medida em que, independentemente da comparticipação que tinham no lote de terreno se uniram e decidiram, em conjunto, pela construção de uma moradia no referido lote e pela sua comercialização, dividindo os custos e lucros.”, cf. fls. 18 e 19 da douta sentença.

  13. Ensina o Senhor Professor Paulo Olavo Cunha que “Em qualquer circunstância, e até ao momento do deferimento do pedido de registo, estamos perante uma entidade que é diferente da que irá resultar desse mesmo registo. Estamos perante uma entidade que a doutrina habitualmente designa por sociedade irregular. Portanto será uma entidade ou uma sociedade que, tendo por objecto uma actividade comercial, adopte um tipo comercial – de entre os que são facultados pela lei comercial –, desde que o respectivo contrato não esteja ainda definitivamente registado, apesar de eventualmente já ter sido celebrado.

    Estamos perante uma sociedade irregular, quando: a) (Já) há um mero acordo de princípio com vista à constituição de uma sociedade, mas ainda não foi celebrado o contrato de sociedade; b) O contrato de sociedade já foi celebrado, mas ainda não se encontra definitivamente registado.

    (…) No entanto, constitui indubitavelmente um património autónomo diferente dos respectivos titulares, das pessoas que para o mesmo contribuíram, que responde prioritariamente pelas dívidas contraídas em sua atenção. E com um efeito também específico, que é o de conceder aos respectivos titulares o benefício da excussão prévia; quer dizer, os respectivos bens só são postos em causa quando já não houver bens suficientes no património autónomo para responder perante as dívidas.”, in Direito das Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, maio de 2006, página 172.

  14. Analisando a matéria de facto apreciada pelo Tribunal, constata-se que, dos factos provados em a) a aa), não consta qualquer elemento que permita concluir pela atuação do Impugnante em sociedade com o Senhor A ................ e esposa.

  15. Resulta dos autos que o Impugnante e o Senhor A …………… e esposa solicitaram uma licença de construção junto da Câmara Municipal de ... ………….., para edificarem uma moradia para habitação, no lote de terreno que tinham adquirido, em compropriedade, cerca de 3 (três) anos antes, cf. facto provado em s) e t).

  16. Resulta, também, dos autos que o Impugnante outorgou com a Caixa de Crédito …………………… três contratos de abertura de crédito, em nome próprio e na qualidade de procurador do Senhor A ………….. e esposa, cf. factos provados em u), v) e w).

  17. Respeitosamente, estes factos são insuficientes para se concluir pela existência de uma sociedade entre o Impugnante e o comproprietário.

    V. Se dois comproprietários que partilham o direito de propriedade incidente sobre um prédio, para conseguir exercer o direito de propriedade sobre o prédio, é normal que atuem de forma conjunta sobre esse prédio.

  18. Não resulta dos factos que o...

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