Acórdão nº 2750/14.5T8LOU.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO DIAS DA SILVA
Data da Resolução21 de Outubro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação - 3ª Secção ECLI:PT:TRP:2021:2750/14.5T8LOU.P1 1. Relatório B…, S.A., interpôs recurso do despacho proferido pelo juízo de execução de Lousada-Juízo 1, no âmbito do processo executivo movido pela recorrente contra C… e D…, o qual indeferiu a reclamação apresentada pela recorrente contra a liquidação de juros compulsórios realizada pela Sr.ª agente de execução, mantendo a mesma.

O despacho sob recurso tem o seguinte teor: «(…) A exequente veio reclamar da liquidação do julgado apresentada pelo agente de execução, na parte referente à distribuição do produto da venda do bem penhorado, quanto ao facto de o agente de execução ter graduado a parte dos juros compulsórios devidos ao Estado antes do crédito exequendo.

Sustenta a exequente que o Estado não reclamou créditos e, por isso, não pode ser graduado antes do crédito exequendo.

Decidindo: Uma vez que a presente execução tem como título executivo uma sentença condenatória em pagamento de quantia certa, ao valor da quantia que decorre do título devem acrescer juros compulsórios à taxa de 5 %, a contar do trânsito em julgado, revertendo 2,5% a favor do Estado, como decorre do disposto no art. 829.º-A, n.º 4, do CC.

Ora, não estando em causa que são efetivamente devidos juros compulsórios ao Estado e que, por isso, este é deles seu credor, a questão que se coloca é a de saber: se o pagamento exige reclamação expressa do Estado e, em caso negativo, quando e em que circunstâncias esse pagamento deve ocorrer, se no momento em que exista produto de penhora adequado a que seja efetuado algum pagamento ao exequente ou se, apenas, quando estiver liquidada toda a dívida exequenda.

Como ponto de partida, importa atentar que, como vem sendo jurisprudência tendencialmente uniforme, a obrigação de pagamento dos juros compulsórios devidos ao Estado não depende de os mesmos serem requeridos pelo exequente (particular), não estando a cobrança dos mesmos na sua disponibilidade, tanto mais que não é o seu credor (o exequente apenas é credor de 50% dos juros compulsórios devidos pelo executado), sendo que também não depende de reclamação prévia expressa do Estado – neste sentido, entre outros, Ac. RG de 11.05.2017, proc. 90/14.9TBVFL, em www.dgsi.pt -, cabendo ao agente de execução liquidar tais juros, nos termos do art. 716.º, n.ºs 2 e 3, do NCPC.

Por outro lado, importa não confundir a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do art. 829.º-A do CC - a qual, de facto, tem de constar do título executivo, podendo apenas ser aplicada no processo executivo para prestação de facto infungível, nos termos do art. 868.º do NCPC -, com os juros compulsórios previstos como automaticamente devidos, nos termos do n.º 4 do aludido art. 829.º-A do CC, sendo que, como se disse, estes são automaticamente devidos, mesmo que não constem expressamente previstos na sentença e ainda que o exequente/credor particular não os peticione expressamente no requerimento executivo, pelo menos na parte que respeita ao Estado (cfr. arts. 703.º, n.º 2, e 716.º, n.ºs 2 e 3, do NCPC).

Isto posto, nesta sequência, o pagamento dos juros compulsórios ao Estado deve ocorrer no decurso do processo, sempre que seja apurado algum montante para entrega ao exequente, uma vez que os juros compulsórios se vão vencendo ao longo do processo e, aliás, como resulta das regras da imputação do cumprimento, a indemnização pela mora e os juros têm prioridade sucessiva face ao capital (cfr. art. 785.º do CC).

Assim sendo, sempre que existam valores que excedam o necessário para o pagamento das custas (que saem precípuas do produto dos bens penhorados, nos termos do art. 541.º do NCPC) ou dos credores graduados antes do crédito exequendo, deve o agente de execução reter a quantia de juros compulsórios vencidos até essa data e devidos ao Estado, entregando ao exequente apenas a metade que lhe cabe e, depois do pagamento dos juros, o capital exequendo que seja possível ainda liquidar.

Cumpre reiterar que, quanto à sanção pecuniária compulsória, prevê o art. 716.º, n.º 3, do NCPC, que o agente de execução liquide mensalmente os valores que se vão vencendo - cfr. a este propósito, entre outros, Ac. RC de 16.02.2018, proc. 681/10.7TBCTB, em www.dgsi.pt.

E, aliás, se assim é, caso o agente de execução não retenha os valores devidos ao Estado a título de juros compulsórios e os entregue (indevidamente) ao exequente, a conclusão que se extrai é a de que ocorre enriquecimento sem causa do exequente, de tal forma que os montantes que sejam recebidos pelo exequente e que deveriam ter sito retidos para entregar ao Estado devem ser restituídos. Tal não significa que o responsável pelo pagamento dos juros seja o exequente, pois continua a caber tal responsabilidade ao executado, tanto mais os montantes cuja restituição se exige ao exequente são valores penhorados/cobrados ao executado, nunca, por natureza, os excedendo, salientando-se que, dos juros compulsórios liquidados, apenas metade cabem ao Estado.

Acresce que o raciocínio exposto vale independentemente de a aquisição dos bens penhorados ser concretizada por terceiro, com depósito do preço, ou pelo exequente, com dispensa do depósito do preço, ao abrigo do art. 815.º do NCPC. Neste último caso, o que sucede é que a dispensa do depósito do preço não pode abranger, quer as custas devidas (art. 541.º do NCPC), quer os valores que sejam devidos a credores graduados antes do exequente, quer, por identidade de razão, a valores que sejam devidos, na devida proporção, a credores com direito a receber o crédito em paridade com o exequente, como resulta do art. 815.º, n.º 1, do NCPC. Ora, ainda que por interpretação extensiva, é exatamente neste último grupo que se insere a relação entre o exequente e o credor Estado pelos juros compulsórios devidos a ambas as partes, reiterando-se que qualquer imputação de pagamento coercivo que ocorra na execução inicia-se sempre pelos juros (quando em confronto com o capital exequendo).

Em suma, sendo o Estado e o exequente credores, em paridade, quanto aos juros compulsórios e sendo estes pagos antes do capital, conjugado com o facto de a liquidação dos juros compulsórios devidos ao Estado ser automaticamente realizada pelo agente de execução, sem necessidade de pedido expresso do Estado, é correta a graduação efetuada pelo agente de execução, no sentido de reter a metade dos juros...

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