Acórdão nº 06775/13.0BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

Petróleos de Portugal – Petrogal, S.A., …, interpôs recurso, jurisdicional, visando acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), datado de 16 de dezembro de 2020, que julgou improcedente ação administrativa (especial), apresentada com o objetivo de impugnar o Despacho n.º 210/2011-XIX, de 30 de dezembro de 2011, proferido pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) e que indeferiu pedido de anulação do ato de liquidação de Fazendas Demoradas, no montante de € 3.376.417,26, praticado pelo Chefe da Delegação Aduaneira de Sines.

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões, aqui, parcialmente (Em função do que, na nossa avaliação, reveste interesse para o reenvio prejudicial, a determinar infra.), reproduzidas: « 1. (…).

  1. (…).

    Sem prescindir, 3. O Tribunal recorrido errou manifestamente na qualificação jurídica dos factos carreados para os autos e na aplicação do direito concretamente pertinente, com isso permitindo que se mantenha em vigor na ordem jurídica o ato praticado pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que confirmou o ato de liquidação de Fazendas Demoradas emitido pela Delegação Aduaneira de Sines, posteriormente confirmado pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

  2. Tal ato deve ter-se por ilegal por violação de lei, designadamente o art. 639.º, n.º 2, do RA, já que não foram observados os requisitos aí prescritos no que à venda das mercadorias em hasta pública diz respeito.

  3. De facto, em observância do disposto no preceito em vigor à data dos factos, deveriam as autoridades aduaneiras ter levado a cabo os atos necessários ao procedimento de venda em hasta pública. Não o tendo feito em momento algum, não se pode considerar verificado o pressuposto legal essencial que legitimava a Administração a aplicar a sanção por Fazendas Demoradas.

  4. O Acórdão recorrido desconsidera gravemente a omissão deste requisito procedimental legalmente prescrito ao aceitar que tenha sido imediatamente instaurado o procedimento de liquidação de Fazendas Demoradas pela mera ultrapassagem do prazo de 45 dias para atribuição de um destino aduaneiro (previsto no art. 49.º do CAC).

  5. Por outro lado, ainda, pecou o Tribunal recorrido quando acolheu o entendimento segundo o qual a alfândega terá considerado que a venda das mercadorias não era do interesse da Recorrente. Em nenhuma parte da lei decorre que possam as autoridades aduaneiras formular esse tipo de juízo, cabendo o mesmo, só e apenas, ao importador das mercadorias.

  6. Consequentemente, deverá considerar-se que o Tribunal recorrido violou a norma constante do art. 639.º, n.º 2, do RA, sendo o ato impugnado inválido, devendo, nessa medida, ser anulado nos termos gerais do CPA.

  7. Mas, ainda que assim não se entenda, há que ter presente que uma parte significativa da mercadoria importada (cerca de 71%), que foi utilizada pela Recorrente nos seus circuitos produtivos ainda antes de ter terminado o mencionado prazo de 45 dias, não poderia, objetivamente, ser sujeita a um procedimento de venda em hasta pública. A referida parte das mercadorias, pela sobredita razão, não tinha, sequer, o estatuto de “demorada”.

  8. O mesmo é dizer, portanto, que o ato de liquidação, a ser admissível, apenas poderia ter incidido sobre a restante parte de mercadoria não utilizada pela Recorrente (os restantes 29%), a qual, de facto, ainda permanecia em situação de depósito temporário para além dos 45 dias de prazo para atribuição de um destino aduaneiro.

  9. Nestes termos, não podia o ato impugnado (nem o Tribunal recorrido) sujeitar a taxa de 5% do valor das mercadorias à totalidade do produto importado, já que a causa que fundamenta essa aplicação não encontrava verificada.

  10. Ainda no que concerne à parte de mercadoria utilizada pela Recorrente durante o período de 45 dias em que lhe devia ter sido atribuído um destino aduaneiro, cumpre notar que a mesma foi objeto de punição contraordenacional por uma infração de descaminho, justamente por a ter retirado do depósito em que se encontrava para a incluir nos seus processos produtivos.

  11. Ora, estranha-se que o Tribunal recorrido, pese embora conhecendo os factos que determinaram aquela punição, tenha persistido em afirmar que as autoridades aduaneiras estavam obrigadas a aplicar a taxa de 5% sobre o valor das mercadorias que excedessem o prazo de depósito temporário.

  12. A questão que se coloca é, então, a de saber como pôde o Tribunal recorrido atestar o carácter vinculativo da aplicação da mencionada taxa para as mercadorias que tenham permanecido em depósito temporário para além do prazo legalmente previsto, quando sabia que, in casu, uma significativa parte do produto importado (os referidos (71%)) tinha já saído da situação de depósito temporário (ainda que por via do cometimento de uma infração).

  13. Não se podendo aceitar tamanha incongruência de pensamento, verifica-se que o Acórdão recorrido falhou quando concluiu pela violação do prazo de depósito temporário enquanto motivo que legitimava as autoridades aduaneiras a proceder à liquidação de Fazendas Demoradas tendo por base a totalidade das mercadorias.

  14. Assim, deve tal aresto ser revogado, com a consequente anulação do ato praticado pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que confirmou o ato liquidação, por violação ostensiva do disposto no art. 639.º, n.º 2, do RA.

  15. Para além disso, o Tribunal recorrido demonstra confundir os conceitos de “prazo de armazenagem” e “prazo para atribuição de um destino aduaneiro”, não levando a cabo o desejado e necessário exercício de interpretação atualista dos mesmos.

  16. E tal circunstância conduziu a que tivesse cometido um clamoroso erro de julgamento.

  17. Ao tempo da entrada em vigor do RA, na longínqua década de 40 do século passado, fazia sentido falar-se em “prazo de armazenagem” das mercadorias, já que estas, chegadas ao território aduaneiro nacional, eram depositadas nas instalações das alfândegas, ficando sob sua custódia, e aí permaneciam enquanto os seus importadores cumpriam as formalidades necessárias ao seu desembaraço aduaneiro.

  18. Esta realidade alfandegária foi-se alterando ao longo do tempo, sobretudo em face da circunstância de as alfândegas e delegações aduaneiras não terem capacidade de gestão dos seus próprios espaços.

  19. Nesse quadro, o legislador introduziu as mencionadas “Fazendas Demoradas”, de natureza pecuniária compulsória, assim compelindo os importadores a diligenciar pelo cumprimento dos procedimentos aptos a libertarem as mercadorias da fiscalização aduaneira.

  20. A ratio subjacente a esta sanção compulsória era mesmo a de punir os operadores económicos retardatários pela ocupação demorada dos espaços detidos pelas alfândegas e estâncias aduaneiras, 23. E não pela não atribuição, às mesmas, de um destino aduaneiro. A punição por tal conduta efetivava-se (e continua a efetivar) por via da instauração de procedimentos contraordenacionais.

  21. Com o reconhecimento expresso, por parte do legislador, da incapacidade do Estado em assumir o armazenamento físico de todas as mercadorias de importação, foi-se abrindo concomitantemente à iniciativa privada a possibilidade de os importadores constituírem locais destinados a receber aqueles bens.

  22. E este é o caso dos presentes autos: a Recorrente recebeu as mercadorias que importou diretamente nas suas próprias instalações, as quais, conforme se disse, estão aprovadas pelas autoridades aduaneiras como Entreposto Fiscal.

  23. Significa isto que a mercadoria importada pela Recorrente em momento algum fora descarregada em armazéns ou depósitos cuja titularidade pertencesse às autoridades aduaneiras, situação que, porventura, legitimava a liquidação de Fazendas Demoradas pelo decurso do prazo de armazenagem.

  24. Ora, esta alteração de paradigma na dinâmica alfandegária levou a que a tónica da questão se tenha passado a situar ao nível do “prazo para atribuição de um destino aduaneiro” em detrimento do “prazo de armazenagem”.

  25. E estando em causa a violação de tal prazo (de 45 dias), a consequência seria aquela que vem prevista no art. 53.º, n.º 1, do CAC, onde se refere que, nesse tipo de cenário, “as autoridades aduaneiras tomarão imediatamente todas as medidas necessárias, incluindo a venda das mercadorias, para regularizar a situação tributária das mercadorias em relação às quais o cumprimento das formalidades destinadas à atribuição de um destino aduaneiro não tenha sido iniciado nos prazos fixados nos termos do art. 49.º”. (…).

  26. O Tribunal recorrido, ao não fazer uma interpretação atualista das normas que serviram de fundamento legal a esta liquidação, acabou por não tomar em devida nota a alteração profunda sofrida pelas atividades aduaneiras ao longo dos anos e tal circunstância levou a que tivesse ignorado a diferença entre “prazo de armazenagem” e “prazo para atribuição de destino aduaneiro” mas, sobretudo, as respetivas consequências dessa delimitação.

  27. Tratando-se, em bom rigor, da violação de um prazo de atribuição de um destino aduaneiro, seria expectável que as autoridades aduaneiras, aliás, em estrita observância pelo disposto no art. 53.º do CAC, tivessem tomado as diligências necessárias à regularização da situação tributária das mercadorias (aqui se incluindo, como se viu, a venda das mesmas).

  28. Ora, como atrás foi referido, nada disto sucedeu e as autoridades aduaneiras liquidaram as Fazendas Demoradas sem a prévia observância dos trâmites procedimentais tendo em vista tal desiderato, o que constitui, salvo melhor entendimento, um intolerável atropelo do princípio da Boa-Fé.

  29. Nestes termos, a liquidação de Fazendas Demoradas aqui posta em crise tem por fundamento legal normas cuja interpretação deve ser efetuada com referência ao atual enquadramento jurídico-aduaneiro desta matéria e, ainda, deve ser pautada por critérios de natureza teleológica e inserção sistemática.

  30. A Delegação Aduaneira de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT