Acórdão nº 0768/20.8BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 24-07-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou totalmente procedente a reclamação do acto do órgão de execução fiscal apresentada por A…………, com os sinais dos autos, relativa ao pedido de remição do veículo automóvel ligeiro de passageiros BMW, de matrícula ........., pertencente à executada, sua filha.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões: 1- A questão controvertida prende-se com a (in)tempestividade do direito de remição exercido pela aqui Recorrida, na qualidade de mãe da executada, no âmbito da venda realizada por meio de leilão eletrónico no processo de execução fiscal nº 0094201801188011.

2- O direito de Remição nas vendas em execução fiscal é admitido pelo art. 258º do CPPT, que o reconhece nos termos previstos no Código de Processo Civil.

3- Tendo em conta os titulares do direito de remição, tal como vêm definidos no art. 842º do CPC, está-se perante um que direito visa a proteção do património familiar do executado.

4- Essa proteção está, todavia, limitada no tempo, por força do disposto no art. 843º do CPC, o qual determina, na al. do nº 1, que o direito de remição pode ser exercido: a) até à emissão do título de transmissão, ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º, nas vendas por proposta em carta fechada; b) até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nas outras modalidades de venda; 5- A possibilidade de aplicação do prazo de cinco dias previsto no nº 3 do art. 845º do CPC pressupõe que o proponente escolhido não tenha efetuado o depósito do preço, o que não se verificou, no caso.

6- Nas vendas em execução fiscal, a transmissão da propriedade dá-se com a aceitação da proposta do comprador, consubstanciada na comunicação de que o órgão da execução fiscal decide vender-lhe o bem penhorado, o que se vem a traduzir na entrega do título de transmissão.

7- Pelo que, entendendo-se, como a douta decisão recorrida, que ao leilão eletrónico em execução fiscal é aplicável o termo do prazo previsto na al. b) do nº 1 do art. 843º do CPC, deve entender-se que o mesmo ocorre com a entrega do título de transmissão ao proponente escolhido.

8- Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais, o bem é entregue ao proponente escolhido, bem como é emitido a seu favor o respetivo título de transmissão, nos termos previstos no art. 827º do CPC.

9- Conforme decorre dos factos dados por provados, no momento em que foi apresentado o requerimento para exercício do direito de remição pelo aqui Recorrida, já se encontrava pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais, bem como emitido e entregue ao proponente o respetivo título de transmissão.

10- Pelo que o direito de remição em apreço foi intempestivamente exercido.

11- A Administração Tributária não dispunha de fundamento legal para atrasar a emissão e entrega do título de transmissão, uma vez verificados os requisitos previstos no art. 827º do CPC.

12- De igual modo, não compete à Administração Tributária definir o prazo para o exercício do direito de remição. A lei expressamente contempla o momento em que tal prazo se deve dar por terminado, fazendo precludir a possibilidade do exercício do mesmo.

13- Contrariamente aos titulares do direito de preferência que são notificados do dia e hora da venda, nos termos previstos no nº 7 do art. 249º do CPPT, entendeu o legislador que a proteção dos titulares do direito de remição, por se tratar de familiares próximos do executado, se basta com a notificação da venda ao executado, a quem compete dar conhecimento da mesma aos potenciais remidores.

14- Da factualidade dada como assente consta que: Em 04/09/2020, pelos serviços da Administração Tributária foi emitido o ofício n.º 2902, dirigido à executada, e que lhe foi remetido por via postal registada com AR, que esta rececionou, comunicando-lhe uma nova data – o dia 21/09/2020, pelas 10h30 – para a venda do bem penhorado, donde a executada foi notificada do dia e hora da venda, cabendo-lhe dar conhecimento da mesma aos possíveis remidores.

15- A lei não contempla outra notificação aos eventuais remidores. E ainda que o serviço de finanças notificasse a executada da aceitação da proposta, o que não se encontra legalmente contemplado, daí não resultaria um alargamento do prazo para o exercício do direito de remição, na medida em que o título de transmissão foi entregue de imediato ao proponente, fazendo ocorrer o termo do prazo para o exercício daquele direito.

16- O nº 1 do art. 823º do CPC não contempla a notificação dos titulares do direito de preferência da proposta aceite, mas apenas a interpelação daqueles que se encontram presentes na venda.

17- Ainda que o serviço quisesse dar cumprimento a este normativo relativamente à remidora, a mesma não se encontrava presente no momento do encerramento do leilão.

* * * Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, requer a Vs.ª Exs.ª, seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a presente reclamação improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da revogação da sentença, julgando-se a reclamação improcedente e mantendo-se o ato de indeferimento do pedido de remição na ordem jurídica, com a seguinte fundamentação: “I. Objecto do recurso.

  1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Aveiro, que julgou procedente a reclamação intentada contra o ato de indeferimento do exercício do direito de remição na venda de veículo automóvel penhorado nos autos de execução fiscal.

    A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, invocando que a sentença incorreu em erro sobre os pressupostos de direito. Para o efeito alega que «o direito de remição em crise foi exercido após terem ocorrido ambas as condições previstas nas als. a) e b) do art. 843º do CPC, o que determina em nosso entender, a intempestividade do exercício daquele direito».

    Mais alega que «A Administração Tributária não dispunha de fundamento legal para atrasar a emissão e entrega do título de transmissão, e uma vez ocorrida esta entrega, fica vedada a possibilidade do exercício do direito de remição, seja pela al. a), seja pela al. b) do nº 1 do art. 843º do CPC, a menos que se verificassem as condições de aplicação do disposto no nº 3 do art. 825º do CPC, o que, pelas razões já expostas, não se verificou».

    Considera igualmente que «Uma vez reunidas as condições previstas no art. 827º do CPC, impunha-se a emissão e entrega do título ao adjudicatário, o que aconteceu de imediato ao encerramento do leilão, ficando, por isso, precludida a possibilidade de exercício do direito de remição, conforme decorre do disposto no art. 843º do CPC. De resto, o nº 1 do art. 823º do CPC não prevê a notificação dos titulares do direito de preferência da aceitação da proposta, mas tão só a interpelação daqueles que se encontram presentes na data da venda».

    Conclui, assim, que seja «revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a presente reclamação improcedente».

  2. Para se decidir pela procedência da reclamação considerou a Mma. Juíza “a quo” que se impunha no caso concreto «…a notificação da Executada da iminente emissão do título de transmissão e entrega do bem ao adquirente, para que esta pudesse dar conhecimento aos seus familiares – neste caso à mãe – do direito de remição pelo valor da proposta apresentada/aceite» (Penúltimo parágrafo de fls. 16 da sentença.). E que para o efeito a AT está obrigada a dar «a conhecer ao executado a aceitação de uma determinada proposta, e o respetivo valor, concedendo-lhe, ainda, e mais importante, um prazo iminentemente razoável para que algum familiar possa exercer o direito de remição, ainda antes da emanação do título de transmissão» (Primeiro parágrafo de fls. 17 da sentença.).

    Mais considerou o tribunal “a quo” que «no caso dos autos, além de não resultar dos mesmos que a aceitação da proposta tenha sido comunicada à Executada, a verdade é que ainda assim, o prazo concedido àquela para que algum familiar exercesse o direito de remição não se afigura razoável».

    Conclui, assim, o TAF de Aveiro, que não pode a aplicação da norma que concede esse direito (de remição) obstaculizar a sua efetiva concretização. E no caso concreto, tendo a proposta do adquirente sido aceite pelas 10H30 e a assinatura do título de transmissão algumas horas depois, o órgão de execução fiscal obstou a que pelas 15H22 fosse exercido o direito de remição.

    1. ANÁLISE DA QUESTÃO.

    A questão que se coloca consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de direito ao ter considerado que o órgão de execução fiscal obstaculizou o exercício do direito de remição por parte da Reclamante e aqui Recorrida ao emitir e entregar ao adquirente o título de adjudicação do bem vendido em leilão...

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