Acórdão nº 1975/21.1T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCONCEI
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 1975/21.1T8STB.E1 (2ª Secção Cível) ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA (…) Futebol Clube - SAD, instaurou processo especial com vista à sua revitalização, ao abrigo do disposto nos artigos 17.º-A e seguintes do CIRE.

Tramitados os autos, veio a ser proferida sentença pela qual se homologou o plano de recuperação votado nos autos.

+ Inconformada com a sentença, veio a credora (…) – Gestão Imobiliária, SA, interpor recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões: “I - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 18-08-2021, que decidiu homologar o plano de recuperação apresentado pela Devedora. E é o presente recurso interposto pois que tanto o histórico da Devedora e dos seus sucessivos PER´s, como o próprio conteúdo do plano de recuperação ora homologado, deveriam, face ao regime jurídico aplicável, ter determinado decisão diferente, como se demonstrará infra à saciedade na medida em que o presente PER mais não constitui do que um expediente (apenas mais um) utilizado pela Devedora para manter o incumprimento generalizado das suas obrigações, com a utilização sucessiva e abusiva de um instrumento legal, como o próprio conteúdo do plano apresentado não respeita as normas imperativas aplicáveis.

II - Iniciando análise pela sequência de processos especiais de revitalização a que a Devedora se apresentou (o que implica recuarmos vários anos no tempo, sublinhe-se desde já), importa começar por sublinhar que o presente PER constitui o quarto PER a que a Devedora se apresentou desde 2013, o que implica, desde logo, que parte dos credores da Devedora com créditos vencidos antes de 2014 não aufiram qualquer pagamento desde tal data, já que, de PER em PER, de carência em carência, vai-se a Devedora escapando às suas obrigações, facto que demonstra, de forma cabal, a impossibilidade objectiva da recuperação da Devedora III - Entendeu o tribunal a quo, quanto a tal factualidade (alegada pela ora Recorrente mas também por outros credores, em sede de pedido de não homologação do plano de recuperação apresentado), pela admissibilidade individual do presente PER, ainda que mencionando ter tido conhecimento do último PER antes do presente, referindo, por um lado, que a admissibilidade do PER face às alterações ocorridas desde a homologação do último PER, e, por outro, que tal decisão já foi apreciada aquando da nomeação no administrador judicial provisório.

IV - Não se questiona a admissibilidade individual do presente PER. O que se questiona, o que não pode deixar de se questionar, é a utilização totalmente abusiva do processo feita pela Devedora que, como mencionado, não liquida qualquer valor aos seus credores desde 2014, e sempre ao abrigo de sucessivos processos especiais de revitalização, continuando a Devedora, nesse espaço de tempo, a contrair créditos, que novamente não liquida, assim avolumando passivo.

V - Não é jurídica nem moralmente aceitável admitir que a Devedora recorra pura e simplesmente a um novo PER, logrando obter um novo período de carência, obstando a que os seus credores avancem judicialmente no sentido da efetiva cobrança dos seus créditos, permitindo-se que continue a exercer a sua atividade, contraindo créditos, contratando jugadores, sabendo antecipadamente não ter condições para cumprir as suas obrigações – conhecimento e incapacidade que resultam, de resto, claras, do plano de recuperação apresentado, como veremos melhor infra.

VI - É que se o PER está previsto na lei, está também prevista a figura do abuso de direito, ao abrigo da qual deverá ser revogada a decisão de homologação do plano de recuperação apresentado, poiso recurso ao PER há-de ser analisado à luz do crivo da boa -fé e do critério do fim económico e social do direito invocado, a fim de evitar situações abusivas como a presente, que, para além de violadoras dos legítimos interesses dos credores, apenas descredibilizam socialmente o instrumento em causa, lançando um estigma pesado para as empresas que legitimamente pretendem recorrer ao mesmo.

Sem prescindir.

VI - De acordo com a proposta apresentada, os créditos laborais (créditos privilegiados) serão liquidados em 138 prestações mensais, iguais e sucessivas.

VII - Já relativamente aos créditos comuns, encontra-se previsto um período de carência de 36 meses, findo o qual 50% do valor do crédito será liquidado em 120 prestações mensais e o remanescente a final – e aqui importa ressalvar ter o tribunal a quo laborado num erro, já que consta da sentença a referência a um perdão de 50% do capital devido aos credores comuns, perdão esse que não está previsto no plano.

VIII - Encontrando-se prevista uma condição que, a verificar-se, determinará alteração da forma (no que ao tempo diz respeito) de pagamento dos créditos comuns.

IX - Assim, se a Devedora subir à 1.ª Liga do Futebol Profissional no mencionado período temporal de 36 meses, o pagamento dos créditos comuns iniciar-se-á no último dia do mês seguinte àquele em que se efetivar tal subida.

X - Sucede que tal condição apenas se encontra prevista para os créditos comuns e não já para os privilegiados, pelo que é possível que, a ser procedente a intenção da Devedora de ver revogada a decisão que a afastou do campeonato nacional da primeira divisão (Liga Nos) os créditos comuns sejam integralmente liquidados antes dos créditos laborais (privilegiados).

XI - Cenário que é manifestamente violador do princípio da igualdade, previsto no artigo 194.º do CIRE (princípio basilar do CIRE) pois que “a razão objetiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que esta está assumida no artigo 47.º do CIRE.” XII - O pagamento dos créditos comuns antes dos créditos privilegiados é manifestamente violador do princípio da igualdade, não tendo, de resto, sido apresentada qualquer razão objetiva para tal tratamento diferenciado.

XIII - E, com o devido respeito, não podem ser confirmadas as justificações apresentadas pelo tribunal a quo para considerar improcedente a alegada violação do princípio da igualdade.

XIV – Quanto a tais razões, pode ler-se, desde logo, na sentença recorrida, não estar previsto qualquer período de carência para os créditos laborais. Esquece-se é o tribunal a quo, com o devido respeito, que, a verificar-se a condição supra mencionada, deixará de existir qualquer período de carência para os créditos comuns, podendo estes, de resto, vir a ser liquidados antes dos créditos privilegiados - liquidação que, como bem se percebe, viola de forma frontal e grave o princípio da igualdade.

XV- Pode ainda ler-se na sentença que “o início dos pagamentos antes de terminado o período de carência está condicionado por uma decisão futura e incerta que não depende da devedora”. Mais uma vez não consegue a Recorrente aferir de que forma tal facto implica a conformidade do plano ao princípio da igualdade. A decisão é futura e incerta, é verdade. Mas, para além de expectável (a acreditar no conteúdo do plano de recuperação), a verdade é que se a mesma se verificar – e pode verificar-se – os créditos comuns poderão estar integralmente liquidados antes dos créditos privilegiados, com a consequente violação do princípio da igualdade.

XVI - Por último, labora o tribunal a quo num erro ao referir a existência de um perdão de 50% do capital em dívida relativamente aos credores comuns, perdão que não está previsto no plano de recuperação apresentado.

XVII - Relativamente ao princípio da igualdade, importa ainda ter presente que, ainda que se admitisse a possibilidade de tratamento mais benéfico aos credores comuns quando comparados com os credores laborais, sempre teria tal tratamento não só que ser justificado por razões objetivas, mas teriam ainda tais razões que constar do plano de recuperação – o que não se verificou in casu.

Mas, no que à violação não negligenciável de normas relativas ao conteúdo diz respeito, não ficamos por aqui.

XVIII – De facto, estatui ainda o artigo 195.º do CIRE que o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência, devendo ainda indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, contendo todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente, a descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor e o impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano.

XIX - Ainda que duma leitura mais superficial do plano possa parecer que tais exigências foram devidamente cumpridas, pois que os diferentes pontos constam do plano e foram percorridos pela Devedora, a verdade é que, lidos os diferentes pontos do plano, facilmente se constata que a Devedora se limitou a tentar lançar areia para os olhos dos credores, e do tribunal, enunciando, de forma genérica, as medidas que qualquer bom gestor sabe serem...

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