Acórdão nº 942/20.7T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 942/20.7T8FAR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Competência Cível de Faro – J2 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Na presente acção de condenação proposta por (…) contra (…), a Ré veio interpor recurso da sentença proferida.

* O Autor pediu que a Ré fosse condenada a pagar-lhe: a) o montante global de € 63.000,00, a título de compensação por danos patrimoniais e não patrimoniais; custas judiciais e ainda nos juros de mora vincendos que se vierem a liquidar até integral e efectivo pagamento ou b) Caso assim não se entendesse e, em alternativa, o montante global de € 63.000,00, a título de enriquecimento sem causa e indemnização por danos não patrimoniais; custas judiciais e ainda nos juros de mora vincendos que se vierem a liquidar até integral e efectivo pagamento.

* Para tanto, o Autor alegou que foi casado com a Ré e que esta o convenceu de que criança nascida na pendência do casamento era filho de ambos. Após o divórcio, o Autor procedeu ao pagamento da pensão de alimentos ao menor e suportou várias despesas. Posteriormente, na sequência da realização de um teste de paternidade, o Autor teve conhecimento que não era o progenitor da criança, tendo sofrido com isso.

* Devidamente citada, a Ré deduziu contestação em que invocou a ineptidão da petição inicial e negou que soubesse que a criança não era filha do Autor, impugnando os danos peticionados.

* Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial, fixando o objecto do litígio e os temas da prova.

* Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo decidiu condenar a Ré (…) a pagar ao Autor (…) a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-a do demais peticionado.

* A recorrente não se conformou com a referida decisão e as suas alegações continham as seguintes conclusões: 1 ⎯ Na sua Contestação alegou a ora recorrente que a alegação fáctica feita na Petição Inicial do Recorrido é bastante confusa e totalmente imprecisa em matéria de localização temporal, e mesmo contraditória em si própria. Expressões e termos como “Durante os anos que se seguiram…” (artigo 10), “Depois…” (artigo 12), “…durante esse período…” (artigo 18), “Desde o nascimento do seu hipotético filho…” (artigo 36), são vagos, genéricos e impreciso, não são perceptíveis e não permitem a respectiva contradita. Dos mesmos vícios padecem também as alegações sem qualquer concretização de tempo (vide artigos 8, 12, 13, 14, 15, 19, 21, 27, 28, 46 parte final, 47).

2 ⎯ Porque o Tribunal não conhece de puras abstracções, mas de factos reais, específicos e concretos – e os factos devem ser concretizados em termos de tempo, lugar e modo – a Recorrente defendeu a ineptidão da PI e invocou que a inexistência de factos devidamente caracterizados em circunstâncias de tempo, lugar e modo, impede o exercício do contraditório em toda a sua verdadeira acepção.

3 ⎯ Entendendo que, embora de forma genérica e com algumas suposições à mistura, na PI estão alegados os factos essenciais necessários à procedência da ação, bem como que a R. entendeu o seu conteúdo, o Tribunal a quo não a julgou inepta nem convidou o A. ao seu aperfeiçoamento.

4 ⎯ Com essa errada decisão foi desrespeitado o direito de defesa da Recorrente, com consequências directas para a decisão consubstanciada na sentença recorrida.

5 ⎯ É que o Tribunal acabou por “embarcar” nessa indefinição temporal dos factos e, com base em elemento temporal falso, prosseguiu num raciocínio contra a R. que, por assentar numa base falsa, também alcança conclusão falsa – e foi com esses raciocínios viciados que se foi construindo a sentença de que se recorre.

6 ⎯ Assim, a douta decisão proferida na Audiência Prévia fez errada aplicação do disposto nos artigos 186.º, n.º 2, alínea a), 552.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, com violação do direito de defesa da Ré.

7 ⎯ Suscita-se a questão da inconstitucionalidade dos artigos 186.º, n.º 2, alínea a), 552.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, quando interpretados no sentido de que a falta de alegação na Petição Inicial dos factos, de forma concretizada em termos de tempo, lugar e modo, permite a impugnação especificada na Contestação e/ou não ofende o direito de defesa.

8 ⎯ A Recorrente alegou também na Contestação que muita da alegação da PI não tem natureza de factos, são meras afirmações genéricas, abstractas e conclusivas, conjecturas e mesmo estados de alma, e por isso foi impossível à A. exercer a contradita a não ser também em invocação geral.

9 ⎯ A douta sentença recorrida vem dar razão à R. também nessa parte, uma vez que muita da matéria tida como provada assume também natureza genérica e conclusiva, em alguns casos mesmo proclamatória, em vez de factos concretos e concretizados.

10 ⎯ Com isso violou a douta sentença recorrida os números 3 e 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.

11 – A douta sentença recorrida condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 50.000,00 por danos não patrimoniais que alegadamente lhe causou e, a fundamentar tal condenação e os pretensos danos, considera provado o seguinte: 12. Tudo isto provocou ao Autor sofrimento, ansiedade e desgaste emocional (artigo 16º da petição inicial).

14. O sofrimento do Autor ia-se intensificando, com a incompreensão e com as dúvidas emergentes, com receio que o seu pior pesadelo se concretizasse, não sendo afinal o pai do Sandro Rodrigues (artigo 19º da petição inicial).

17. A “aparência” deste hipotético sentimento de repulsa fez o Autor sofrer profundamente, principalmente, porque a Ré nunca lhe disse abertamente que este não era o pai do menor (artigo 22º da petição inicial).

20. A partir dessa data (29 de março de 2017) o Autor enfrentou uma enorme vergonha, uma vez, que na (sic) e no seu meio social se soube que o (…) não era seu filho, que o Autor havia sido traído sem (sic) o (…) fruto de uma relação extraconjugal (artigo 27º da petição inicial).

21. O Autor sentiu que perdeu um filho, um filho que amava, porque a relação destes nunca mais voltou a ser a mesma, as bases da confiança, os alicerces do amor e da filiação foram irremediavelmente atacados, sentindo os dois um enorme embaraço quando se encontram na rua (artigo 28º da petição inicial).

22. O Autor diariamente “pensa no seu filho”, naquele que já não é seu, sofrendo em todos os natais, no dia do pai e aniversários (artigos 29º e 33º da petição inicial).

23. O Autor perdeu um filho e viu a sua família irremediavelmente dilacerada, ao fim de três anos encontra-se deprimido, tem dificuldades em dormir e não está feliz, questionando-se se fez bem em pedir o teste de paternidade (artigo 34º da petição inicial).

24. O Autor, entre 2002 e 2017, despendeu mensalmente com o seu filho o valor de pelo menos € 100,00 – cinquenta euros referentes ao pagamento da pensão de alimentos e os restantes cinquenta referentes a alimentos quando se deslocava a sua casa, roupa, brinquedos, jogos, tempos livres, ATL, cinemas, saídas (artigo 39º da petição inicial).

12 ⎯ Nos seus depoimentos, conforme e nos termos minuciosamente indicados e localizados no sistema de gravação na parte expositiva deste Recurso, nenhuma das testemunhas se refere a, ou menciona, ansiedade, desgaste emocional, enorme embaraço, família irremediavelmente dilacerada, deprimido, dificuldades em dormir, não está feliz, enorme vergonha, valor de pelo menos € 100,00 despendido mensalmente pelo Autor entre 2002 e 2017 com o seu filho.

13 ⎯ Quanto à alegada enorme vergonha enfrentada pelo Autor a partir de 29 de março de 2017 é o próprio Autor que a desmente ao responder “…há sempre aquelas pessoas mais próximas que acabam por saber…”, minuto 35,00 do seu depoimento. Também a testemunha (…), quando perguntado, disse, no seu curto depoimento, “… nunca presenciei nada que tenham dito sobre o caso. A gente não falou sobre o assunto, não notei que ele ficasse mais triste…”.

14 ⎯ Sobre os gastos do Autor com o (…), não há qualquer afirmação concreta de valores, bem como de elementos concretos que permitam fazer qualquer raciocínio dedutivo nesse sentido.

15 ⎯ A referência a sofrimento (vide números 12, 14, 17) é inadequada na matéria dada por provada. O sofrimento é um sentimento a que se chega e que se sente em consequência de factos, é um estado conclusivo, não é um facto em si próprio. Deve ser desde logo por isso tido por não escrito – no caso dos autos ainda por maioria de razão, uma vez os factos em que alegadamente se baseia não estão suportados nos meios de prova.

16 ⎯ No seu depoimento (vide minuto 33,20) o Autor, em resposta a pergunta diz “provoca-me uma grande raiva, uma grande revolta”. Porém, continuando o seu depoimento, alicerça essas grande raiva e grande revolta “porque a senhora acabou por ficar bem na vida à custa de um otário, que lhe deu uma casa, um carro, para ela continuar e eu tive que continuar a minha vida do zero aos 30 anos. Ela hoje em dia tem uma casa grande que já vendeu à custa do (…) e eu não tenho nada… ela aproveitou uma deixa de um miúdo que não era meu filho para fazer chantagem”.

17 ⎯ Ou seja, o Autor diz ter tais sentimentos não por causa das questões em análise neste Processo, mas pelo que se passou aquando do divórcio, aparentemente num processo para ele mal gerido e pelo qual se considera prejudicado (realça-se que as afirmações dos minutos 29,40 – 31,40 – vão no mesmo sentido).

18 ⎯ É, assim, errado dar por provados e tirar as conclusões que a douta sentença alcança quando, nas palavras do próprio Autor, a raiva e a revolta que afirma se devem a factos e situações bem diferentes das que aqui estão em causa, muitos anos atrás (aquando do divórcio).

19 ⎯ Quando ao minuto 37,00 do seu depoimento o A. diz “…não é fácil… principalmente quando chega o Natal …é muito doloroso, eu chorei muitas vezes...

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