Acórdão nº 827/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 827/2021

Processo n.º 214/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e é recorrido o Ministério Público, os primeiros vieram interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 22 de fevereiro de 2021, que, indeferindo reclamação da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães no dia 22 de fevereiro de 2021, decidiu não admitir o recurso interposto pelos arguidos da decisão proferida pelo mesmo Tribunal da Relação no dia 25 de janeiro de 2021, que rejeitou o pedido de recusa de juiz apresentado pelos arguidos.

2. Com o recurso de constitucionalidade interposto, os recorrentes pretendem que seja fiscalizada a constitucionalidade do «n.º 6 do artigo 45.º do Código de Processo Penal quando interpretado e aplicado no sentido de não ser recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça a decisão de Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que decidiu não dar procedência/provimento ao pedido de recusa apresentado por um arguido».

3. Os recorrentes apresentaram as suas alegações, que concluíram nos seguintes termos:

«(...)

1- Vem o presente recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelos recorrentes A. e B., na sequência da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça que manteve a decisão Tribunal da Relação de Guimarães, onde foi decidido não admitir um recurso interposto por um arguido em relação a um Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães que não deu provimento/indeferiu um pedido de incidente de recusa contra um Sr. Juiz (Dr. C.) que até já tinha sido afastado de outros autos processuais a pedido destes mesmos arguidos, onde se apreciava a (falta) imparcialidade e falta de isenção do mesmo Sr. Juiz do direito por parte do arguido a ter um julgamento justo, imparcial e equitativo, onde não haja interferências sejam de que natureza forem, nem pré-condenações ou pré-convicções formadas no decurso dos anos.

2- No percurso processual até se chegar ao Tribunal Constitucional, os recorrentes suscitaram a inconstitucionalidade da norma, apresentando os seus argumentos, tendo sido definido o objeto do processo nos seguintes moldes: a interpretação normativa do art.º 45.º n.º 6 do Código Processo Penal, segundo a qual não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que decidiu não dar procedência/provimento ao pedido de recusa apresentado por um arguido.

3- Por razões de economia processual, e porque consta do processado até esta fase, damos por integralmente reproduzidos os fundamentos apresentados no recurso dirigido ao S.T.J. (não admitido pela Relação), bem como os fundamentos apresentados na Reclamação dirigida ao S.T.J. e também os fundamentos invocados no requerimento de interposição de recurso ao Tribunal Constitucional no que diz respeito à inconstitucionalidade normativa, referindo que o Sr. Juiz visado no incidente de recusa, Dr. C., já foi afastado nos autos processuais 9560/14 da Comarca de Bragança, nos autos 1420/11 o mesmo pediu escusa paralelamente ao incidente de recusa e ainda assim o Tribunal da Relação entendeu que, mesmo aquele juiz estando afastado num processo, pode continuar a intervir no outro processo com os mesmos arguidos.

4- Ademais, sempre diremos que, torna-se incompreensível esta limitação do direito a exercer um recurso contra um acórdão que indefere (não dá provimento a) um incidente de recusa apresentado por um arguido, quando decorre do próprio art.º 42.º n.ºs 1 e 3 do Código Processo Penal, Capítulo VI «Dos impedimentos, recusas e escusas» que se um Juiz se considerar impedido essa decisão é irrecorrível. [se reconhecer o seu próprio impedimento]

5- Mas se o Sr. Juiz não se considerar impedido, essa decisão é passível de recurso, tendo inclusivamente efeito suspensivo (art.º 42.º n.º 1 e 3 do Código Processo Penal).

6- Ora, que diferença faz, em termos constitucionais, nomeadamente da celeridade processual tantas vezes apregoada e embandeirada, que a decisão de indeferimento de incidente de recusa apresentados pelos arguidos seja passível de recurso? A verdade é que, a partir do momento em que se pode apresentar um recurso quando um Juiz não se declare impedido, e esse impedimento até pode ser suscitado pelo Ministério Público, pelo Assistente e até pelas partes civis, por maioria de razão não há qual quer motivo para se limitar, comprimir e amputar um (direito de) recurso a uma decisão de recusa quando os arguidos entendem que dela devem recorrer para assegurar um julgamento justo, isento e equitativo.

7- Aliás, se o próprio Código Processo Penal admite recurso com efeito suspensivo (art.º 42.º n.º 3 do C.P.P.) a interpor contra uma decisão onde um Juiz não assuma um dos impedimentos previstos no art.º 40.º do C.P.P., que também faz parte do mesmo Capítulo VI das “recusas”, é porque se reconhece, explicitamente, que o próprio Juiz, ao não admitir nem assumir o seu impedimento, pode estar a fazê-lo para não beliscar a sua imagem ou honra profissional, quando na verdade devia estar afastado dos autos. Ou seja, reconheceu o Legislador que o Juiz pode, por várias razões, não assumir os factos para ser afastado (se um Juiz não admite factos par a ser afastado, o Juiz Desembargador pode também deturpar os factos para não dar provimento ao incidente).

8- Ora, se é possível recorrer no caso acima, também não é constitucionalmente admissível impedir o principal interessado – o arguido – de recorrer quando este sujeito processual, durante o decurso do processo/julgamento tome conhecimento de situações e/ou comportamentos pessoais ou processuais por parte de um ou mais Magistrados que o levem a suscitar junto do Tribunal da Relação (art.º 45.º n.º 1 al. a)) um incidente de recusa dos referidos magistrados judiciais, usando o mecanismo referido no disposto no art.º 43.º n.º 1 e seguintes do C.P.P., que refere que “a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

9- Mais, o art.º 43.º n.º 2 do C.P.P. prescreve o seguinte: “pode constituir fundamento de recusa, nos t ermos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º

10- Que sentido faz poder recorrer-se da decisão do Juiz no caso previsto no art.º 42.º (que remete para os art.ºs 40.º e 39.º) e já não se poder recorrer da decisão que indefere um pedido de recusa apresentado pelo arguido? Parece-nos óbvio que se pode recorrer.

11- O resultado final que se visa alcançar, seja por via do requerimento onde se suscite o impedimento ou do requerimento do incidente de recusa é o mesmo: o arguido ser julgado por um Tribunal Imparcial, livre de arbitrariedades no exercício de tais funções, de modo a obter-se um processo justo e equitativo - «justice must not only be done; it must also be seen to be done».

12- Quando está posta em causa, de forma séria e grave, a confiança sobre um Sr. Juiz de um processo-crime, é da maior e mais elementar precaução e cautela obter-se uma decisão dos Tribunais Superiores que seja firme e indubitável para que ninguém fique com dúvidas sobre se tal juiz ou juízes estão ou não a ser parciais, se estão ou estiveram a julgar com convicções pessoais, pré-juízos e pré-convicções.

13- Uma Justiça que seja parcial não é Justiça digna, provocando erros judiciários, e se é o próprio Legislador reconhece (como reconhece) a possibilidade de um Juiz não reconhecer o seu próprio impedimento, seja de forma oficiosa ou a requerimento de uma das partes (art.ºs 41.º e 42.º n.ºs 1 e 3 do C.P.P.), também há que reconhecer, na mesma ótica interpretativa, que um Magistrado pode não relatar a verdade toda quando um arguido requer o afastamento do Juiz por via do incidente de recusa, e que tente demonstrar que nenhum motivo existe (ainda que haja um ou mais motivos), fazendo com que o Tribunal da Relação, na primeira e única decisão que tome sobre a matéria, decida sempre a favor do Juiz.

14- Por vezes, o “corporativismo” e a demasiada proximidade pode provocar ou dar azo a decisões erradas, em prejuízo dos cidadãos.

15- Nesta esteira, quando o Tribunal da Relação é confrontado com o pedido de recusa apresentado por um arguido e deparando-se com a resposta do Juiz alvo do incidente de recusa, e opta, por exemplo, por aceitar justificações do Sr. Juiz visado em detrimento do invocado pelo arguido, que garantias reais e efetivas é que o arguido tem para, considerando o arguido que essa tal decisão do Tribunal da Relação está errada e violou a lei, que se possa proteger/defender da tamanha e flagrante injustiça de que está a ser alvo, mormente por não estar a ter o direito a um julgamento justo, imparcial e equitativo, por se ter mantido um julgador (juiz) que poderá continuar a prejudicar gravemente o arguido?

16- Não se poder recorrer da decisão do Tribunal da Relação que indefere/não dá provimento um incidente de recusa apresentado por um arguido é deixar o mesmo arguido completamente desamparado e desprotegido, à mercê de um julgamento que não respeita todas as garantias de defesa constitucionalmente consagradas, mais a mais neste caso em concreto em que o Sr. Juiz Visado no incidente já foi afastado de outros autos processuais a pedido destes mesmos arguidos.

17- Além disso, temos que dizer com frontalidade, quantas não são as vezes que, os Srs. Juízes Desembargadores já foram colegas dos Srs...

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