Acórdão nº 827/21.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 20 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução20 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

* Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO M... instaurou providência cautelar contra o Centro de Estudos Judiciários, prévia à instauração de ação administrativa de contencioso de massa, visando o despacho do Diretor do Centro de Estudos Judiciários, datado de 03/05/2021, que determinou a sua exclusão do concurso para ingresso no 37.º curso normal de formação de magistrados para os tribunais judiciais e a remessa de certidão ao Ministério Público, pedindo: a) se decrete a suspensão da eficácia deste ato; b) se decrete a admissão provisória do requerente a participar nesse concurso; c) se decrete provisoriamente a providência cautelar aludida em a); d) a notificação da decisão a proferir com urgência às partes; e) sendo caso disso, se declare oportunamente a ineficácia de eventuais atos de execução indevida.

Por despacho datado de 20/05/2021, o TAC de Lisboa decretou provisoriamente a suspensão de eficácia do ponto 1. do ato visado, de não admissão da candidatura apresentada pelo requerente.

Por sentença de 23/06/2021, o TAC de Lisboa julgou o procedimento cautelar totalmente improcedente.

Inconformado, o requerente interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “I) A decisão posta em crise através do presente recurso é a douta sentença proferida no dia 23 de junho de 2021, através da qual foi decidido julgar totalmente improcedente o presente processo cautelar.

II) Considerou o Tribunal a quo não se verificar o requisito do periculum in mora e por isso indeferiu tudo quanto havia sido peticionado pelo ora Recorrente.

III) Fê-lo, porém, desrespeitando diversos princípios e normas constitucionais e legais, nomeadamente o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 5, e 268.º, n.º 4, da CRP, e o dever de não aplicar normas que infrinjam o disposto na CRP e as normas nela consagradas, tal como impõe o artigo 204.º da nossa Lei Fundamental.

IV) É aliás absolutamente espantoso que o Tribunal a quo tenha aplicado o artigo 106.º, n.º 2, do EMJ sem ter o mínimo cuidado de aferir a respetiva conformidade com a CRP, quando era e é precisamente esta a grande questão que se coloca nestes autos apensos e também nos autos principais.

  1. Tivesse o Tribunal a quo tido o cuidado elementar de analisar tal questão e teria concluído que tal preceito é manifestamente incompatível com diversos preceitos da CRP, designadamente com os constantes dos artigos 1.º (artigo que impõe o respeito pelo princípio da dignidade humana), 2.º (artigo que consagra o princípio do Estado de direito democrático), 18.º, n.ºs 1 e 2 (princípios da necessidade e da proporcionalidade), 30.º, n.ºs 1 e 4, da CRP (proibição de penas com caráter perpétuo e proibição de uma pena envolver como efeito necessário a perda de direitos civis e profissionais), 47.º (liberdade de escolha de profissão e de acesso à função pública), 50.º, n.ºs 1 e 2 (direito de acesso a cargos públicos e proibição de se ser prejudicado pelo desempenho de cargos públicos) e 58.º (direito ao trabalho).

    VI) Era a conformidade do artigo 106.º, n.º 2, do EMJ com a CRP a grande questão que cabia ao Tribunal a quo apreciar e eis que a mesma não foi apreciada, tendo-se dado logo como válido um artigo que o não é (cfr. a p. 26/30 da douta decisão ora posta em crise e o artigo 3.º, n.º 3, da CRP), logo, salvo melhor opinião, manifesto é que a douta sentença proferida é nula por força do estabelecido no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA, nulidade essa que ora se invoca para todos os efeitos e se requer que seja conhecida e declarada por esse Tribunal Central Administrativo, com todas as consequências legais.

    VII) Mas não é só essa parte que leva a que se imponha a conclusão de que a decisão proferida terá de ser considerada inválida e substituída por uma decisão de sentido completamente oposto.

    VIII) Desde logo, outra questão que ficou por apreciar foi (na hipótese meramente teórica de o artigo 106.º, n.º 2, do EMJ não ser considerado inconstitucional, como resulta da jurisprudência constitucional já invocada pelo Requerente que deverá suceder – cfr. v.g. o douto Acórdão n.º 282/86, publicado no DR, 1.ª Série, de 11 de novembro, no qual pode ler-se, além do mais, que “Se às penas criminais não pode acrescentar-se, a título de efeito de pena, a perda de direitos profissionais, por maioria de razão isso está vedado quando se trate de penas sem carácter criminal”) se são de facto as mesmas as particulares condições de dignidade e confiança as exigidas pela função judicial (no exercício da qual se é titular de um órgão de soberania) e as exigidas pela magistratura do Ministério Público (na qual não se é titular de qualquer órgão de soberania e não se pode, por exemplo, condenar pessoa alguma a cumprir uma pena privativa da liberdade).

    IX) Urge, pois, uma vez mais por força do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que a douta sentença ora posta em crise venha a ser considerada nula.

  2. Mas também os raciocínios subjacentes ao afastamento do periculum in mora são, salvo o devido respeito, completamente insuscetíveis de ser compreendidos e acompanhados.

    XI) Desde logo, salvo melhor opinião, olvida o Tribunal a quo que o Recorrente já está há mais de cinco anos à espera que a respetiva situação profissional seja definitivamente resolvida pelo Tribunal Constitucional e pelo STJ, o que permanece sem suceder (os já referidos autos n.º 448/21 do TC, resultantes do Processo n.º 10/16.6YFLSB do STJ, continuam conclusos desde o passado dia 14 de maio e nos autos 9/20 e 2/21 do STJ não existe ainda qualquer decisão final), não sendo portanto minimamente exigível que continue a aguardar por tais desfechos sem poder entretanto tentar ingressar noutra magistratura, na qual não esteja sob a alçada disciplinar de um órgão contra o qual litigou durante vários anos.

    XII) Ou seja, o Tribunal a quo não está a ter presente que ao Recorrente assiste o direito de, ainda que seja reintegrado na magistratura judicial, optar depois por outra magistratura, seja ela a dos juízes dos tribunais administrativos ou a do Ministério Público.

    XIII) Também de forma muito surpreendente não conclui o Tribunal a quo que existe um manifesto risco de o Recorrente vir a sofrer prejuízos de difícil reparação.

    XIV) De facto, na parte que ora interessa, na ação principal pretende o ora Recorrente que o Tribunal condene o Requerido a também em futuros procedimentos para ingresso em cursos de formação de magistrados se abstenha de excluir o Requerente com fundamento no artigo 106.º, n.º 2, do EMJ.

    XV) Só hoje, dia 15 de julho, foi publicado em DR o anúncio dirigido aos contrainteressados, os quais poderão ainda pedir para ser citados e dispor depois de prazo para apresentarem uma contestação, na qual poderão depois aduzir exceções às quais o Requerente poderá responder, e não podia a Meritíssima Juíza autora da sentença desconhecer o atraso da publicação, pois o anúncio não havia sido ainda assinado quando aquela foi prolatada, só o tendo sido cinco dias depois.

    XVI) E o próprio Requerido já divulgou há várias semanas (e por isso ainda antes do dia 23 de junho, data da douta decisão impugnada) no respetivo sítio, sítio este que é manifesto que o Tribunal a quo consultou, que previsivelmente “em finais de agosto de 2021 serão publicados os Avisos de Abertura dos Concursos para acesso ao 38.º Curso de Formação de magistrados para os tribunais judiciais e ao 9.º Curso de juízes para os TAF”.

    XVII) Ou seja, ainda antes de haver uma decisão definitiva na ação principal abrirão novos concursos e é manifesto que o Recorrente ficará prejudicado se entretanto não puder participar em tais concursos a fim de se tornar, por exemplo, magistrado do Ministério Público.

    XVIII) Aliás, nos presentes autos começou por ser decretada provisoriamente uma providência cautelar que possibilitou ao Recorrente prestar as provas previstas.

    XIX) E o Recorrente realizou depois de tal decretamento provisório quer a prova de avaliação curricular (cuja apreciação ainda não teve oportunidade de consultar e que admite vir a impugnar) quer as provas psicológicas.

    XX) Ou seja, quando ainda só tinha realizado a prova escrita o tribunal a quo reconheceu haver periculum in mora, mas depois de o Recorrente ter despendido mais tempo com o concurso e ter até realizado as provas seguintes deixou de ter tal entendimento e passou a entender não ser um prejuízo de difícil reparação o Recorrente perder entretanto a oportunidade de participar nos concursos como opositor e realizar todas as provas que sejam exigidas a todos os candidatos.

    XXI) É manifesto que nas magistraturas a antiguidade conta muito para efeito de progressão na carreira e que se ganha muita experiência em cada ano, logo é inegável o prejuízo de difícil reparação que o Requerente sofre se ficar entretanto excluído dos concursos, repetindo-se que os próximos irão ser declarados abertos já no final do próximo mês.

    XXII) E inegável é também o prejuízo sofrido pelo ora Recorrente se for entretanto objeto de uma participação criminal, a qual seria baseada num ato nulo, por ser ofensivo do conteúdo essencial do direito do Recorrente a presumir-se inocente, dado que não há ainda uma decisão transitada em julgado sobre se está ou não prescrito desde maio de 2018 o processo disciplinar no âmbito do qual lhe foi aplicada a sanção de demissão do cargo de juiz de direito.

    XXIII) Não há qualquer perigo de prescrição do procedimento criminal e por isso nem o Requerido nem o Tribunal ousaram afirmar tal coisa.

    XXIV) Se for enviada uma certidão ao Ministério Público é manifesto que este ordenará a instauração de um inquérito criminal e que o normal é que o Recorrente seja convocado para prestar declarações, seja constituído arguido e tenha de ficar sujeito às obrigações decorrente da medida de coação de termo de...

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