Acórdão nº 1036/18.0T9BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução25 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

(Secção Penal) I. RELATÓRIO No processo de instrução n.º 1036/18.0T9BCL, do Juízo de Instrução Criminal de Braga – J1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, em 13 de janeiro de 2021, foi proferida decisão instrutória: - de não pronúncia da arguida M. P. pela prática de um crime de ameaça, previsto e punível pelo artigo 153º do Código Penal; e das arguidas M. P. e N. R., pela prática, cada uma, de um crime de sequestro, previsto e punível pelo artigo 158º do Código Penal; - de pronúncia dos arguidos M. P., N. R., S. A., F. M. e J. B., pela prática, a S. A., o F. M. e o J. B., em coautoria, e em concurso real, de dois crimes de ofensas à integridade física simples e um crime de introdução em lugar vedado ao público, infrações previstas e puníveis pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 191.º, 30.º, 26.º e 14.º, n.º 1, todos do Código Penal; das arguidas M. P. e N. R., pela prática, em coautoria, de um crime de abuso de confiança qualificado nos termos do artigo 205º nºs 1 e 4 al. a) por referência ao artigo 202º al. a) do Código Penal; e da arguida M. P., pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 26.º e 14.º, n.º 1, todos do Código Penal.

É o seguinte o teor integral de tal decisão: «Declaro encerrada a instrução.

*I l - Relatório O Ministério Público arquivou parcialmente os autos quanto à queixa apresentada por: 1. S. A. contra M. P. e N. R., por os factos não serem suscetíveis de integrar os crimes de ameaça, de ofensa à integridade física, de abuso de confiança qualificado e de sequestro, previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea a), 143.º, n.º1, 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), 202.º, alínea a) e 158.º, n.º 1 todos do Código Penal.

Não se conforma S. A., que diz, no seu RAI a fls. 703 e ss.: - ter sido vítima de ameaça por parte de M. P., quando, ao apertar-lhe o pescoço lhe dizia ao mesmo tempo: vou-te matar sua cabra, se não for agora eu apanho-te, meteste-te com a pessoa errada. Cometeu o crime de ameaça.

- que as arguidas M. P. e N. R. retiveram indevidamente o equipamento da assistente, apropriando-se ilegitimamente dele, cometendo um crime de abuso de confiança.

- Que contra a sua vontade foi trancada dentro do estabelecimento pelas arguidas M. P. e N. R., mantendo-a intencionalmente presa, privada da liberdade e de locomoção, e foi vítima de sequestro, requerendo a pronúncia das arguidas em conformidade.

E o Ministério Público deduziu acusação contra S. A., F. M. e J. B. imputando-lhes em coautoria, com dolo direto e em concurso real, dois crimes de ofensas à integridade física simples e um crime de introdução em lugar vedado ao público, infrações previstas e puníveis pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 191.º, 30.º, 26.º e 14.º, n.º 1, todos do Código Penal.

Não se conformando com o despacho de acusação, foi requerida a abertura da instrução, alegando, em síntese, os arguidos: - S. A., a fls. 716, que se encontrava no local para recolher os seus pertences, instrumentos de trabalho que havia deixado no local de trabalho, e para alcançar tais bens, teve de aceder ao interior do gabinete, o que fez, pelo que não se introduziu em lugar alheio; e não há indícios, por ninguém o ter referido, de que tenha agredido N. R., pelo que não pode ser acusada pelo crime de ofensa à integridade física quanto a esta pessoa; e mesmo quanto a M. P., são parciais os testemunhos ouvidos.

- J. B., a fls. 756 e ss., que não cometeu qualquer crime de que vem acusado porquanto apenas ajudou S. A. a recuperar os seus bens do local de trabalho, para o que necessitava de entrar no gabinete; porém o arguido esperou no exterior, em momento algum tendo entrado em qualquer zona privada do estabelecimento; e nessa medida também não agrediu ninguém, sendo parciais os depoimentos prestados em sentido oposto por colaboradoras ou clientes de M. P. e N. R..

- F. M., a fls. 747 e ss., que não cometeu qualquer crime de que vem acusado porquanto apenas ajudou a mulher S. A. a recuperar os seus bens do local de trabalho, para o que necessitava de entrar no gabinete, e a seu pedido acompanhou-a a tal sala, porém os bens não estava lá, pelo que a mulher foi à procura deles noutras salas; depois foi ajudá-la quando ela já pedia por socorro; sendo aquele o local onde a sua mulher trabalhava e tinha os seus pertences, foi ajudá-la a recolhê-los, pelo que não cometeu qualquer crime de introdução em lugar vedado ao público; e apenas teve contacto físico com M. P. para a retirar de cima da mulher, quando esta estava a ser agarrada pelo pescoço pela arguida M. P. e para evitar que a mulher fosse asfixiada. E nunca agrediu N. R..

e não poderão os arguidos ser responsabilizados criminalmente.

*2-Dos actos de instrução Foi tomado depoimento da assistente S. A. e realizado o debate instrutório.

*3 - Saneamento O tribunal é competente em razão da matéria e da hierarquia.

O Ministério Público e os assistentes têm legitimidade para o exercício da ação penal.

Não existem nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.

II 1 - Âmbito da instrução “Preceitua o art. 286º, nº 1, do C. P. Penal ao cuidar da finalidade e âmbito da instrução, que esta fase do processo visa o reconhecimento jurisdicional da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (Cfr. José Souto de Moura, Inquérito e Instrução, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 1989, p. 125.). Trata-se de uma fase jurisdicional (facultativa) em que o juiz de instrução investiga autonomamente o caso que lhe é submetido, praticando os actos necessários a fundamentar a convicção que lhe permita proferir a decisão final de submeter ou não a causa a julgamento, ou seja, de pronunciar ou não pronunciar o arguido (Cfr. art. 308º, nº 1, do CPP.).” (Ac. R. Guimarães de 9/1/2017, (REL. Ausenda Gonçalves, www.dgsi.pt).

O n.° 1 do artigo 308.° do Código de Processo Penal determina que se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz pronuncia pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

Para a averiguação da existência ou não existência de indícios suficientes importa considerar todos os elementos recolhidos nos autos, quer em sede de inquérito quer no decurso da instrução.

A prolação do despacho de pronúncia depende assim da existência de elementos que indiciem a prática, pelo arguido, de factos que configurem um crime.

Tais indícios hão-de ser suficientes, isto é, fundamentados em meios de prova que, em sede de julgamento e pela respetiva comprovação, tornem possível a demonstração da prática do crime e a condenação do arguido.

Cumpre lembrar que, nesta sede, não está em causa, para a prova dos factos, o mesmo grau de exigência que tem de usar-se em julgamento.

Nas fases preliminares do processo não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos e antes, tão só, indícios, sinais de que um crime foi eventualmente cometido por determinado arguido.

Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova no sentido de certeza moral da existência de crime, basta-se com a exigência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de existe uma possibilidade razoável de que foi cometido um crime pelo arguido. A lei não define o que sejam indícios suficientes, mas doutrinalmente tem-se entendido que os indícios são suficientes quando permitam a formação de um juízo da possibilidade sobre a culpabilidade do arguido com a convicção de que ele poderá vir a ser condenado.

Dito de outra forma, a prolação do despacho de não pronúncia há de resultar da existência de qualquer questão formal ou prejudicial ou, em termos substanciais, da comprovação da falta de fundamento factual ou jurídico da imputação que é feita em sede de acusação ou de manifesta inexistência de elementos probatórios capazes de sustentar essa imputação.

*2-Da existência ou não de indícios suficientes.

Ponderada a globalidade dos elementos já recolhidos nos autos e os argumentos avançados no requerimento de abertura de instrução a discussão no plano factual e jurídico apenas se coloca quanto à única questão: apurar se existem indícios suficientes de que os arguidos incorreram na prática dos crimes imputados na acusação pública e no RAI de S. A..

3. Enquadramento-jurídico penal Quanto ao crime de ameaça A assistente S. A. imputa a M. P. factos que considera constituírem um crime de ameaça.

Estando em causa os factos dos pontos k), l), m) e aa) da acusação do RAI a fls. 710 e ss.: k) Entretanto, enquanto a Assistente continuava a procurar pelas suas coisas no interior do estabelecimento, surgiu novamente a Arguida M. P. que surpreendendo a Assistente, a empurrou e provocou a sua queda.

1) Ato contínuo, com a Assistente caída no chão, a Arguida M. P. agarrou-a pelo pescoço, asfixiando-a, m) E em tom ameaçador proferiu o seguinte: "Vou-te matar sua cabra, se não for agora eu apanho-te, meteste-te com a pessoa errada, vaca".

a

  1. Com os comportamentos supra descritos, a Arguida M. P., agiu com a intenção de provocar medo e inquietação na Assistente, como provocou.

    Dispõe o artigo 153.°, n.° 1 do Código Penal: Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até l ano ou com pena de multa até 120 dias.

    De acordo com o Tribunal da Relação de Guimarães de 07/01/2013 REL DES. ANA TEIXEIRA E SILVA: São...

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