Acórdão nº 870/18.6PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução25 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1.

No âmbito do Processo Comum Singular nº 870/18.6PBGMR, do Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi submetida a julgamento a arguida: A. G., divorciada, filha de M. R. e de A. F., natural da freguesia de …, concelho de Guimarães, nascida a .. de Novembro de 1965, residente na Rua …, Guimarães.

*2.

Em 04/05/2021 foi proferida sentença, depositada no mesmo dia, da qual consta o seguinte dispositivo (transcrição (1)): “Pelo exposto: Julga-se a acusação pública improcedente e a acuação particular parcialmente procedente e, consequentemente, decide-se:

  1. Absolver a arguida A. G.

    da prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal, por que vinha acusada.

  2. Absolver a arguida A. G.

    da prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal (factos de 16-09-2018) c) Condenar a arguida A. G.

    pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).

  3. Condenar o assistente V. D.

    , pelo decaimento parcial, em taxa de justiça, que se fixa em 1 UC – artigo 515º, nº 1, alínea a), do CPP.

  4. Condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC – artigos 513º e 514º, do CPP e artigo 8º nº 5 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

    Julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido e, consequentemente, decide-se: f) Condenar a demandada A. G.

    no pagamento ao demandante V. D.

    da quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), a título indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da prolação desta sentença, até integral e efectivo pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

  5. Sem custas na instância cível – artigo 4º, nº 1, alínea n), do RCP.

    (...)”.

    *3.

    Inconformada com tal decisão, dela veio a arguida interpor o presente recurso, nos termos da peça processual que consta de fls. 221 / 225 Vº, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição): “1. Não se conforma a arguida com a douta decisão proferida pelo tribunal a quo.

    1. Entende a aqui apelante que o tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova.

    2. Face à prova produzida em sede de audiência de julgamento e atenta a prova documental junta – auto de notícias do proc. nº 813/18.7PBGMR junto aos autos em 12-05-2020 - impõe-se a absolvição da arguida, aqui apelante quanto ao crime de injúrias, e consequentemente, quanto ao pedido cível em que veio condenada.

    3. Assim, apesar de censurável do ponto de vista ético-social, a expressão em causa, pelo contexto em que terá sido proferida, não assume/não pode assumir relevância penal.

    4. Consequentemente e apesar de ter-se julgado provado que a arguida proferiu a expressão vertida no ponto 2 da factualidade dada por provada, não foram preenchidos os pressupostos do artigo 181º do Código Penal.

    5. Nomeadamente por falta de preenchimento dos elementos objectivo – “dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração” – e subjectivo – consciência da ilicitude.

    6. Porquanto, a intervenção do direito só se justifica quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa possa ter apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros 8. Haveria o tribunal a quo de ter tido, ainda, em consideração a situação social, pessoal e de escolaridade dos intervenientes para a ponderação da decisão e apreciação da causa.

    7. Os factos ocorreram em residências de habitação social, o bairro social da ..., entre pessoas que vivem de rendimento mínimo de inserção, sem qualquer ocupação profissional, onde este género de situações prolifera e onde a utilização de este tipo de expressões é habitual, corriqueira, banal e desprovida do espírito depreciativo que normalmente se lhe atribui.

    8. Caso assim não se entenda, o que não se concede mas por mera hipótese académica se acautela, entende a apelante que tendo em consideração o contexto em que a expressão que lhe é imputada foi proferida, é evidente que a culpa e a ilicitude do facto, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, são diminutas.

    9. Pelo que se impõe a dispensa da pena, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 74º nº 1 do CP.

    10. Ou se assim não se entender, impõe-se uma atenuação especial da pena, julgando-se justa, adequada e proporcional aos circunstancialismos dos autos uma pena próxima do seu limite mínimo.

    11. No nosso entendimento, não interpretou, nem aplicou correctamente os artigos 40º, 47º, 71º nº 1 e 2, 72º, 73º, 74º e 181º do Código Penal, violando a sentença os mencionados normativos legais.

    TERMOS EM QUE: Deve a douta decisão proferida ser revogada, absolvendo-se a arguida, Assim, Fazendo, Farão V/Exas., Acostumada e Sã JUSTIÇA!”. *4.

    Na 1ª instância apresentou-se a responder o Ministério Público, nos termos constantes da peça processual de fls. 227 / 232 Vº, pugnando a Digna Magistrada subscritora pela improcedência do recurso e pela confirmação, na íntegra, da decisão recorrida.

    *5.

    O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal da Relação emitiu o parecer que consta de fls. 237 / 239 Vº, pronunciando-se também pela improcedência do recurso.

    5.1.

    Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal (2), não foi apresentada qualquer resposta.

    *6.

    Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.

    *II. FUNDAMENTAÇÃO 1.

    É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (3).

    No caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pela recorrente, são as seguintes as questões que importa dirimir: - Do erro notório na apreciação da prova; - Da (não) verificação dos elementos do tipo de crime de injúria; - Da dispensa da pena; e - Da atenuação especial da pena.

    *2.

    Mas, para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.

    2.1.

    O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): “Da acusação pública: 1) No dia 14 de Setembro de 2018, cerca das 22h00, a arguida, por motivos não concretamente apurados, mas relacionados com problemas de vizinhança, muniu-se de um objecto semelhante a um pau, mas cujas características não resultaram concretamente apuradas, e desferiu diversas pancadas com o mesmo, assim como pontapés, na porta da entrada da residência de V. D. e M. C., sita na Rua …, Guimarães.

    Da acusação particular: 2) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1), a arguida dirigindo-se ao assistente com manifesta intenção de o ofender, como ofendeu, na sua honra e consideração social e pessoal, de viva voz e de modo a que fosse por todos ouvido, proferiu a seguinte expressão “filho da puta”.

    3) A arguida agiu de livre vontade e de consciência perfeita, bem sabendo que a sua conduta era reprovável e punida por lei.

    Da situação pessoal e económica da arguida: 4) A arguida é beneficiária do RSI, no montante mensal de € 142,00.

    5) Vive sozinha em casa arrendada, sendo a renda mensal de € 4,19.

    6) Concluiu o 4º ano de escolaridade.

    7) Não são conhecidos antecedentes criminais à arguida.

    Do pedido de indemnização civil (para além dos factos provados constantes das acusações): 8) Na sequência da conduta da arguida descrita em 2) e 3), o demandante sentiu-se envergonhado e ofendido na sua honra e consideração.”.

    *2.2.

    Considerou não provados os seguintes factos (transcrição): “Da acusação pública:

  6. Da conduta descrita em 1), resultou a quebra das dobradiças da porta e a sua queda ao chão.

  7. Com o objecto referido em 1), a arguida desferiu ainda pancadas nuns jarrões que se encontravam à entrada da porta de V. D. e M. C., partindo-os.

  8. A arguida tinha conhecimento de que os mencionados objectos não eram de sua pertença, e que a sua conduta era contrária à vontade dos respectivos proprietários, tendo agido com o propósito conseguindo de causar estragos nos mesmos.

  9. A arguida agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei penal.

    Da acusação particular: e) No dia 16 de Setembro de 2018, pelas 18h00, à entrada da sua residência, a arguida tentou agredir com uma garrafa de vidro a sua esposa e o filho de ambos, de apenas 4 meses de idade, que vinha ao colo da mãe e, ao mesmo tempo, a arguida retirou da bolsa que transportava na altura um objecto que aparentava ser duas chaves de fendas com cerca de 20 cm de cumprimento e apontou o objecto para o assistente proferindo ainda a seguinte expressão “seu filho da puta, seu cabrão vou-te espetar todo e à tua mulher, seu filho da puta, seu cabrão”.

  10. O assistente é pessoa de bem, que sempre pautou e continua a pautar a sua vida pelos princípios da dignidade, correcção e seriedade e é também desta forma visto por todos aqueles que o conhecem pessoal e profissionalmente, gozando de excelente reputação no meio social onde se encontra inserido.”.

    *2.3.

    E motivou a essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição): “O Tribunal formou a sua convicção apreciando de forma crítica o conjunto da prova produzida em audiência, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal.

    Assim, a arguida, que apenas compareceu na segunda sessão da audiência de...

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