Acórdão nº 5/18.5GAOVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução13 de Outubro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 5/18.5GAOVR.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO Nos autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo que correm termos no Juízo Central Criminal de Aveiro - Juiz 2, Comarca de Aveiro, com o nº 5/18.5GAOVR, foram submetidos a julgamento os arguidos B…, C…, D…, E…, F…, G… e H…, tendo a final sido proferido acórdão, depositado em 19.05.2021, que: - absolveu a arguida G… de um crime de tráfico de estupefacientes e outras atividades ilícitas p. e p. no artº 21º nº 1 do Dec-Lei nº 15/93 de 22.01 e o arguido D… de um crime de detenção de arma proibida p. e p. nos artºs. 2º nº 1 al. m), 3º nº 8 al. a) e 2º nº 1 al. ao), 3º nº 2 al. ab) e 86º nº 1 al. d), todos da Lei nº 5/2006 de 23.02; - e condenou os arguidos: - B…, pela prática em coautoria de um crime de tráfico de estupefacientes e outras atividades ilícitas p. e p. no artº 21º nº 1 do Dec-Lei nº 15/93 de 22.01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de 5 anos de prisão; - C…, pela prática em coautoria de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. nos artºs 21º nº 1 e 25º al. a) do Dec-Lei nº 15/93 de 22.01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo mediante regime de prova; - D…, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e outras atividades ilícitas p. e p. no artº 21º nº 1 do Dec-Lei nº 15/93 de 22.01, por referência às tabelas I-B e I-C anexas, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; - E…, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e outras atividades ilícitas p. e p. no artº 21º nº 1 do Dec-Lei nº 15/93 de 22.01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período mediante regime de prova; - F…, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e outras atividades ilícitas p. e p. no artº 21º nº 1 do Dec-Lei nº 15/93 de 22.01, por referência às tabelas I-B e I-C anexas, na pena de 6 anos de prisão; - H…, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e outras atividades ilícitas p. e p. no artº 21º nº 1 do Dec-Lei nº 15/93 de 22.01, por referência à tabela I-C anexa, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período mediante regime de prova.

Inconformados com o acórdão condenatório, vieram os arguidos B… e D… interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: ……………………………… ……………………………… ………………………………*2. Recursos dos arguidos B… e D… sobre as decisões de 27.01.2021 e de 10.02.2021: Alegam os recorrentes que a realização da audiência de julgamento na sua ausência nos dias 27.01.2021 e 10.02.2021 (por se encontrarem em isolamento profilático no âmbito das medidas de segurança estabelecidas pela DGS, não dispondo o estabelecimento prisional de condições para que pudessem assistir em simultâneo através do sistema Webex), e sem que tivessem renunciado a esse direito ou consentido na realização na sua ausência, viola diversas disposições legais, bem como os princípios do contraditório, das garantias de defesa, da verdade material e da imediação, incorrendo na nulidade prevista no artº 119º al. c) do C.P.P.

Efetivamente, como resulta dos autos, perante a informação sobre o estado de isolamento profilático dos arguidos B… e D… e da impossibilidade de os mesmos assistirem à audiência via "webex" em virtude de o EP não dispor de salas com área suficiente de forma a que garantir o necessário distanciamento, bem como da vontade por eles manifestarem de estarem presentes na audiência, o tribunal coletivo indeferiu o requerido adiamento das sessões da audiência de julgamento dos dias 27.01.2021 e 10.02.2021, determinando o prosseguimento da audiência, com inquirição das testemunhas.

Os ilustres defensores daqueles arguidos arguiram oportunamente a nulidade de tais decisões, arguição que veio a ser indeferida.

Vejamos: Nos termos do artº 119º al. c) do C.P.Penal, constitui nulidade insanável "a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência".

Este regime processual - nulidade insanável - justifica-se pelo interesse público no asseguramento das condições de integridade do direito de defesa que justificam a necessidade da presença pessoal do arguido, garantido pelas consequências para a inobservância dos direitos consagrados nos artigos 61º nº 1 e 64º nº 1.

A questão que se coloca consiste então em saber em que situações é que a presença do arguido na audiência assume carácter de obrigatoriedade.

Se analisarmos a evolução legislativa a este respeito, verifica-se que o C.P.P. de 1987 optara pela proibição da audiência na ausência do arguido.

Com a revisão da Constituição operada em 1997, passou a ser possível a realização da audiência sem a presença do arguido, desde que assegurados os direitos de defesa - nº 6 do artigo 32º: «A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado a atos processuais, incluindo a audiência de julgamento».

Na sequência da referida alteração constitucional, com a reforma processual penal de 1998, o legislador admitiu novamente o julgamento na ausência do arguido.

As alterações entretanto introduzidas pelo Dec-Lei nº 320-C/2000 mantêm essa possibilidade, revelando a intenção de evitar, a todo o custo, adiamentos (como se vê da leitura do preâmbulo deste diploma, o legislador pretendeu imprimir celeridade ao processo penal).

Sobre a presença do arguido na audiência dispõe o artº. 332º do C.P.Penal que "é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 333º e nos nºs. 1 e 2 do artº 334º". Estes últimos preceitos referem-se, porém, à falta do arguido no início da audiência.

Nos casos em que a audiência já se iniciou com a presença do arguido e do seu defensor, e o arguido se afastar da sala de audiências, pode esta prosseguir até final se o arguido já tiver sido interrogado e o tribunal não considerar indispensável a sua presença, sendo para todos os efeitos representado pelo defensor - artº 332º nº 5 do C.P.Penal.

Esta norma permite a salvaguarda do princípio da continuidade da audiência consagrado no artº 328º, princípio esse que visa atingir duas finalidades: - a concentração, princípio essencial do processo penal, segundo o qual todos os termos e atos processuais, se devem desenvolver unitária e continuadamente, concentradamente, no espaço e no tempo, o que significa relativamente à audiência, uma tramitação unitária, continuada e no menor espaço de tempo, em que toda a prova, oral e diretamente produzida, seja apreciada o mais próximo possível dos factos, em conjunto e enquanto bem presente na memória do julgador; - a celeridade, sem a qual a administração da justiça perde eficácia, valor este consagrado na constituição (artigo 20º nº 5), através da imposição de que a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais deve ser legalmente assegurada, mediante procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, bem como da concessão do direito à decisão em prazo razoável (artº 20º nº 4), direito este também previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Tendo como fonte o princípio da continuidade da audiência, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 12.07.1997[1] que "o nº 5 do artº 332º do CPP faculta o prosseguimento da audiência até final, ainda que se prolongue por várias sessões, sem a presença do arguido, desde que verificado o duplo pressuposto de já ter sido interrogado e de o tribunal não considerar indispensável a sua presença".

É certo que "o princípio geral que norteia o processo penal em matéria de comparência do arguido - artigo 61º -, é o de que aquele tem o direito de estar presente a todos os atos processuais que diretamente lhe digam respeito e o dever de comparecer sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado. Tal princípio tem subjacente a ideia de que a presença do arguido na audiência assume importância capital, constituindo, por um lado, uma garantia de defesa, por outro, factor relevante na formação da decisão"[2].

Contudo, não obstante esse direito/dever do arguido, não é absoluto, permitindo a lei que, verificados determinados pressupostos, o tribunal inicie a audiência sem a presença física do arguido - quer a seu pedido ou com o seu consentimento, quer porque, devidamente notificado, faltou justificada ou injustificadamente à audiência - ou prossiga a produção de prova sem a sua presença física - mas processualmente presente através do seu defensor, nos casos em que o arguido já prestou declarações e o tribunal não considere indispensável a sua presença.

Por isso, a ausência do arguido só constitui a nulidade insanável prevista na al. c) do artº 119º do C.P.Penal, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência e esta situação apenas ocorre quando o ilustre defensor tenha requerido a audição do arguido ou quando o Tribunal a considere necessária para a descoberta da verdade.

Nas situações em que o arguido já prestou declarações ou teve a oportunidade de as prestar e prescindiu desse direito, em caso de interrupção da audiência, o tribunal pode prosseguir com a produção de prova na ausência (justificada ou injustificada) do arguido, e proceder à inquirição de testemunhas, desde que o arguido esteja devidamente representado pelo seu defensor.

Aliás, não sendo o arguido, antes o seu defensor, quem procede ao interrogatório ou contra-instância das testemunhas, não se pode afirmar que o arguido ausente poderá ser prejudicado na sua defesa caso o tribunal prossiga com a audiência. Até porque nada impedirá que, depois de conferenciar com o arguido relatando-lhe o que foi dito na audiência (e até procedendo à audição dos depoimentos prestados, obrigatoriamente gravados) o defensor do arguido requeira ao tribunal que a(s) testemunha(s) inquiridas em...

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