Acórdão nº 044/21.9BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução20 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), vem, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria — “RJAT”), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 126/2020-T, de 09/02/2021, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Recorrida a Z……………………, S.G.P.S., S.E.

, melhor sinalizada nos autos, no âmbito do indeferimento parcial do recurso hierárquico interposto dos actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios do ano de 2014, no valor global de €130.930,59, e invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo com o nº 0306/12.6BELLE 01136/16, de 21/11/2019, que se indica como fundamento.

Inconformada, formulou a recorrente Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, as seguintes conclusões: A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objeto o acórdão arbitral proferido no processo n.º 126/2020-T, em 09-02-2021 (cf. doc. 1 junto), por Tribunal Arbitral Coletivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

  1. A decisão arbitral foi notificada por comunicação eletrónica datada de 17-02-2021 (cf. doc. 2 junto), a qual julgou procedente o pedido arbitral.

  2. O acórdão arbitral recorrido colide frontalmente com a jurisprudência firmada no acórdão desse Supremo Tribunal Administrativo, de 21-11-2019, proferido no processo n.º 0306/12.6BELLE 01136/16, já transitado em julgado, por determinar a anulação das liquidações de juros compensatórios (cf. doc. 3 junto), o qual constitui o acórdão fundamento dos presentes autos de recurso.

  3. A Recorrente defende, com o devido respeito, que o acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento, porquanto, em contradição total com o acórdão fundamento, o Tribunal arbitral considerou que a AT não logrou «demonstrar e provar os factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios, dado que a fundamentação por esta apresentada não permite concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação, sendo que a AT não aprecia nem demonstra o dolo ou a negligência naquela actuação», julgando a liquidação de juros compensatórios ilegal por vício de forma, por falta da fundamentação exigida nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, e 77.º, n.ºs 1 e 2, ambos da LGT, e do artigo 268.º, n.º 3, da CRP.

  4. In casu, verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que se prende os requisitos de fundamentação da liquidação de juros compensatórios consagrados no artigo 35.º da LGT.

  5. Assim, considerando a jurisprudência invocada, é inteiramente justificado o recurso à presente via processual para uniformização de jurisprudência, com a consequente anulação da decisão arbitral recorrida e substituição por outra que cumpra o disposto no artigo 35.º, n.º 1, e n.º 9 da LGT.

  6. O acórdão arbitral recorrido consignou, como matéria de facto, que a Requerente arbitral, aqui Recorrida, foi sujeita a um procedimento inspetivo titulado pela Ordem de Serviço n.º OI201800049, referente ao exercício de 2014 (cf. ponto 11 da matéria de facto dada como provada), reproduzindo a factualidade apurada pela Inspeção Tributária (cf. ponto 12 da matéria de facto dada como provada), pelo que, consequentemente a fundamentação que sustentou a liquidação de juros compensatórios – cf. ponto 14 da matéria de facto dada como provada, páginas 10 a 17 da decisão arbitral recorrida.

  7. Todavia, o Tribunal Arbitral não relevou que o relatório da inspeção tributária refere expressamente a propósito dos juros compensatórios, em síntese, o seguinte: «Quer isto dizer que, aquando do pagamento dos dividendos à Y……….. BV (2014-05-14), a Z…………….. SGPS, deveria ter deduzido, a título de retenção na fonte, o montante de 1.815.716,70 euros, resultante da aplicação da referida taxa de 10% sobre o seu valor ilíquido (18.157.167,04 euros), e ter procedido à sua entrega nos cofres do Estado, conforme disposto no n.º 6 do art.º 94.º do CIRC, na qualidade de substituto tributário (n.º 5 do art.º 98.º do mesmo diploma).

    Sem prejuízo da falta de cumprimento desta obrigação tributária por parte do sujeito passivo [punível nos termos do n.º 4 do art.º 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)], há que atender à faculdade de devolução do imposto que tenha sido retido na fonte por não se verificar o requisito temporal de detenção da participação, estipulada no n.º 1 do art.º 95.º do CIRC, quando posteriormente se complete o período de 24 meses de detenção ininterrupta de participação.» «Todavia, há lugar à liquidação de juros compensatórios contados desde 2014-06-21 (dia imediato àquele em que o imposto de 1.815.716,70 euros devia ter sido entregue pelo sujeito passivo ao Estado nos termos do n.º 6 do art.º 94.º do CIRC) até 2016-04-08 (data em que se efetivou o cumprimento do requisito temporal de detenção da participação exigida). O valor apurado em observância com o estabelecido no n.º 1 e na alínea a) do n.º 3 do art.º 102.º do CIRC, conjugados com os n.ºs 1, 3 e 10 do art.º 35.º da Lei Geral Tributária (LGT)» (destaque nossos). - cf. páginas 10 e 11 e seguintes do RIT (fundamentação reproduzida na decisão arbitral recorrida – cf. o referido ponto 14 da matéria de facto dada como provada), I. E, foi no seguimento das conclusões da ação inspetiva foram emitidos os atos tributários de liquidação de juros compensatórios melhor identificados na decisão arbitral recorrida, posteriormente parcialmente anulados, conforme igualmente decorre da decisão arbitral recorrida.

  8. Contudo, o Tribunal a quo concluiu, como acima referido, que a AT não logrou «demonstrar e provar os factos constitutivos do direito à liquidação de juros compensatórios, dado que a fundamentação por esta apresentada não permite concluir pela existência de um nexo de causalidade entre a actuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação, sendo que a AT não aprecia nem demonstra o dolo ou a negligência naquela actuação», julgando a liquidação de juros compensatórios ilegal por vício de forma, por falta da fundamentação exigida nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, e 77.º, n.ºs 1 e 2, ambos da LGT, e do artigo 268.º, n.º 3, da CRP.

  9. E, assim sendo, não acolheu o entendimento que constitui jurisprudência firmada desse douto STA e da doutrina, no sentido de que se determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta, por ilação lógica, a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado), devendo partir-se do pressuposto de que existe culpa quando a atuação do contribuinte integra a hipótese de uma infração tributária (cf., por todos, o Acórdão de 23-09-1998, Proc. 022612 e o Acórdão de 19-11-2008, Proc. 0325/08 e Jorge Lopes de Sousa, in Juros nas relações tributárias, Problemas fundamentais do Direito tributário, Lisboa 1999, pág.145 e ss.).

    L. Desta forma, o Tribunal Arbitral decidiu erroneamente quando concluiu que a liquidação de juros compensatórios enferma de vício formal de falta de fundamentação, considerando que a AT não demonstrou a culpa da ora Recorrida no atraso da liquidação.

  10. De igual forma, o acórdão fundamento consignou factualidade apurada numa ação inspetiva a um sujeito passivo de IRC, no âmbito da qual foram promovidas correções à matéria coletável declarada, que originaram a emissão de liquidações adicionais de juros compensatórios.

  11. O acórdão fundamento entendeu, com relevância para a apreciação do recurso, o seguinte: «4.4. A quarta e última parte do recurso respeita à liquidação dos juros compensatórios.

    Na douta sentença recorrida considerou-se que a demonstração da liquidação dos juros compensatórios que reproduz na alínea “E” dos factos provados não continha «qualquer indicação dos factos que fundamentam a atuação culposa do contribuinte, nem tal fundamentação se encontrava prevista no relatório de inspeção». Razão pela qual essa liquidação se deveria considerar insuficientemente fundamentada.

    A Recorrente não se conforma com o assim decidido por entender que o documento observa as exigências de fundamentação impostas pelo artigo 35.º, n.º 9, da Lei Geral Tributária.

    É sabido que «as exigências de fundamentação variam conforme as circunstâncias concretas, designadamente o tipo de ato, a não participação do interessado no procedimento anterior ao ato ou, no caso da participação, a extensão desta» (acórdão deste tribunal de 30 de novembro de 2011, Processo n.º 619/11).

    Integrando-se os juros compensatórios na própria dívida do imposto, alguns dos seus fundamentos podem sobrepor-se aos fundamentos da liquidação do imposto. O que sucederá, em regra, quando estejam em causa atos ou omissões de que derive o atraso na liquidação do imposto devido ou de parte dele, em que o comportamento ilícito e culposo do contribuinte se encontra descrito no próprio relatório de inspeção tributária.

    É por isso, a nosso ver, que o n.º 9 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária dispõe que a liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respetivo cálculo e distinguindo-os das outras disposições devidas...

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