Acórdão nº 097/19.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução20 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações I.

Z………. – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., com os demais sinais dos autos, inconformada com a decisão arbitral proferida no processo nº 496/2018-T de 27 de novembro de 2019 que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral e manteve na ordem jurídica o ato de autoliquidação de IRC, relativo ao exercício de 2014, na parte em que foi desconsiderada a dedução de encargos financeiros no valor de € 1.928.563,63 euros, vem ao abrigo do disposto no artigo 152º do CPTA, por aplicação subsidiária, nos termos dos nº2 e 3 do artigo 25º do RJAT, na redação introduzida pela Lei nº 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

A recorrente invoca que a referida decisão arbitral colide com a decisão do CAAD, datada de 10 de maio de 2018, proferido no âmbito do processo nº 0645/2017-T (acórdão fundamento).

II. Por despacho a fls. 213 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal.

  1. A recorrente veio apresentar alegação de recurso a fls. 4 a 89 do SITAF, no sentido de demonstrar a alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:

    1. Da oposição no âmbito da mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento A) Na decisão arbitral ora recorrida (processo n.º 496/2018-T) estava em causa saber se era legal a autoliquidação de IRC de 2014 da Z…….., uma SGPS, na medida correspondente à não recuperação da dedução dos encargos financeiros suportados até 31.12.2013 com respeito à aquisição de partes de capital detidas ainda a essa data, recuperação de dedução esta reivindicada em razão da revogação do regime especial das SGPS constante do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, com efeitos a 01.01.2014, e reivindicada também em razão da interpretação deste regime especial pelo parágrafo 6 da Circular da DSIRC n.º 7/2004, e sua vinculatividade para a AT ao abrigo do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT.

      1. A decisão arbitral recorrida decidiu que não haveria base legal para a reposição em 2014 dessa dedução.

      2. Na decisão arbitral fundamento (processo n.º 645/2017-T), transitada em julgado, estava em causa resolver esta mesma questão das SGPS, assente nas mesmas reivindicadas razões (revogação do regime especial das SGPS constante do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, interpretação deste regime especial pelo parágrafo 6 da Circular da DSIRC n.º 7/2004, e sua vinculatividade para a AT ao abrigo do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT), e foi decidido, contrariamente, haver base legal para a reposição em 2014 dessa dedução.

      3. Inexiste alteração da regulamentação jurídica aplicável entre um caso e outro.

      4. Deve, pois, ser admitido o presente recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA, por remissão do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, do RJAT, e fundado na oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento de 10.05.2018, proferida no processo n.º 645/2017-T, por se verificarem os requisitos exigidos para o efeito.

    2. A improcedência do argumentário específico da decisão arbitral recorrida e seu acórdão matriz, e seu contraste com o acórdão fundamento e outros acórdãos que adoptaram posição oposta F) O regime especial previsto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF sintetizava-se na prescrição de que a desconsideração para efeitos fiscais das mais-valias que viessem a ser apuradas com a transmissão de partes de capital detidas por SGPS tivesse como contrapartida a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição daquelas partes de capital (e a desconsideração de eventuais menos-valias).

      1. Esta interpretação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, é pacífica, e foi acolhida não só pela própria AT, mas também pelo Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 42/2014, proferido no processo n.º 564/12: Uma “(…) dissociação temporal entre a não dedução (imediata) dos encargos financeiros e a isenção (futura) de tributação de mais-valias realizadas (…)” não viola o princípio da proporcionalidade porquanto “(…) a normação em apreço não exclui a eventualidade de correcção dos custos não deduzidos em períodos tributários anteriores, caso a alienação de participação de capital não revista os requisitos para a aplicação do regime especial de isenção das mais-valias” (sublinhado e ênfase da recorrente).

      2. A AT pensa o mesmo, e emitiu em 2004 a seguinte instrução genérica, através da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, no seu ponto 6 (cfr. o Doc. n.º 7 anexo ao PPA; sublinhados nossos): “6. Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal [i.e., ao afastamento da sua dedução] dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art.º 31º do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime [estabelecido no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, recorda-se, e não outro qualquer regime], proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.” I) Ou seja, a AT retira o corolário lógico da lei, da reposição da dedutibilidade dos encargos financeiros associados à aquisição de partes de capital no caso de se verificar futuramente que a sua transmissão e correspondentes mais ou menos valias apuradas não é afinal regida pelo regime especial previsto no artigo 32.º do EBF (anteriormente numerado como artigo 31.º).

      3. Corolário da lei que a AT volta a reiterar no Despacho de 24 de Fevereiro de 2011 do Director-Geral dos Impostos, exarado no Processo n° 39/2011 e que originou a extracção e publicação de uma ficha doutrinária (Doc. n.º 21 do PPA), onde aplicou o entendimento de que passando as partes de capital de uma SGPS a ser valorizadas ao justo valor, deixa de lhes ser aplicável o regime previsto no artigo 32. °, n. ° 2, do EBF, pelo que “os encargos financeiros que não foram aceites como gastos em períodos anteriores, passam a ser dedutíveis, nos termos gerais, para efeitos de determinação do lucro tributável” (ponto 14 do Doc. n.º 21 junto ao PPA; sublinhados nossos).

      4. Isto é um exemplo concreto da aplicação do entendimento vertido no ponto 6. Da Circular n.º 7/2004, em que a AT, e bem, não se agarrou à frase “caso se conclua, no momento da alienação das participações.”.

      5. Se a conclusão determinante para o que aqui está em causa (conclusão no sentido da inaplicabilidade do regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, a uma eventual alienação) ocorrer antes do momento da alienação, é nesse momento anterior (e não no momento da alienação), que se retirarão as devidas consequências ao nível da recuperabilidade da dedução dos encargos financeiros.

      6. No mesmíssimo sentido destes entendimentos da AT, e por simples interpretação declarativa dos mesmos (como se expressa o acórdão que se segue), decidiu o acórdão arbitral proferido no processo n.º 754/2016-T (Cons. JORGE LOPES DE SOUSA, Dr. VASCO VALDEZ e Dr. RICARDO GOMES PEDRO), que abordou o caso de um contribuinte que perdeu o estatuto de SGPS.

      7. Perante esta perda da natureza jurídica de SGPS, o acórdão arbitral em referência, em linha com os pronunciamentos anteriores da AT, reconheceu que a partir do momento em que o contribuinte deixou de revestir natureza de SGPS (em 1 de Janeiro de 2013, nesse caso concreto), cessou a aplicação do regime previsto no artigo 32.º do EBF e, nessa medida, os pressupostos que conduziram à indedutibilidade dos encargos financeiros (seu acréscimo ao lucro tributável) tinham deixado de se verificar com respeito às partes de capital cuja titularidade ainda mantinha (estavam por alienar) em 1 de Janeiro de 2013.

      8. Chega-se à hipótese idêntica (se diferente, só na medida em que mais radical e absoluta) de inaplicabilidade do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, por revogação do próprio artigo 32.º, n.º 2, do EBF (a situação em causa nestes autos), e a AT recusa aplicar aquele seu mesmo racional. No que é seguida pelo acórdão arbitral recorrido, e contrariada pelo acórdão arbitral fundamento.

      9. Recusa de aplicação pela AT e acórdão recorrido do racional de que, cessando a aplicação do regime especial do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, deve ser reposta a dedução dos encargos financeiros com a aquisição das partes de capital à data ainda mantidas, atingidas que foram pela cessação de aplicação do regime especial do citado artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

      10. Recusa esta da AT e do acórdão arbitral recorrido que não se entende.

      11. Quanto ao acórdão arbitral recorrido (processo n.º 496/2018-T) e seu acórdão matriz (processo arbitral n.º 610/2017-T, Cons. FERNANDA MAÇÃS, Dra. CRISTINA COISINHA e Dra. VERA FIGUEIREDO) é de sublinhar a título preliminar que não obstante a sua concordância com a recusa da AT, estas duas decisões reconhecem também, a par com a AT, com os Tribunais e com a doutrina, a existência de um nexo no regime especial do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, entre a indedutibilidade dos encargos financeiros, e o benefício aí previsto especialmente (só) para as SGPS.

      12. Como conseguem o acórdão arbitral recorrido e sua matriz, sendo também esta a sua posição de partida (e nesta base de partida há unanimidade de entendimento entre jurisprudência, doutrina e AT), afastar depois os corolários naturais da mesma, validando o dar o dito pelo não dito por parte da AT nesta matéria, é o que se verá melhor mais abaixo.

      13. ...

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