Acórdão nº 0123/20.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução20 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações I. A………….., S.A. e C…………… com os demais sinais dos autos, inconformadas com a decisão arbitral proferida no processo n.º 878/2019-T de 7 de Outubro 2020, que indeferiu pedido de reenvio prejudicial para o T.F.U.E. no segmento decisório que entendeu, não existir violação do artigo 21.º do CIVA, quanto ao princípio comunitário da equivalência, e dos princípios comunitários da neutralidade e da proporcionalidade do IVA, vem dela interpor recurso.

II. Por despacho a fls 162 do SITAF, o Ex.º Relator da Secção de Contencioso Tributário ordenou a redistribuição do presente recurso ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário.

III. Por despacho a fls. 166 do SITAF, o Ex.º Relator do Pleno da Secção deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso.

  1. As recorrentes vieram apresentar alegação de recurso a fls. 4 a 90 do SITAF, no sentido de demonstrar a admissibilidade e fundamento legal do presente recurso, formulando para o efeito as seguintes conclusões:

  1. Quanto à parte da decisão arbitral proferida no processo n.º 878/2019-T, sobre a questão da violação dos princípios da proporcionalidade, da neutralidade do IVA, da capacidade contributiva, e da igualdade, as recorrentes conformam-se com o resultado final, embora não com os meios usados pelo Tribunal a quo para lá chegar.

  2. Mas já quanto à violação do princípio comunitário da equivalência, a questão é bem diferente da relativa ao princípio comunitário da proporcionalidade (ou da relativa ao princípio da neutralidade do IVA), a que acresce ser, por natureza, uma questão objectiva.

  3. No que respeita a esta causa de pedir relativa à violação do princípio comunitário da equivalência, no que respeita a algumas das tipologias de indedutibilidade do IVA consagradas no artigo 21.º do seu Código, as recorrentes não se conformam nem com os meios utilizados pela decisão arbitral para chegar à resposta negativa a que chegou, nem, independentemente desses meios, com a resposta final dada a esta questão, e à questão conexa do reenvio prejudicial por si enjeitado.

  4. A recusa deste reenvio prejudicial constitui uma violação do direito comunitário (e do direito comunitário na sua mais alta expressão, o dos tratados), mais concretamente do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por não se verificar, como se verá infra, acto claro de espécie alguma que permitisse concluir pela ausência da concreta violação do princípio comunitário da equivalência em causa nos autos.

  5. Violação esta do artigo 267.º do TFUE que, por imposição do direito comunitário, mais concretamente, e coincidentemente, por imposição do princípio comunitário da equivalência, tem de ser susceptível de fiscalização pelos tribunais nacionais de recurso. Como se mostrará a seguir.

  6. Refira-se a terminar a delimitação do objecto deste recurso que estão aqui implicados, na causa de pedir relativa à violação do princípio comunitário da equivalência (no que respeita a algumas das tipologias de indedutibilidade do IVA consagradas no artigo 21.º do seu Código) e na violação conexa da obrigação de reenvio prejudicial, € 25.239,33 no que respeita à A…………., e € 69.194,99 no que respeita à D……….. (cfr. as págs. 4 ou 20 da decisão arbitral recorrida, ou os quadros reproduzidos nas págs. 11, e 14 a 16, da decisão arbitral recorrida, ou ainda os artigos 80.º e segs. do pedido de pronúncia arbitral, e documentação aí referenciada a esse propósito), num total de € 94.434,32, que é por conseguinte o valor da causa no presente recurso.

    II. Da necessidade de admissão do presente recurso: o princípio de direito comunitário da equivalência requer a fiscalização pelos tribunais nacionais de recurso, de violações de normas do Tratado por parte de decisões arbitrais. Em especial, requer a fiscalização via recurso pelos tribunais nacionais, da norma do Tratado referente ao reenvio prejudicial G) Entre o mais, o princípio de direito comunitário da equivalência diz-nos que o direito comunitário e direitos e obrigações que dele derivam ou que por ele são também regidas, não pode ser processado ou executado, ou ser alvo de fiscalização pelos tribunais, em termos menos exigentes, designadamente com menos garantias e/ou meios de imposição (enforcement), do que aqueles(as) aplicados(as) às(aos), e de que gozam os(as), direitos e obrigações derivados(as) do direito nacional.

  7. Os exemplos da jurisprudência do TJUE sobre o alcance deste princípio, que supra se referenciaram desenvolvidamente, ajudam de imediato a perceber a sua importância no âmbito da aplicação e imposição (enforcement) da regulamentação jurídica comunitária e direitos e deveres por ela gerados, abrangendo, entre muito mais, a imposição de paridade de tratamento em matéria de oportunidades de recurso, para as violações de direito comunitário vis-a-vis as violações de direito nacional (entre outros vejam-se os acórdãos do TJUE proferidos nos processos n.º C-161/15 e n.º C-126/97, supra transcritos nas partes fundamentais), incluindo quando estejam em causa decisões arbitrais (processo n.º C- 126/97).

  8. No caso concreto temos uma regulamentação nacional dos recursos de decisões arbitrais tributárias, que admite esse recurso com base em violação de diversos segmentos do direito nacional: violação da Constituição, violação de alguns princípios do processo e de regras que regem a sentença, e violação de normas ordinárias, no contexto quer de oposições entre decisões arbitrais, quer de oposições de decisões arbitrais com acórdãos do TCA ou do STA (artigos 25.º a 28.º do RJAT).

  9. E no âmbito deste leque de fundamentos de recurso admissíveis, não prevê ou autoriza recurso, não prevê ou autoriza qualquer fiscalização da decisão arbitral, por violações de espécie alguma do direito comunitário.

  10. Nem sequer prevê recurso, nem sequer prevê autorização para a fiscalização da decisão arbitral em sede de recurso, com fundamento em violações do Tratado (TFUE), a lei de grau hierárquico máximo, e lei fundamental, do direito comunitário.

  11. No presente caso está em causa a fiscalização em sede de recurso de (i) violação pela decisão arbitral da obrigação de reenvio prejudicial prevista no TFUE, actualmente no seu artigo 267.º (no TCE, artigo 234.º, e anteriormente ainda, artigo 177.º), e bem assim (ii) de segmento decisório que entendeu inexistir violação por norma fiscal nacional (artigo 21.º do CIVA, quanto a algumas das tipologias de indedutibilidade aí previstas) do princípio comunitário da equivalência.

  12. Ora, o TFUE, juntamente com o Tratado da UE, está para o direito comunitário como a Constituição está para o direito nacional. As normas desses dois tratados, onde se encontra vertida a obrigação de reenvio prejudicial, representam a lei fundamental, e o direito dito originário, da União Europeia.

  13. Mais ainda, a nossa Constituição reconhece preeminência e o primado, não só ao direito desses dois Tratados, o chamado direito comunitário originário, mas também a todo o direito comunitário derivado, de que são exemplo os regulamentos e as directivas comunitárias, com ressalva apenas do seu respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (cfr. artigo 8.º, n.º 4, da Constituição).

  14. No presente caso está em causa, como já se aludiu, desconformidade de um dos segmentos decisórios da decisão arbitral, com a norma do TFUE (artigo 267.º) que impõe, para defesa e salvaguarda da unidade, coerência e efectiva aplicação de todo o edifício jurídico comunitário, o reenvio prejudicial.

  15. O princípio comunitário da equivalência impõe, pois, que o cumprimento da obrigação de reenvio que emerge verificadas as circunstâncias previstas no Tratado (máxime na leitura do mesmo pelo TJUE), seja fiscalizado em sede de recurso de decisão arbitral tributária, por identidade e maioria de razão em face da previsão na lei nacional (RJAT) de fiscalização em sede de recurso, dessa mesma decisão arbitral, no que respeita toda e qualquer violação em concreto, de toda e qualquer norma da nossa Constituição.

  16. E impõe tal, igualmente por identidade e maioria de razão, em face da previsão na lei nacional (RJAT) de instância de recurso por violação também de alguns princípios processuais nacionais e que regem a elaboração da sentença, e da violação de normas de direito nacional infra-constitucional quando haja uma oposição de julgados.

  17. Com efeito, se é emprestada importância, pelo legislador nacional, à coerência e aplicação uniforme do edifício jurídico infra-constitucional interno, a pontos que justificam a previsão de recurso das decisões arbitrais por oposição de julgados, por identidade e maioria de razão o princípio comunitário da equivalência exige que seja também fiscalizada via recurso a correcta aplicação pelas decisões arbitrais do princípio comunitário fundamental do reenvio prejudicial.

  18. Que é a ferramenta jurídica que justamente, no plano comunitário, visa o mesmo objectivo (dos recursos por oposição de julgados) de assegurar a coerência e uniformidade do edifício jurídico comunitário in action, na sua vivência concreta.

  19. Se, não obstante a abundante jurisprudência comunitária que nestas alegações de recurso se referenciou, e a extensão do regime de recurso das decisões arbitrais tributárias, houver ainda assim dúvidas sobre o que exige o princípio comunitário da equivalência (da paridade de tratamento do direito comunitário) com respeito à fiscalização em sede de recurso de violações do princípio e obrigação comunitária do reenvio prejudicial cometidas por decisões arbitrais tributárias, deverá então este Tribunal, crê-se, efectuar reenvio prejudicial para o TJUE, com pedido de aclaração (interpretação do direito comunitário) quanto ao que exige o princípio comunitário da equivalência relativamente à questão da admissibilidade do presente recurso, nas circunstâncias da concreta extensão do regime de recursos das decisões arbitrais...

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