Acórdão nº 373/21.1T8PTM.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução14 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 - Relatório.

L…, casado, com o C.C. nº … e o NIF …, por si e em representação de Galférias – Administração de Propriedades, Unipessoal Ld.ª, com o número de identificação de pessoa coletiva 501495886, com sede na Rua de Pascoal de Melo, 3, Sala 1/3, C.P. 1170-294 Lisboa, veio deduzir providência de processo comum contra “BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A.

Sociedade Aberta, com sede na Praça D. João I, 28 – Porto, peticionando que o requerido seja intimado a permitir o acesso do requerente às indicadas contas de depósito à ordem nºs …, viabilizando a respetiva movimentação e operações sobre elas, munindo o requerente dos instrumentos idóneos (cartões de crédito e débito e cheques, nomeadamente), bem como, a inversão do contencioso e ao abrigo do art.º 369.º do C.P.C. a dispensa do ónus de propositura da ação principal.

O requerido impugnou a versão dos factos, negando que a conta tenha sido bloqueada, apenas o acesso informático, bem como que o requerente é que não diligenciou pela regularização da gerência da sociedade requerente, após morte do único sócio-gerente.

Foi realizada a audiência final.

Foi proferida decisão que julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente e, em consequência: a) intimar-se o requerido a, no imediato, permitir o acesso do requerente L…, casado, com o C.C. nº … e o NIF …, por si e em representação de Galférias – Administração de Propriedades, Unipessoal Ldª, às indicadas contas de depósito à ordem nºs …, viabilizando a respetiva movimentação e operações sobre elas, munindo o requerente dos instrumentos idóneos (cartões de crédito e débito e cheques, nomeadamente), para actos estritamente relativos à gestão da empresa, do que deverá ser apresentado comprovativos mensais nos autos.

b) indeferir a inversão do contencioso - art.º 369.º ex vi do 376º n.º 4 do C.P.C.

Inconformado com esta decisão, o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A recorreu, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): “A. O Recorrente não se conforma com a decisão do tribunal a quo, que julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente e, em consequência, ordenou ao Recorrente que concedesse acesso imediato do Recorrido, por si e em representação da Recorrida, às contas de depósito à ordem desta com os n.ºs …, pois entende que não estão verificados os pressupostos de legitimidade para o acesso do Recorrido às mesmas e que o enquadramento jurídico adotado pela decisão violou normas legais vigentes.

  1. A tal acresce ainda o facto de a sentença proferida ser parcialmente inexequível, concluindo-se que o tribunal a quo incorreu em erros na aplicação do direito que, uma vez expurgados, determinam a improcedência do procedimento cautelar.

  2. A Recorrida é uma sociedade comercial que dispõe dos meios habituais disponibilizados pelos bancos para acesso e movimentação das contas junto do Recorrente, como códigos para acesso online às mesmas ou meios de pagamento físicos, de que são exemplo os cartões de débito, todos emitidos em nome do respetivo representante legal, o pai do Recorrido, que faleceu no dia 26/07/2019.

  3. Sendo esses meios pessoais e intransmissíveis, uma vez falecido o respetivo titular, impunha-se ao Recorrido o cancelamento dos mesmos; por sua vez, aos Recorridos, querendo regularizar a situação junto do Recorrente, impunha-se a nomeação de um novo representante legal para a Recorrida, bem como o respetivo registo junto da Conservatória do Registo Comercial (momento após o qual lhe seriam atribuídos todos os acessos pelo Recorrente) o que, até à data, não sucedeu.

  4. Sem prejuízo do recurso ora interposto, e em cumprimento da Sentença proferida, o Recorrente já desencadeou todos os procedimentos internos destinos a associar o Recorrido L… como representante da sociedade Recorrida, a fim de lhe permitir o movimento a débito daquelas contas ao balcão, por cheque, por cartão de débito, bem como o acesso à movimentação online, para efeitos informativos e realização de operações de transferência, mas mantém o seu entendimento de que o Recorrido não tem legitimidade para aceder às contas em causa nestes termos.

  5. Salvo o devido respeito que nos merece a decisão do tribunal a quo, não estamos, contrariamente ao que foi decidido, perante uma questão de âmbito dos poderes do cabeça de casal da herança, porquanto a quota da Recorrida pertence à herança, mas o mesmo não sucede com as contas bancárias daquela.

  6. Ainda que se admita que a figura da sociedade unipessoal levante dúvidas quanto à independência do seu património com o do sócio único, há diferenças a atender e que têm de acarretar as necessárias consequências jurídicas, pois uma coisa é o património da sociedade e outra coisa é o património do seu sócio falecido.

  7. A posição do Recorrente no caso vertente, que entende que a gerência da sociedade não pode ser confundida com os poderes de gestão do cabeça de casal da herança na qual se integra, o que implica a regularização da situação da gerência da sociedade pelo cabeça de casal e herdeiros previamente ao pedido do Recorrido, teve o seu mérito reconhecido pelo tribunal a quo.

    I. Não obstante, o tribunal a quo acabou por subsumir os factos às normas do âmbito dos poderes do cabeça de casal da herança, ancorado em interpretação que se tem por errada do Acórdão anteriormente proferido pelo Tribunal da Relação de Évora no âmbito dos presentes autos.

  8. O Recorrente não coloca em causa que o Recorrido é cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu pai e representante comum dos herdeiros (cfr. artigos 2079.º e 2087.º, n.º 1 do CC, 222.º e 223.º do CSC), nem que a quota da sociedade Recorrida foi devidamente relacionada em sede de processo de inventário, mas, contrariamente ao que entende o tribunal a quo, não aceita que a mera qualidade de cabeça de casal do Recorrido, que lhe confere os poderes inerentes à administração da quota indivisa, como os de gestão corrente da sociedade (cfr. artigos 223.º, n.º 6 e 270.º-E do CSC), lhe confira automaticamente os direitos e poderes de que se arroga no presente procedimento cautelar.

  9. Por um lado, é certo que o Recorrido tem poderes de gestão corrente da sociedade, mas, por outro, também é verdade que esses poderes ficam esvaziados e são inúteis se não forem exercidos, pelo que admitir que o Recorrido pode exercer os direitos do legal representante e vincular a Recorrida, apenas porque enquanto representante comum dos herdeiros detém os poderes de gestão corrente da sociedade, sem o ser, equivale a negar a personalidade jurídica da Recorrida.

    L. O Recorrente entende que apenas terá legitimidade para aceder e movimentar as contas da sociedade Recorrida aquele que for o seu legal representante (cfr. artigo 252.º, n.º 1 do CSC), cuja nomeação está na disponibilidade do Recorrido, enquanto representante comum dos herdeiros com os consequentes poderes de gestão corrente da sociedade Recorrida, o que não sucedeu até à data, por motivo que se desconhece.

  10. O tribunal a quo não concorda com o entendimento plasmado no ponto anterior, objetando com a existência de conflito entre o Recorrido e a sua co-herdeira, mas, tal argumento não pode proceder, pois é ao Recorrido que compete exercer, como representante comum da quota indivisa da Recorrida, todos os poderes inerentes a essa quota (cfr. artigo 222.º, n.º 1 do CSC), incluindo os direitos de voto típicos do sócio (com exceção dos indicados na parte II do n.º 5 e no n.º 6 do artigo 223.º do CSC), não se exigindo o acordo dos demais herdeiros ( Nesse sentido, veja-se os Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/05/2012, proferido no âmbito do processo n.º 720/11.4TYVNG.P1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/0/2017, proferido no âmbito do processo n.º 2983/16.0T8VNF.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

  11. Resulta claro da lei que o representante comum da quota indivisa, uma vez investido dos poderes atribuídos ao sócio único, tem poderes suficientes nomear gerentes (cfr. artigo 270.º-F, n.º 1 do CSC), e são os gerentes que têm poderes para representar e vincular uma sociedade perante terceiros, não outros (cfr. artigo 260.º, n.º 4 do CSC).

  12. Este tipo de decisão da vida societária, pela sua natureza, deve ser registada em ata assinada pelo dito sócio único (cfr. n.º 2 do artigo 270.º-F do CSC) e posteriormente remetida à competente Conservatória do Registo Comercial, para promoção do respetivo registo e publicidade da nomeação, pois, caso contrário, não se pode considerar que uma sociedade se vincule validamente perante terceiros.

  13. O decesso do legal representante da Recorrida não é um facto decorrente do mero decurso do tempo, impondo-se o registo obrigatório da sua cessação de funções no âmbito da sociedade, bem como a designação do seu sucessor (cfr. artigos 3.º, n.º 1, al. m) e 15.º, n.º 1, ambos do CRC), pelo que admitir-se que o representante comum, com poderes de gestão corrente da sociedade, possa obviar os trâmites legais normais e vincular a sociedade sem mais – como fez o tribunal a quo – é atalhar caminho.

  14. Não está na disponibilidade dos Recorridos afastar a lei, pelo que não podem alcançar fins contrários à mesma por via do recurso a um procedimento cautelar sem que lhe assista razão, sob pretexto da aparência de um direito, pelo que a verdade é que sem a promoção do registo, a nomeação de um novo gerente e legal representante da Recorrida, é...

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