Acórdão nº 1591/18.5T8FIG-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

SUMÁRIO ELABORADO PELO RELATOR (artº 667 nº3 do C.P.C.) I- A nulidade por excesso de pronúncia, prevista no artº 615 nº1 d) do C.P.C, não se reporta aos fundamentos considerados pelo magistrado para a prolacção de decisão, mas antes afere-se pelos limites da causa de pedir e do pedido.

II-Os processos de jurisdição voluntária, nos quais se inserem os pedidos de atribuição de casa de morada de família, não estão sujeitos a critérios de legalidade estrita, o que permite ao Juiz usar de alguma liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, não estando limitado pela concreta alegação das partes, podendo adoptar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna (cfr. o disposto nos artsº 986 e segs. do C.P.C.) III-Estando atribuída a casa de morada de família a ambos os ex-cônjuges até à realização de partilhas do casal, a alteração desta decisão só poderá ocorrer, se se verificarem circunstâncias supervenientes que imponham essa alteração (crf. Artº 1793 nº3 do C.C. e 988 nº1 do C.P.C.).

IV-Compete àquele que pretende que lhe seja atribuída exclusivamente o uso da casa de morada de família, alegar e provar a existência dessas circunstâncias, bem como que a necessidade da habitação exclusiva para o seu agregado familiar, prevalecente sobre a do ex-cônjuge.

V-Existindo filhos menores do ex-casal, o mero decurso do tempo pode constituir, por si só, circunstância relevante para a alteração da decisão sobre a casa de morada de família, em especial quando não existe acordo para a realização das partilhas previstas entre o ex-casal.

VI-O artº 1793 do C.C. visa a protecção da família, como ela é constitucionalmente garantida pelo artº 67 da Constituição, pelo que, existindo filhos menores do ex-casal e, constituindo o direito a uma residência condigna, um direito inalienável das crianças, que cabe aos seu progenitores assegurarem no limite das suas capacidades (conforme resulta ainda do princípio 4º, da Declaração Universal dos Direitos da Criança (Proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959 e artº 27 da Convenção sobre os Direitos da Criança, Adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990), o interesse que deve prevalecer na decisão a proferir, é o destes menores.

Proc. Nº 1591/18.5T8FIG-C.C1 Apelação Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – J. Família e Menores da Figueira da Foz- J2.

Recorrente: J...

Recorrida: C...

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Jaime Ferreira Teresa Albuquerque Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:RELATÓRIOC...

veio propor o presente processo de jurisdição voluntária para atribuição da casa de morada da família contra o ex-marido, J..., alegando, em síntese, que se tornou insustentável manter-se o ex-casal a viver em conjunto após o divórcio, pelo que em Abril/Maio de 2019 a requerente acabou por sair de casa e arrendar um pequeno apartamento onde se instalou com os filhos menores, sem que conseguisse a colaboração do requerido para procederem à partilha, vindo a requerente, em 5/4/2019, a instaurar um processo de Inventário que atualmente se encontra pendente, correndo termos sob o n.º ... no Cartório Notarial da Dr.ª ...

Mais alegou que o requerido ficou desempregado e encontra-se atualmente detido para aguardar julgamento, não tendo meios para obter a adjudicação do imóvel em causa no processo de Inventário, nem para pagar os empréstimos associados ao imóvel.

Concluiu que a casa lhe deve ser atribuída, para ali viver com os filhos menores, mediante o pagamento de um valor não inferior a €200, por equidade, a favor do requerido, mas em caso de improcedência deste pedido deve este compensar a requerente, enquanto se mantiver a moratória, com o dito valor mensal de €200.

*Realizada tentativa de conciliação, não foi alcançado acordo, pelo que foi o Requerido notificado para, no prazo de 30 dias, querendo, apresentar oposição.

Em contestação, o requerido veio alegar que a requerente de forma voluntária abandonou a casa de família, atribuindo de forma voluntária a mesma ao requerente, tendo arrendado um apartamento, com plenas condições de habitabilidade.

Quanto ao beneficio da moratória, alegou que iria terminar no final do mês de apresentação da contestação, pretendendo a requerente beneficiar da moratória embora o requerido tenha estado a cumprir todas as obrigações decorrentes desta moratória, além de a requerente ter beneficiado de um acréscimo de rendimentos, pois o progenitor tem vindo a reforçar a pensão de alimentos, repondo valores em atraso, sendo manifestamente abusiva e humilhante a pretensão da demandante.

Concluiu pela improcedência do pedido.

*Após audiência de inquirição de testemunhas foi proferida sentença que julgou “provado e procedente o presente processo de jurisdição voluntária e atribuo a título de arrendamento a antiga casa de morada de família à requerente, C..., para aí residir com os filhos menores dela e do requerido, podendo substituir as fechaduras das portas do edifício, sendo tal necessário para garantir a segurança dos residentes e dos seus bens.

Como contrapartida do uso da moradia, a requerente pagará mensalmente ao requerido J... uma renda de duzentos e cinquenta euros (€250)”.

Não conformado com esta decisão, impetrou o requerido recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: I. ...

  1. Assim, dever-se-á revogar a sentença por outra em que atribua a casa ao requerido.

* Pela requerente e ora recorrida foram interpostas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

QUESTÕES A DECIDIRNos termos do disposto nos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, a única questão a decidir que delimita o objecto deste recurso, consistem em apurar: a) se a sentença proferida nos autos é nula por excesso de pronúncia; b) se se verificam os pressupostos para atribuição da casa de morada de família à requerente;FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:“Factos provados (com interesse para a decisão da causa): 1. Na ação de divórcio entre requerente e requerido foi atribuída a ambos a utilização da casa de morada de família até à partilha.

  1. Considerando insustentável manter-se o ex-casal a viver em conjunto após o divórcio, a requerente acabou por sair da casa comum na Primavera de 2019, sem que tenha existido acordo entre os ex-cônjuges para a partilha.

  2. A requerente veio a arrendar em 1/5/2019 um apartamento de tipo T-2 onde se instalou com os filhos menores, pela renda mensal de €265.

  3. A requerente instaurou em 5/4/2019 um processo de Inventário que atualmente se encontra pendente, correndo termos sob o n.º ... no Cartório Notarial da Dr.ª...

  4. O requerido veio a ser detido em Setembro de 2020, mantendo-se em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional do …, a aguardar julgamento.

  5. A filha C... nasceu em 9/12/2007 e o filho T... nasceu em 7/12/2011.

  6. A filha de requerente e requerido tem 13 anos e o filho de ambos tem 9 anos de idade, dormindo no mesmo quarto no apartamento arrendado pela mãe.

  7. A requerente está disposta a pagar o valor da prestação bancária da casa, de cerca de €250, caso a moradia lhe seja atribuída para ali passar a residir com os filhos.

  8. A requerente recebeu a retribuição líquida de €834,71 em Janeiro de 2021.

  9. A moradia em questão é composta de garagem, r/c, 3 quartos no 1.º andar, 3 casas-de-banho e sótão.

*Factos não provados ou sem interesse para a decisão da causa: Os demais do requerimento inicial e da contestação.” Ao abrigo do disposto no artº 662., nº1 do C.P.C. decide este coletivo aditar, oficiosamente, os seguintes factos por relevantes para a resolução da causa e por constarem de documento (certidão e registo predial e certidão das Finanças juntos aos autos apensos de incumprimento de responsabilidade parentais (apenso A): 11-Pela AP. ... de 2003/08/26 mostra-se registada a aquisição por compra pelo...

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