Acórdão nº 2706/20.9T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

SUMÁRIO ELABORADO E DA RESPONSABILIDADE DO RELATOR I-Com a Lei 4-B/2021 visou o legislador impedir a proliferação de casos de contágio generalizado da doença Covid 19 e, ao mesmo tempo, salvaguardar a regular tramitação dos actos e procedimentos ainda que em processos não urgentes, quando se não verifique este perigo de contágio, assegurando assim às partes o direito a um processo equitativo e decidido em prazo razoável (cfr. artº 20º, nº 1 e 4 da Constituição).

II-Neste objectivo se inserem as excepções à regra geral de suspensão de prazos, contidas no nº 5 do artº 6º-B da Lei 4-B/2021.

III-A norma contida na alínea d) do nº 5 do artº 6º-B da lei 4-B/2021 deve ser interpretada no sentido de que não se suspendem os prazos para recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão final proferida no processo, independentemente do momento em que essa decisão seja proferida, por só assim se mostrar salvaguardado os imperativos constitucionais de observância de um processo equitativo e justo e da igualdade e proporcionalidade das medidas restritivas de direitos liberdades e garantias, previstos nos artºs 20º, nº 1 e 4, 13º e 18º da Constituição. Proc. nº 2706/20.9T8LRA.C1 -Apelação Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria- Juízo Central Cível de Leiria-J3 Recorrente: B..., LDA Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Jaime Ferreira Teresa Albuquerque Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação De COIMBRA: RELATÓRIO B..., LDA.

intentou ação declarativa de condenação contra A..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a importância de €106.808,15 (cento e seis mil oitocentos e oito euros e quinze cêntimos), acrescida de juros calculados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para o efeito alega, em síntese, ter outorgado contrato de seguro, titulado pela Apólice nº ..., mediante o qual transferiu para a A..., Companhia de Seguros, SA, ora Ré, a responsabilidade civil extracontratual e a responsabilidade civil contratual, que seja imputada ao segurado enquanto na qualidade ou no exercício da atividade expressamente referida nas Condições Especiais e Particulares, tendo a R. ficado obrigada de acordo com o ponto 1.6 do art. 1 da Condição Especial do referido contrato, a garantir os danos patrimoniais decorrentes de lesões materiais causadas a estruturas e/ou propriedades, adjacentes e/ou contíguas ao local dos trabalhos, pertença de terceiros, durante e devido à execução dos trabalhos seguros, desde que tais danos resultem de acidentes directamente relacionados com a execução dos trabalhos seguros.

Mais alega que tendo ocorrido danos numa obra por si realizada por via de operações de soldagem que causaram um incêndio, tendo a R. recusado assumir a responsabilidade decorrente do aludido contrato de seguro.

Citada a R. contestou alegando que o sinistro e os referidos danos estão excluídos do âmbito da apólice de seguro.

Após foi proferida saneador sentença que absolveu a R. do pedido e condenou a A. nas custas da ação.

Notificados da sentença proferida em 13/01/21, veio o A. interpor requerimento em 16/03/21 peticionando que o tribunal recorrido declare que não ocorreu o trânsito em julgado da decisão, o que foi deferido por aquele tribunal em 13/04/21, considerando sem “efeito o termo de trânsito datado de 04/03/2021.” Após, com data de 30/04/2021, veio a A. interpor recurso da aludida decisão, admitido como tempestivo pelo tribunal a quo.

Por despacho proferido pela ora Relatora em 21/09/21 foi determinada a notificação do recorrente para se pronunciar sobre a intenção da relatora de indeferir este recurso, por extemporâneo.

Notificado deste despacho, o ora recorrente veio responder nos seguintes termos: “Em 01.02.2021 foi publicada a Lei nº 4-B/2021 que estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19.

Dispõe o nº 1 do art. 6-B da referida Lei que são suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais (...), sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

Por seu turno, na al. d) do nº 5 do mesmo art. 6-B determina-se que o disposto no n.º 1 não obsta a que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.

Não sofre discussão que o dito nº 1 estabelece a REGRA GERAL para a realização de diligências e contagem de prazos para a prática de actos processuais no âmbito das medidas adoptadas em tempo de pandemia da doença COVID-19 – suspensão de todas as diligências e de todos os prazos para a prática de atos processuais Como se afigura indiscutível consubstanciar a regra contida na al. d) do nº 5 uma das EXCEPÇÕES àquela regra geral.

Da leitura atenta e literal desta al. d) resulta que a regra geral contida no nº 1 pode não se aplicar (ou, numa interpretação mais restritiva da expressão “não obsta”, não se aplica) quando se trate de proferir decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências.

Nesta hipótese – prolação de sentença em processo em relação ao qual o tribunal entenda não ser necessária a realização de novas diligências, no período durante o qual a regra geral estabeleceu a suspensão de todas as diligências e de todos os prazos para a prática de atos processuais – sim, não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.

Parece evidente que caso o legislador pretendesse incluir nas excepções à regra geral a não suspensão do prazo para interposição de recurso, em toda e qualquer situação – ou seja, de decisões proferidas antes da entrada em vigor da Lei nº 4-B/2021, como de decisões proferidas no âmbito da vigência desta Lei – não teria feito a ressalva contida na dita al. d), nos exactos termos em que o fez – prolação de decisão final no período durante o qual a regra geral estabeleceu a suspensão de todas as diligências e de todos os prazos para a prática de atos processuais.

Pura e simplesmente ter-se-ia limitado à determinação da não suspensão do prazo para interposição de recurso, como excepção à regra geral.

É uma incongruência? Até se poderá concordar.

Tanto mais quanto é certo que, visando a lei em causa a protecção dos cidadãos em situação de pandemia, evitando com a sua aprovação as deslocações a um Tribunal e, por conseguinte, o agravamento da situação epidemiológica, muitos outros actos judiciais poderiam ter sido excepcionados, porque não dependentes ou condicionados por aquelas deslocações.

Contudo, pergunta-se: a previsão da citada alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º- B, abrange as situações em que foi proferida decisão final nos processos, independentemente da data, ou seja, quer tenha sido antes ou após a entrada em vigor da lei? Embora numa solução não isenta de dúvidas, a nossa resposta é negativa. Com efeito, a lei é bem expressiva ao aludir “[a] que seja proferida decisão final”, o que nos remete para a prolação das decisões após a vigência da lei: se o legislador pretendesse abarcar todas as decisões proferidas, quer antes quer após a entrada em vigor da lei, afigura-se que teria utilizado um diferente enunciado linguístico.

Por isso, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), a alínea d) ao aludir “[a] que seja proferida decisão final”, só pode reportar- se a decisão final proferida após a entrada em vigor...

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