Acórdão nº 310/13.7TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução14 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra BB pedindo a condenação da R.: - A título principal, com fundamento em direito de regresso:

  1. No pagamento da quantia de € 208.366,04 despendida pelo A. e nas quantias a despender na amortização do empréstimo contraído pela R. para aquisição de um apartamento e respectivas obras, empréstimo do qual o A. foi fiador e que foram integralmente liquidadas pelo A.; b) No pagamento da quantia de € 13.013,12 pelo pagamento de metade de todas as prestações de amortização do empréstimo contraído em comum para aquisição de uma garagem por parte da R. e que foram igualmente integralmente suportadas pelo A.; c) E ainda no pagamento da quantia de € 44.752,00 despendida pelo A. e nas quantias a despender relativamente a seguros obrigatórios associados a esses empréstimos bancários.

    - A título subsidiário, com fundamento em enriquecimento sem causa:

  2. No pagamento da quantia de € 204.082,72, correspondente ao empobrecimento do A. e correspectivo enriquecimento da R. pela aquisição do direito de propriedade do mencionado apartamento; b) A quantia de € 13.013,12, em que se saldou o empobrecimento do A. e correspondente enriquecimento da R., pela aquisição de ½ do direito de propriedade da mencionada garagem; c) A quantia de € 44.752,00, relativa ao empobrecimento do A. com o pagamento dos seguros obrigatórios indexados aos mencionados empréstimos. Em qualquer das situações, peticiona ainda a condenação da R. no pagamento dos respectivos juros de mora.

    Alegou, em síntese, ter vivido com a R. em união de facto durante cerca de vinte anos, tendo um filho em comum, para além dos filhos da R. de um anterior casamento, e que no decurso dessa relação, por decisão conjunta, a R. adquiriu um apartamento para casa de morada de família, sito na Rua …, em …., tendo sido acordado que ficaria apenas em nome desta por razões relacionadas com a vida profissional do A., ainda que a intenção fosse que ficasse a pertencer ao património do agregado familiar. Para tal, a R. contraiu um empréstimo bancário destinado à aquisição da fracção e realização de obras, empréstimo no qual o A. figurou como fiador; para além disso e como complemento à habitação, a R. adquiriu uma garagem, tendo A. e R. contraído um outro empréstimo para aquisição desta. Alega o A., em relação a ambos os empréstimos, ter sido sempre ele quem exclusivamente liquidou as correspondentes prestações de amortização e procedeu ao pagamento dos prémios de seguro, sem que a R. tenha contribuído para tal, uma vez que não auferia rendimentos estáveis e suficientes para fazer face a essas despesas.

    A R. deduziu contestação defendendo, em síntese, que sempre auferiu rendimentos provenientes da sua actividade profissional e que, ao longo dos anos, os depositou na conta na qual eram feitos os débitos das prestações em montante global não inferior a € 337.508,33, que o valor do empréstimo contraído para a aquisição da garagem apenas em cerca de metade foi utilizado para esse propósito e, bem assim, que contribuiu para o sustento do agregado familiar pagando sozinha diversas despesas comuns.

    No decurso dos autos, o A. veio ampliar os pedidos formulados, actualizando para € 214.031,25 (relativamente ao primeiro mútuo), para € 22.208,95 (relativamente ao segundo mútuo), e contabilizando os juros vencidos no montante total de € 34.981,60, em função das novas amortizações dos empréstimos que foi realizando, concluindo, assim, pelo pedido global de € 315.973,80. Por sentença proferida em 2 de Outubro de 2017 foi a acção julgada integralmente improcedente quanto aos pedidos principal e subsidiário formulados.

    Inconformado, interpôs o A. recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

    Em 9 de Julho de 2020 foi proferido acórdão, que, alterando a matéria de facto, revogou a decisão recorrida e decidiu: «A. Julgar parcialmente procedente o pedido principal, a título de direito de regresso, condenando a ré a pagar ao autor: - a quantia de € 22.208,95, referente às prestações do mútuo contraído parcialmente para aquisição da garagem, até 06-04-2016, bem como as quantias que, na proporção de metade, tenham sido ou venham a ser pagas, exclusivamente pelo autor, enquanto condevedor, a idêntico título de amortização (capital e juros), computada desde aquela data e até à sua total liquidação, e ainda os juros moratórios, vencidos e vincendos, sobre tais quantias já pagas, desde a citação e até integral pagamento; - a quantia que se liquidar em execução de sentença, relativamente a metade das quantias despendidas pelo Autor, com o(s) seguro(s) obrigatório(s) indexado(s) a tal empréstimo.

    1. Julgar parcialmente procedente o pedido subsidiário, fundado no enriquecimento sem causa, condenando a ré a pagar ao autor: - a quantia de € 211.599,87, por referência ao mútuo relativo à aquisição da fracção e realização das obras, respectivos juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, computados desde a citação e até integral pagamento - a quantia que se liquidar em execução de sentença, relativamente às quantias despendidas pelo Autor, com o(s) seguro(s) obrigatório(s) indexado(s) a tal empréstimo.» 2.

    Vem a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando conclusões que, pela sua extensão de cinquenta e sete páginas, aqui não se reproduzem, e nas quais se identificam, como questões objecto do recurso, saber se o acórdão recorrido: A. É nulo, designadamente, por falta de fundamentação e por condenar em objecto diverso, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e e), do CPC (cfr. conclusões 1 a 24 da revista); B. Enferma de erro na apreciação das provas, nos termos do art. 674.º, n.º 3, do CPC, e se a matéria de facto é contraditória e deve ser objecto de ampliação, nos termos do art. 682.º, n.º 3, do CPC (cfr. conclusões 25 a 53 da revista); C. Errou ao considerar inexigível peticionar a dissolução da união de facto para o exercício dos direitos pretendidos fazer valer na acção e que tal poderia ser suprido oficiosamente pela Relação (cfr. conclusões 54 a 66 da revista); D. Errou, de facto e de direito, ao considerar verificados os pressupostos do direito de regresso em relação ao empréstimo contraído, nomeadamente, para aquisição da garagem e, bem assim, quanto ao pagamento ao autor dos prémios de seguro (cfr. conclusões 67 a 74 da revista); E. Errou, de facto e de direito, ao considerar verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa em relação ao empréstimo contraído para aquisição da fracção para habitação, por não existir qualquer enriquecimento ou correlativo empobrecimento (cfr. conclusões 75 a 98 da revista); F. Errou ao aplicar o instituto do enriquecimento sem causa quando este tem natureza subsidiária e por o recurso a esta figura constituir abuso do direito (cfr. conclusões 99 a 104 da revista); G. Errou ao considerar que o contributo da R. para as despesas comuns do agregado familiar não é judicialmente exigível por corresponder ao cumprimento de uma obrigação natural, sendo a interpretação do acórdão violador do princípio constitucional da igualdade (cfr. conclusões 105 a 111 da revista); H. Devia ter considerado, mesmo que se verificassem os requisitos do enriquecimento sem causa, que o A. actuou em abuso do direito, tendo, com a presente acção, tido um comportamento contraditório violador da confiança suscitada na R.. (cfr. conclusões 112 a 130 da revista).

    O Recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, com a manutenção da decisão do acórdão recorrido, e chamando à colação um facto jurídico ocorrido após a audiência final, que consiste na venda pela R. da fracção para habitação pelo preço de um milhão e quatrocentos mil euros, conforme escritura pública de que junta certidão.

    1. Por acórdão da conferência de 3 de Dezembro de 2020 o tribunal a quo pronunciou-se no sentido da não verificação das invocadas nulidades do acórdão recorrido.

      Cumpre apreciar e decidir.

    2. A factualidade dada como provada, no seguimento das modificações e aditamentos realizados pela Relação, é a seguinte: 1. Autor e Ré viveram como marido e mulher desde data não anterior a 1992 nem posterior a Março de 1994 e até Setembro de 2010.

    3. Por escritura pública outorgada no … Cartório Notarial … a 10.10.96, foi celebrado contrato de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra «C» que corresponde ao primeiro andar do prédio urbano situado na Rua ..., números ...e ...., em ..., descrito na … Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …96 da freguesia da ... e inscrito na correspondente matriz predial urbana sob o artigo …87, pelo qual a Ré adquiriu tal imóvel (adiante designado por apartamento da Rua ...) a CC, pelo preço de vinte e cinco milhões de escudos (€124.699,47).

    4. Pelo mesmo instrumento notarial, foi celebrado um contrato de mútuo em que intervieram o Banco de Investimento Imobiliário, SA. [do grupo Millennium BCP] na qualidade de mutuante, a Ré, na qualidade de mutuária e o Autor na qualidade de fiador e principal pagador, em virtude do qual foi emprestado à Ré, com a obrigação de restituição, o montante de vinte e oito milhões e quinhentos mil escudos (correspondentes a €142.157,40), sendo vinte e cinco milhões de escudos (correspondentes a €124.699,47) destinados ao pagamento da aquisição da fracção acima referida e os restantes três milhões e quinhentos mil escudos (correspondentes a € 17.457.93) destinados ao pagamento de obras de beneficiação na mesma fracção.

    5. Nos termos do disposto na cláusula quarta do documento complementar anexo à escritura, estipulou-se que o empréstimo seria concedido por dezassete anos a contar de 15 de Outubro de 1996 e seria amortizado em duzentas e quatro prestações mensais, de capital e juros, tendo a primeira vencimento no dia 15 de Novembro de 1996.

    6. O pagamento das prestações de...

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