Acórdão nº 475/04.9TBALB-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução14 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA e BB deduziram os presentes embargos de executado contra Caixa Geral de Depósitos, SA alegando, para tanto e em síntese breve, a nulidade da citação para a execução, a ineptidão do requerimento executivo e a insuficiência dos títulos executivos, porquanto a exequente não preencheu o campo relativo à exposição de factos. Invocam ainda a inexigibilidade do crédito exequendo e a inexistência de título executivo, porquanto sendo fiadores do contrato, não renunciaram ao benefício do prazo, pelo que deveriam ter sido interpelados previamente à instauração da ação executiva, o que não sucedeu.

Admitidos os embargos de executado, a exequente contestou, peticionando a improcedência dos mesmos.

Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferida sentença a qual se reproduz na parte dispositiva: “Pelo exposto, julgo procedentes os embargos de executado deduzidos por AA e BB contra Caixa Geral de Depósitos, SA, declarando extinta a execução movida contra estes executados...” Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a embargada/exequente, tendo a Relação do Porto, em Acórdão, proferido a seguinte “V - Decisão Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação e, revogando a sentença recorrida, decidem: Relativamente à questão da inexigibilidade do crédito exequendo, julgar os embargos deduzidos apenas procedentes no que toca aos juros moratórios, declarando-se não exigíveis os juros que foram peticionados até à data de citação dos embargantes; Determinar o prosseguimento dos autos para apreciação das demais questões suscitadas.”.

Agora inconformados os embargantes AA e BB, interpõem recurso de revista, apresentando conclusões que rematam com as seguintes CONCLUSÕES: A. O douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto do qual ora se recorre julgou parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela exequente/Embargada e, revogando a Sentença proferida em 1.ª instância, decidiu que, apesar de a perda do benefício do prazo não ser extensível aos fiadores e de não existir a interpelação admonitória aos Embargantes fiadores, ora Recorrentes, para procederem ao pagamento do valor em dívida, nem a título de mora, nem a título de vencimento antecipado da obrigação, a citação dos fiadores para a execução conduz à imediata exigibilidade de todas as prestações em dívida, acrescidas de juros moratórios a contar dessa data da citação; e ordenar o prosseguimento dos autos para apreciação das demais questões suscitadas nos embargos.

B. Ora, salvo melhor opinião, e com o devido respeito, não podem os ora Recorrentes concordar com o douto Acórdão recorrido na parte em que considera que, apesar de não existir a interpelação admonitória aos Embargantes fiadores, a citação dos fiadores, ora Recorrentes, para a execução conduz à imediata exigibilidade de todas as prestações em dívida e devidas até ao final do prazo dos contratos, assim como dos juros moratórios a partir dessa data, que lhes é desfavorável, delimitando, assim, objetivamente o âmbito do presente recurso a essa parte da decisão.

C. Ora, como nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC, o fundamento específico da revista é a violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável, parece ser inquestionável a competência deste Colendo Tribunal para a apreciação da questão de direito que aqui lhe é colocada e que se resume, no fundo, à da relevância da citação para os presentes autos de execução dos Embargantes fiadores, ora Recorrentes, no domínio da exigibilidade da obrigação exequenda e os seus efeitos.

D. Não tendo havido recurso da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, tem-se esta por definitivamente fixada e assente, que aqui, por razões de economia processual, se dá como integralmente reproduzida para todos os legais e devidos efeitos.

E. Assim, resulta provado e assente que a Exequente não procedeu à interpelação dos Embargantes, enquanto fiadores, antes de intentar a ação executiva (ponto K) dos factos provados).

F. Igualmente, nas decisões proferidas pelas duas instâncias é entendimento coincidente de que a perda do benefício do prazo não é extensível aos fiadores - que, no caso dos autos, não renunciaram ao benefício do prazo - e que seria necessária a interpelação aos mesmos.

G. Pelo que, temos como divergente nas duas decisões a relevância a atribuir à posterior citação para a presente execução efetuada aos Embargantes, enquanto fiadores, e os seus efeitos e a inexigibilidade da obrigação exequenda.

Senão vejamos.

H. A citação é um ato jurídico pelo qual se dá conhecimento a determinada pessoa de que foi proposta contra ela determinada ação, se intima a comparecer em juízo e se adverte de que, no caso da ação executiva, deve pagar ou se opor em determinado prazo e sob determinadas sanções, e, com o devido respeito, não tem os mesmos efeitos que a realização da interpelação admonitória.

I. Diversamente, a interpelação consiste no ato pelo qual o credor comunica ao devedor a sua vontade de receber a prestação e, por via desta comunicação, dele reclama o cumprimento.

J. Conforme resulta da matéria de facto provada nestes autos, os Embargantes fiadores, ora Recorrentes, nunca foram interpelados para pôr fim à mora dos devedores principais, ou para pagar o montante sob execução ou qualquer outro.

K. Assim sendo, como bem se entendeu na sentença proferida pela Meritíssima Senhora Doutora Juiz de Direito do Juízo de Execução ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., com a qual concordamos na íntegra, “Se, como vimos, o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não venceu constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente de interpelação ao devedor, o banco exequente não estava dispensado da legal comunicação aos fiadores.

Dada a ausência da realização da interpelação admonitória dos fiadores, não pode considerar-se a mesma realizada através da citação para a execução, porque não visa pôr termo à mora ou impedir a resolução do contrato”.

(negrito e sublinhado nossos).

L. Ademais, não tendo ocorrido a interpelação admonitória dos fiadores, não pode a mesma considerar-se realizada através da citação para a execução, porque esta não se mostra idónea para afastar a regra do artigo 782.º e fazer funcionar o regime do artigo 781.º, ambos do CC, com vencimento da totalidade das prestações, conforme se entendeu - a nosso ver bem - na sentença da 1.ª instância, e tem sido entendimento jurisprudencial de que são exemplos, além dos acórdãos aí referidos, com argumentos que acompanhamos, cfr. também o Acórdão do STJ de 20-09-2007, processo n.º 2228/07, relator Duarte Soares; o Acórdão do STJ de 19-01-2016, processo n.º 1453/12.0TBGDM-B.P1.S1, relator Gabriel Catarino; o Acórdão do STJ de 18-01-2018, processo n.º 2351/12.2TBTVD-A, relatora Fátima Gomes; o Acórdão do STJ de 29-11-2016, processo n.º 100/07.6TCSNT-A.L1.S1, relator Gabriel Catarino, disponíveis em www.dgsi.pt, entre outros.

M. Ora, é certo que nos termos dos acordos dos autos, o pagamento das quantias objeto dos três contratos de mútuo em que os Embargantes/ Recorrentes se constituíram fiadores deveria ser efetuado em prestações e, assim, faseadamente, aplicando-se o disposto no artigo 781.º do CC, mas, deste preceito resulta a mera exigibilidade das prestações e não o vencimento automático, vencendo-se a totalidade da dívida, apenas depois da inerente e necessária interpelação.

N. Pois, o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se venceu constitui um benefício que a lei concede ao credor, não prescindindo de interpelação ao devedor, na medida em que constituindo uma mera faculdade que aquele pode ou não exercer, pretendendo fazê-lo, deverá dar disso conhecimento ao devedor.

O. Salvo estipulação contratual em contrário [o que não ocorreu no caso dos autos], conforme é entendimento coincidente nas duas instâncias, a perda do benefício do prazo, instituída no artigo 781.º do CC, não se estende aos coobrigados do devedor, entre os quais se inclui o seu fiador, nos termos do referido artigo 782.º do CC, pelo que, querendo agir contra estes, o credor terá de aguardar o momento em que a obrigação normalmente se venceria.

P. Assim, a interpelação do fiador nas obrigações fracionadas desempenha uma finalidade muito específica, permitindo levar ao conhecimento do fiador o valor das prestações vencidas e não pagas pelo principal devedor, bem como comunicar-lhe a possibilidade de as pagar no prazo admonitório fixado pelo credor, de modo a poder-lhe exigir o pagamento das prestações que se fossem vencendo.

Q. O momento para a interpelação do fiador deve ser anterior à resolução, no caso de o credor pretender pôr termo ao contrato, ou anterior ao momento em que o credor decida optar pelo vencimento antecipado, nos termos previstos no artigo 781.º do Código Civil, para permitir ao fiador pagar as prestações vencidas e não pagas pelo devedor principal, que serão, naturalmente, de valor muito inferior ao valor das prestações que se venceram em decorrência da perda do benefício do prazo (cfr. J. H. Delgado de Carvalho, Temas de Processo Civil, A prática da teoria, Quid juris?, Lisboa, fevereiro de 2019, p. 166).

R. Pelo que, a citação para a execução dos fiadores, ora Recorrentes, não pode produzir o mesmo efeito da interpelação para efeitos de perda do benefício do prazo, nem colmata a ausência de realização da interpelação admonitória.

S. Ademais, no caso dos presentes autos, a falta de interpelação aos fiadores/ Recorrentes – os quais apenas foram citados, pela primeira vez, em 05-06-2020, sendo a propositura da execução datada do ano de 2004 – fez com que os mesmos ficassem impedidos, pela venda do imóvel hipotecado no âmbito...

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