Acórdão nº 101/21.1T8LNH.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA DE ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução13 de Outubro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I–RELATÓRIO Por sentença proferida em 17 de Maio de 2021, no recurso de contraordenação nº 101/21.1T8LNH do Juízo de Competência Genérica da Lourinhã, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foi julgado improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pela recorrente AM L_____ e, em consequência, mantida a decisão recorrida nos seus precisos termos, que ordenou a cassação do título de condução n° L-1...... pertencente à mesma recorrente.

A recorrente AM L_____ interpôs recurso desta decisão, tendo sintetizado as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões: A)–As alegadas infrações rodoviárias na origem do processo de cassação do título de condução da Recorrente ocorreram entre 21 de agosto de 2017 e 23 de janeiro de 2018, pelo que o presente procedimento de cassação de título de condução por contraordenação rodoviária encontra-se prescrito à presente data; B)–Tendo em conta a prova testemunhal produzida nos autos, devem ser dados como provados os factos seguintes: 1.2.-As contraordenações que servem de fundamento aos presentes autos foram cometidas pela Dra. JL______, filha da Recorrente.

2.7.-O marido da arguida encontra-se muito doente ou, pelo menos, incapacitado de exercer a condução para cumprir as tarefas essenciais que a lide doméstica quotidiana exige.

2.8.-É a Recorrente quem conduz para cumprir todas as tarefas essenciais da vida doméstica quotidiana e não tem que a ajude com essas tarefas.

2.9.-Quando um condutor se encontra numa situação em que já só tem 5 ou menos pontos no seu título de condução, deve ser notificado desse facto pela ANSR para frequentar uma ação de formação.

2.10.-No caso da Recorrente, isso não aconteceu.

2.11.-A ANSR tem a obrigação de verificar e fiscalizar os pontos que cada condutor tem a cada momento.

C)–Ficou provado nos autos que não foi a Recorrente quem cometeu as infrações que estão na origem do presente processo, pelo que não lhe pode ser aplicada qualquer sanção pelos factos que constituem essas infrações.

D)–Devia ter sido atribuída à Recorrente a gratificação prevista no artigo 121.°-A, n.° 2, do CE, uma vez que nos três anos antes da data em que se tornou definitiva a primeira decisão que serve de fundamento aos presentes autos, a Recorrente foi condenada por qualquer contraordenação grave, muito grave, ou crime rodoviário, e a lei não exige nenhum outro requisito para o efeito, nem estabelece outro termo para a contagem daquele prazo.

E)–Consequentemente, mesmo após a subtração dos pontos decorrente das infrações na origem dos presentes autos, a Recorrente ficaria com pelo menos 1 ponto na sua carta que, por isso, não deve ser cassada.

F)–Ao não ter notificado a Recorrente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 9.°, n.° 1, do Decreto Regulamentar n.° 1-A/2016 e no artigo 148.°, nºs 4 e 8, do CE, a ANSR denegou à Recorrente o seu direito a adequar o seu comportamento à lei ou de, pelo menos, de tomar providências para evitar que o seu título de condução fosse cassado pela alegada prática de infrações que não cometeu.

G)–O pressuposto previsto nos referidos preceitos não é despiciendo nem facultativo, mas antes uma exigência legal.

H)–A ANSR é titular dos processos de contraordenação estradal e de cassação de títulos de condução, é responsável pela sua condução nos termos da lei e tem o dever de verificar e fiscalizar os pontos que cada condutor tem a cada momento I)–Cabe à ANSR gerir as suas competências e os processos a seu cargo de modo a cumprir a lei e nada no caso sub judice a impedia de o fazer, uma vez que teve perfeitamente oportunamente para dar cumprimento a todos os requisitos procedimentais impostos pela lei.  J)–A ANSR não fica desonerada de cumprir o previsto no artigo 9º, n.º 1, do Decreto Regulamentar nº l-A/2016 pelo facto de, supostamente, a condutora já só ter 0 (zero) pontos quando a técnica responsável pegou no processo.

K)–Consequentemente, deve a Recorrente ser notificada para frequentar a ação de formação e devem ser desconsideradas as infrações posteriores à subtração de pontos ao seu título até só ter 5 pontos, o que implica a não aplicação da sanção de cassação do título de condução da condutora.

L)–Por fim, a aplicação da lei sancionatória não pode ser aplicada em abstrato, desprovida da apreciação da situação do sujeito a que é aplicada ou desconsiderando-a, sob pena de frustrar os fins a que se destina.

M)–Caso contrário, a norma sancionatória que o admitisse seria inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18º nº 3, da CRP.

N)–Deve o douto Tribunal ter em conta que a Recorrente é uma pessoa sexagenária, cuidadora de família, incluindo o marido doente, que o facto de não poder obter novo título antes de decorridos dois anos sobre a cassação acarreta custos e constrangimentos para o seu quotidiano que tornam a sanção de cassação do título de condução excessivamente gravosa, onerosa e penalizadora para a Recorrente e para a sua família, ainda para mais tendo em conta que não foi a Recorrente quem cometeu as infrações em causa.

Termos em que, concedendo V. Exas. provimento ao presente recurso e revogando a Sentença recorrida, substituindo-a por outra que reconheça e declare a prescrição do procedimento ou revogue a decisão de cassação proferida pela ANSR, substituindo-a por outra que não aplique aquela sanção à Recorrente.

Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou a sua resposta, na qual concluiu: 1.–A recorrente alega que a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 27º e 28º, nº1, alíneas a) e b), do RGCO, pois que não declarou a prescrição do procedimento contra-ordenacional subjacente aos presentes autos, designadamente, por estarem em causa infrações rodoviárias ocorridas entre 21-08-20217 e 23-01-2018.

  1. –A cassação da carta de condução da recorrente, nos termos previstos no artigo 148º, nºs 2 e 4, alínea c), do referido diploma legal, como consequência das penas acessórias de proibição de conduzir à mesma aplicadas, não consubstancia um procedimento por contraordenação rodoviária, nem tampouco é uma sanção acessória, pelo que não se lhe aplica o disposto no artigo 188º, nº 1, do Código da Estrada, 3.–Acresce, ainda, o que se refere por mera intenção de exaurimento da questão, que, atento o disposto no nº 10, do artigo 148º, do Código da Estrada, "a cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do nº 4 é ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução." (sublinhado nosso).

      4.–Tendo a decisão final de cassação da autoridade administrativa sido notificada à arguida ora recorrente a 25-03-2020, que nunca o procedimento contraordenacional se encontraria prescrito, dado não ter ainda decorrido o supra referido lapso temporal de 2 anos.

  2. –A recorrente pretende interpor "recurso com reapreciação da prova gravada" e, para tanto, alega que ter sido produzida prova, em sede de audiência de julgamento, a qual determina dever ser dado como provado que as contra-ordenações que, designadamente, determinaram a perda de pontos da carta de condução da recorrente, foram cometidas não pela recorrente, mas por terceira pessoa, pelo que a recorrente não poderia ter sido condenada pela respectiva prática, nem tampouco perder a totalidade dos pontos da sua carta de condução que determinou a cassação da mesma.

  3. –Em matéria contraordenacional existe uma via única de recurso, restrito à matéria de direito, seguindo o regime previsto nos artigos 73º, 74º, e 75º, todos do RGCO, sendo tabelar a estipulação prevista no n.º 1, do referido artigo 75º: "Se o contrário não resultar deste diploma, a 2º instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões." 7.–A concreta identificação do agente que praticou as contra-ordenações que determinaram a perda de pontos da carta de condução da recorrente que, subsequentemente, conduziram à cassação da mesma, poderia e deveria ter sido sindicada em sede própria, no âmbito de tais autos de contra-ordenação, para os quais foi notificada, nos termos legais.

  4. –Sindicância essa que não sucedeu em nenhum dos 7 autos de contra-ordenação que conduziram à perda de pontos que determinou, a final, a cassação da carta de condução de que a recorrente era titular.

  5. –Alega a ora recorrente que deveria ter beneficiado da gratificação prevista no artigo I21.a-A, n.2 2, do Código da Estrada, a qual determinaria que a recorrente poderia ter mantido pelo menos um ponto na sua carta de condução, que assim não teria sido cassada.

  6. –Tal gratificação - consubstanciada na atribuição de 3 pontos a cada 3 anos sem registo de contra- ordenações graves ou muito graves, ou crimes rodoviários - foi introduzida pela Lei nº 116/2015, de 28-08, e entrou em vigor a 01-06-2016.

  7. –As 7 contra-ordenações em que a recorrente foi condenada ocorreram entre 21-08-2017 e 23-01-2018, e as respectivas notificações entre os dias 31-03-2019 e 15-05-2019, pelo que a recorrente não poderia ter beneficiado de tal bonificação, pois que o referido prazo de 3 anos nunca poderia ter ocorrido.

  8. –Aventa, ainda, a recorrente, que a ANSR não a notificou nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 9º, n.º 1, do Decreto Regulamentar nº l-A/2016, e no artigo 148º, nºs 4 e 8, do Código da Estrada, pelo que o processo contra-ordenacional estaria ferido de invalidade, porquanto dependente de tal notificação.

  9. –Tal obrigação de notificação por parte da ANSR, depende da possibilidade de frequência de uma ação de formação de segurança rodoviária, o que sucede quando o condutor atinja 5 ou menos pontos, e/ou da sujeição a prova teórica do exame de condução, quando o condutor atinja 3 ou menos pontos.

  10. –No caso presente, temos que a ora recorrente foi condenada pela prática de 7 contra-ordenações graves e, em consequência, foi automaticamente subtraída de 2 pontos...

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