Acórdão nº 103/20.5GDETZ de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Outubro de 2021
Magistrado Responsável | BEATRIZ MARQUES BORGES |
Data da Resolução | 12 de Outubro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Inquérito n.º 103/20.5GDETZ que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, foi proferido Despacho Judicial pelo Meritíssimo JIC do Juízo de Competência Genérica de Fronteira, com o seguinte teor: “Entende este Tribunal que, face ao ora promovido nessa matéria, não existe perigo de a ofendida (...) falecer (não padece de doença grave) nem de a mesma se ausentar para o estrangeiro ou para parte incerta, i.e., não existe perigo de a mesma ficar impedida de ser ouvida em eventual audiência de julgamento (artigo 271º/1,a contrario sensu, do Código de Processo Penal).
Além disso, é prática deste Tribunal proceder sempre à inquirição do(a) ofendido(a) em audiência de julgamento, mesmo que o(a) mesmo(a) já tenha sido ouvido(a) em declarações para memória futura, em nome do princípio fundamental da imediação, porque muitas vezes o Juiz de Instrução Criminal não é o mesmo Juiz do Julgamento, o que é assaz frequente no que concerne ao tipo legal de crime em apreço nos presentes autos.
É também frequente, neste tipo legal de crime, o(a) ofendido(a), após ter prestado declarações para memória futura, exercer, em audiência de julgamento, a faculdade legal, prevista no artigo 134º do Código de Processo Penal, de não prestar declarações, com a consequente inutilidade prática das declarações para memória futura.
Por conseguinte, de modo, sim, a evitar a duplicação de audições da ofendida e a evitar a sua revitimização resultante da sua sucessiva e repetitiva tomada de declarações, por inconveniente ao seu estado psíquico, emocional e psicológico, decide-se Indeferir a tomada de declarações para memória futura da ofendida (...).
Notifique. Após, devolva-se estes autos aos Serviços do Ministério Público.” 2. Do recurso 2.1. Das conclusões do Ministério Público Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “A. Nos presentes autos, são investigados factos susceptíveis de integrar a prática, em abstracto, de um crime de violência doméstica agravado, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do C.P., tendo sido constituído arguido (...).
-
Por requerimento datado de 13/05/2021, requereu o Ministério Público a recolha de declarações para memória futura à ofendida, nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
-
Por despacho datado de 15/06/2021, tal pretensão foi recusada, com fundamento em que, por um lado, não existe perigo de a ofendida falecer nem de a mesma se ausentar para o estrangeiro ou para parte incerta e, por outro, o Tribunal ter a prática de proceder sempre à audição da vítima em audiência de julgamento, sendo de evitar a sucessiva e repetida prestação de declarações.
-
O Tribunal a quo aplicou a norma constante do artigo 271.º, n.º 1 do C.P.P. no que respeita à factualidade legitimadora para a prestação de declarações no decurso do inquérito, valoráveis aquando da realização do julgamento.
-
No entanto, no entender do ora Recorrente, a norma a aplicar não é a supra mencionada, mas antes a constante do artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e à assistência das suas vítimas.
-
A ofendida tem ainda a característica de ser uma vítima especialmente vulnerável, nos termos do disposto no artigo 67.º-A, al. b) e n.º 3 do C.P.P., atendendo a que o crime ora em investigação é, nos termos do disposto no artigo 1.º, al. j) do C.P.P., enquadrável no conceito de criminalidade violenta, porquanto se trata de conduta dolosamente dirigida contra a integridade física e liberdade pessoal das pessoas.
-
Ora, da factualidade em causa nos presentes autos, seja dos factos concretamente imputados ao arguido, seja a relação existente entre este a ofendida, necessário se torna concluir que deveria ter sido aplicado o regime constante do artigo 33.º, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e não o regime aplicado pelo Tribunal a quo, constante do artigo 271.º, n.º 1 do C.P.P..
-
Não obstante, e ainda que assim não se entenda, isto é, caso se entenda que o Tribunal a quo aplicou a norma constante do artigo 33.º Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, ocorreu um erro na interpretação da norma.
I. Verifica-se a que o Tribunal a quo entendeu a norma prevista no artigo 33.º da referida Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, como aplicando-se a casos excepcionais.
-
Pelo contrário, entende o Ministério Público que a interpretação na norma em causa, até pela sua inserção sistemática em diploma de proteção das vítimas de violência doméstica, tem de ser a de apenas indeferir a produção de declarações para memória futura quando se verifique a existência de razão relevante que objectivamente desaconselhe a recolha antecipada da prova requerida.
-
Fundamental, neste caso, muito mais do que o modo como o Tribunal possa ter acesso à prova, é o direito da vítima a não ser secundariamente vitimizada, bem como o direito que lhe assiste a que a prova seja recolhida e preservada nas melhores condições de tempo, de modo e de lugar.
L. No caso em apreço, a tomada de declarações para memória futura, precavendo a prova e poupando a vítima ao ambiente potencialmente hostil do julgamento, justifica-se plenamente.
-
Será no...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO