Acórdão nº 30/17.3T8PRD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Outubro de 2021
Magistrado Responsável | MIGUEL BALDAIA DE MORAIS |
Data da Resolução | 04 de Outubro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 30/17.3T8PRD.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Paredes – Juízo Local Cível, Juiz 1 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha*Sumário ……………………………… ……………………………… ………………………………*Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO B… intentou a presente ação declarativa com processo comum contra C…, Ldª, pedindo que: (i) se decrete a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre as partes e que teve por objecto o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Mercedes-Benz, modelo …, com a matrícula ..-..-SA e consequentemente; (ii) se condene a ré a restituir-lhe o preço da compra no montante de 13.000,00€ (treze mil euros), acrescido dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; (iii) ou quando assim se não entenda, deve o negócio ser anulado por erro, sendo a ré condenada a restituir-lhe a quantia de 13.000,00€ (treze mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; (iv) mais devendo a ré ser condenada a restituir-lhe o valor de 480,00€ (quatrocentos e oitenta euros) que liquidou à oficina de reparação.
Para substanciar tais pretensões alegou ter celebrado contrato de compra e venda com a ré que teve por objecto mediato o identificado veículo automóvel, em estado de usado, tendo procedido ao pagamento do preço acordado no montante de € 13.000,00.
Acrescenta que aquando da celebração do contrato, aparentemente e externamente o veículo encontrava-se em regular estado, tendo a ré garantido que o mesmo estava em boas condições de funcionamento e os seus órgãos essenciais, nomeadamente o motor, se encontravam impecáveis.
Alegou ainda que algum tempo após a aquisição da viatura notou que a mesma era portadora de diversas anomalias, designadamente que o motor se desligava sozinho, assim como a caixa de velocidades automática começou a descontrolar-se e a engrenar a 3ª velocidade em vez de primeira e vice-versa, tendo ainda verificado que a quilometragem foi adulterada dos reais 497.063 para os fictícios 150.914.
Refere ter-se sentido enganado e defraudado nas suas expectativas, pois que os Kms. que a viatura marcava no conta-quilómetros, bem como a garantia dada pela ré quanto à sua qualidade e bom estado geral, foram condição essencial para a decisão de a adquirir.
Citada a ré apresentou contestação impugnando os factos alegados pelo autor, adiantando que este quando a procurou para adquirir um veículo lhe transmitiu que o seu propósito era a compra de uma viatura Mercedes Classe “.”, usada, não importando o número de anos ou quilómetros e que o fundamental era que a mesma fosse barata.
Acrescenta que, por ter adquirido o ajuizado veículo a terceiro, desconhecia qualquer alteração ou adulteração de quilometragem, tendo procedido à venda do veículo na convicção de que o mesmo se encontrava em boas condições de funcionamento e com 181.785 Kms.
Foi requerida e admitida a intervenção acessória provocada de D…, “E…, S.A.”, “F…, Lda”, “G…, Unipessoal, Lda”, “H…, Ldª., I… e J….
Proferiu-se despacho saneador em termos tabelares, definiu-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizou-se audiência final com observância do formalismo legal, vindo a ser proferida sentença que julgou a «acção parcialmente procedente, decidindo: . declarar a anulabilidade do contrato de compra e venda celebrado entre Autor e Ré, em 06 de Maio de 2016, que teve por objecto o veículo automóvel de marca Mercedes, modelo …, com a matrícula ..-..-SA; . condenar a Ré a restituir ao Autor a quantia por este entregue, a título de preço de aquisição do referido veículo, devendo o Autor restituir à Ré o veículo em causa; . condenar a Ré no pagamento ao Autor da quantia de €480,00, a título de indemnização por danos patrimoniais; . condenar a Ré no pagamento dos juros de mora, à taxa legal, sobre as referidas quantias, desde a citação, até efectivo e integral pagamento; . absolver a Ré do demais peticionado».
Não se conformando com o assim decidido, veio a ré interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES: ……………………………… ……………………………… ………………………………*Notificado o autor apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
*Após os vistos legais, cumpre decidir.
***II- DO MÉRITO DO RECURSO 1. Definição do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas: . determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto; . decidir em conformidade face à alteração, ou não, da materialidade objeto de impugnação, mormente dilucidar se existe fundamento para a anulação/resolução do contrato celebrado entre as partes.
***2. Recurso da matéria de facto 2.1. Factualidade considerada provada na sentença O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto: 1- A Ré dedica-se ao comércio de veículos automóveis novos e usados, peças e acessórios, lubrificantes, manutenção e reparação de veículos automóveis, das categorias ligeiros de passageiros, mistos e de mercadorias, com estabelecimento denominado “C…” sito na Rua …, n.º …, ….-… em …, Paredes.
2- Em 6 (seis) de Maio de 2016, a Ré, no exercício desta sua atividade comercial, mediante o preço global de 13.000,00€ (treze mil euros), vendeu ao ora A., que lhe comprou, em estado de usado, o veículo automóvel da categoria ligeiro de passageiros, marca Mercedes-Benz, modelo …, com a matrícula ..-..-SA..
3- O preço da compra foi pago pelo A. à Ré da seguinte forma: 10.000,00€ (dez mil euros) aquando da celebração do negócio, 1.000,00€ (mil euros) em Junho de 2016, 1000,00€ (mil euros) em Julho de 2016 e outros 1000,00€ (mil euros) em Agosto de 2016, encontrando-se integralmente liquidado e dada a sua devida quitação pela Ré, desde a data de 11 de Agosto de 2016, aquando do pagamento da última prestação.
4- Aparentemente e externamente o veículo encontrava-se em regular estado e a Ré garantiu isso mesmo.
5- Referiu ao A., que o veículo vendido estava em boas condições de funcionamento e os seus órgãos essenciais, nomeadamente o motor, se encontravam impecáveis.
6- Logo após a aquisição e iniciadas os primeiros KMs sob a condução do A., este notou que a viatura era portadora de anomalias, tais como: a) pernos das rodas danificados; b) todos os retrovisores danificados e fixos apenas para não cair; c) o fecho da porta do condutor danificado; 7- E como os problemas persistiam o A. contactou o representante legal da Ré, o Sr. S…, para que este diligenciasse pela resolução dos problemas que a viatura apresentava, por forma a pôr termo às mesmas.
8- Por indicação da Ré, o A. colocou para reparação e revisão a viatura “SA” na oficina “K…”, sita na Rua …, n.º .., ….-…, em … – Paredes.
9- Tendo o representante legal da Ré dito ao A. que apenas liquidaria metade do valor da reparação, ao que o A. apesar de não ser sua a responsabilidade por tal, acedeu, na esperança de resolver, de vez, os problemas que a viatura “SA” apresentava.
10- Para proceder ao levantamento da viatura, o A. liquidou à oficina K… a quantia de 480,00€ (quatrocentos e oitenta euros), correspondente a metade do valor total da reparação.
11- Pese embora a factura total ter sido emitida em nome do C…, Lda, sem o consentimento expresso do A. e sem que o Stand tenha liquidado o valor total.
12- Os problemas na viatura “SA” sucediam-se e o motor passou a desligar-se sozinho, assim como a caixa de velocidades automática começou a descontrolar-se e a engrenar a 3ª velocidade em vez de primeira e vice-versa.
13- Quando o A. ligou ao representante legal da Ré, e por diversas vezes, para lhe dar conta de que o motor se desligava sozinho, este, as mais das vezes não atendia, e outras tantas, maltratava-o telefonicamente, sem nunca assumir qualquer responsabilidade.
14- Confrontado com a ausência de resposta e do assumir de responsabilidades por parte da Ré, ao mesmo tempo que, a viatura continuava a apresentar diversos problemas como o motor ir abaixo, sem mais nem menos, o A. decidiu levá-la à oficina autorizada Mercedes-Benz da L…, SA, para um check-up.
15- Eis senão quando é confrontado com o seguinte diagnóstico: “viatura em mau estado”, conforme melhor consta na Factura junta sob o doc. n.º 7.
16- Foi o A., nessa data de 07/10/2016, informado pelos mecânicos da L… que dificilmente a viatura “SA” poderia apresentar o número de KM’s de 198.397, descrito na última inspeção periódica realizada em 14/09/2016, atento o mau estado em que se encontrava.
17- Uns dias mais tarde e em acto contínuo, o A. deslocou-se então ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, sito na Avenida …, …/…, no Porto, a fim de verificar se a quilometragem do “SA” indicada pelo conta-quilómetros da viatura corresponderia ou não à real.
18- Tendo obtido a certidão junta sob os docs. n.ºs 8 e 9.
19- E da mesma se extrai a informação de que a viatura Mercedes-Benz, modelo …, com a matrícula ..-..-SA, vendida pela Ré ao A., ao invés dos 198.397 KM inscritos no conta-quilómetros do interior e descritos na inspeção efetuada em 14/09/2016, já apresentava, em 12/07/2012, 497.063.
20- Entre 12/07/2012 e 19/07/2013 a quilometragem foi adulterada dos reais 497.063 para os fictícios 150.914, uma diferença de 346.149 KM.
21- Que é razão para o...
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