Acórdão nº 121276/19.8YIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Outubro de 2021
Magistrado Responsável | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 07 de Outubro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso de Apelação ECLI:PT:TRP:2021:121276.19.8YIPRT.P1*Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Em Conferência Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: Pelo relator foi proferido nos autos a seguinte decisão singular: «A sentença recorrida foi notificada às partes mediante expediente elaborado em 21.01.2021, razão pela qual a notificação se considera feita no dia 25.01.2021.
No dia 26.01.2021, iniciou-se a contagem do prazo legal de interposição de recurso, o qual, no caso, por não incluir impugnação da decisão sobre a matéria de facto com fundamento em prova gravada, era de 30 dias.
Esse prazo conclui-se no dia 24.02.2021, razão pela qual, tendo sido apresentadas apenas no dia 05.05.2021, as alegações de recurso foram apresentadas após o termo do respectivo prazo.
Esta conclusão é afectada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro? A nosso ver, não.
Esta Lei alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e estabeleceu um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
Rompendo com a solução anterior a nova Lei não suspendeu todos os prazos e expressamente não suspendeu «os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão» [artigo 6.º-B, n.º 5, alínea d)].
Segundo dispõe o n.º 5 do artigo 6.º-B, «o disposto no n.º 1 (leia-se a suspensão dos prazos) não obsta: … d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão.
Existe quem interprete o disposto neste preceito legal como reportando-se apenas às sentenças proferidas após a entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021 [o “caso em que..” é lido como “no caso de vir a ser” proferida decisão final].
Sublinhe-se aliás que no caso concreto embora a decisão tenha sido proferida com data anterior àquela em que se produziram os efeitos da Lei n.º 4-B/2021 (cf. artigo 4.º - 22.01.2021) a sua notificação já se considera feita em data posterior a essa.
O nº 1 do artigo 6º-B, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, prevê efectivamente a suspensão dos prazos para a prática de actos processuais, mas, afirma-o expressamente, «sem prejuízo do disposto nos números seguintes».
Portanto, é a própria lei, para evitar dúvidas, que consagra que o disposto nos números seguintes condicionam, modificam, alteram ou impedem essa suspensão. Logo a questão é inevitavelmente uma questão de interpretação das normas legais, de busca do seu sentido, finalidade e coerência lógica.
O artigo 9.º do Código Civil estabelece o seguinte regime legal: «1.
A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
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Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
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Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.» É sabido que toda a norma legal carece de interpretação, isto é, que sobre ela seja exercida uma tarefa de determinação do seu sentido para que ela possa ser aplicada correctamente a um caso concreto, uma tarefa de descoberta e atribuição de um significado ao enunciado linguístico da norma.
Interpretar é procurar a norma que o texto pretende manifestar, é ir além do que a norma expressa e alcançar a regra que ela pretende consagrar. O que implica ir além do texto, colocá-lo no respectivo contexto, recorrer aos fins da lei, às circunstâncias da lei, à mente do legislador. Tudo para lograr descobrir por trás da força das palavras a razão da lei, fixando-lhe o alcance e o sentido.
As normas legais carecem sempre de interpretação, não apenas quando a solução parece a mais óbvia ou conveniente. A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. Ela compreende elementos textuais e extratextuais que permitam alcançar a compreensão de um enunciado.
Desde logo, o chamado elemento literal que é a letra da lei; depois os elementos lógicos, como o histórico, o racional e o teleológico, que no seu conjunto e de modo concatenado permitirão apreender o sentido da norma.
Segundo o ensinamento de Santos Justo, in Introdução ao Estudo do Direito, 11.ª ed., 2020, Petrony Editora, págs. 312-313, o elemento literal, também dito gramatical, são as palavras em que a lei se exprime. Ele constitui apenas o ponto de partida da interpretação jurídica. As suas funções são duas: afastar a interpretação que não tenha uma base de apoio na letra lei, ainda que mínima; privilegiar de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem. Em relação ao primeiro, dever-se-á ter presente a suposição de que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento e, por isso, serviu-se do vocabulário jurídico adequado. Quanto ao segundo, ocorre em matérias técnicas, onde assume um sentido próprio ou peculiar. E sobre o último, que é o sentido comummente entendido, dir-se-á que o legislador se dirige a todos os cidadãos e é necessário que o entendam.
Quanto aos elementos lógicos, o elemento histórico reflecte a história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei) e as circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada; o elemento sistemático advém de a ordem jurídica formar um sistema e a norma dever ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; e o elemento racional ou teleológico leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, à sua razão de ser (ratio legis).
Se o legislador entendeu que os prazos de interposição de recurso das decisões proferidas já em pleno...
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