Acórdão nº 577/18.4PCLRS.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULA PIRES
Data da Resolução09 de Outubro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acórdão deliberado na 9º secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa * I. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO, no âmbito do processo acima referenciado, veio interpor recurso do despacho da Mma Juíza proferido em 23/10/2020 que rejeitou a acusação, - nos termos do art. 311º nº2 al. a) e nº3 al. d) do C.P.P., e art. 274º, nº1,4 e 5 do C.P., proferida contra o arguido AA, acusado, nos termos do artº 274º nº 1, 4 e 5 do C.P. de um crime de incêndio florestal, - por entender que os factos descritos na acusação e que delimitam o objecto do processo não constituem crime, mas antes sim, eventualmente, uma contra-ordenação p.p. pelo art. 39º do D.L 310/2002 de 18/12 e art. 47º do mesmo diploma legal.

* I.1. DESPACHO RECORRIDO que se transcreve «O Ministério Público deduziu acusação nos presentes autos contra AA, imputando-lhe a prática, de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art.274º nºs 1, 4 e 5 do C.Penal.

Prescreve o art. 274º do Código Penal que: Quem provocar incêndio em terreno ocupado com floresta, incluindo matas, ou pastagem, mato, formações vegetais espontâneas ou em terreno agrícola, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos (nº1).

Se a conduta prevista no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa (nº4).

Se a conduta prevista no número anterior for praticada por negligência grosseira ou criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até cinco anos (nº5).

Da acusação constam, designadamente, os seguintes factos: “No dia 19 de Agosto de 2018, pelas 18h30/18h45, o arguido encontrava-se num terreno baldio composto de caniçais, silvados, ervas anuais e hortas sito nas traseiras do lote ………, na Estrada Militar, Frielas concelho de Loures, onde explorava uma horta e que confina com um talude.

Naquela ocasião o arguido fez uma fogueira (sublinhado nosso) a fim de confecionar uma refeição, contudo, face ao vento, ao tempo quente, à acentuada inclinação do talude e à presença de ervas secas por via da regeneração natural das espécies e que constituíam fonte de combustível e material altamente inflamável com a aproximação de uma chama, as chamas da fogueira propagaram-se para além da mesma, numa área de 2 hectares, queimando caniçais, silvas, mato, ervas e hortas que aí existiam, designadamente uma pertença de BB.

(...) O arguido tinha conhecimento das condições climatéricas que se verificavam bem como das características do terreno, do que nele se encontrava e das suas características inflamáveis (sublinhado nosso) bem como dos terrenos contíguos e da proximidade de habitações e de que existiam pessoas no seu interior.

Ao proceder da forma temerária supra descrita, o arguido foi o único responsável pela propagação das chamas e pela destruição, pela queima (sublinhado nosso), dos caniçais, ervas anuais, silvados, mato e hortas, actuando com manifesta imprudência, irresponsabilidade e leviandade e omitindo os especiais deveres de cuidado inerentes ao uso do fogo que sobre si recaíam e de que era capaz, aos quais sabia estar obrigado e que no caso se impunham observar, atentas as circunstâncias e características do local e do tempo que se fazia sentir e que bem conhecia.

De modo a evitar um resultado que podia e devia ter previsto mas que não configurou como possível, o arguido podia e devia ter omitido a realização da fogueira, tanto mais que sabia no verão é proibido o uso do fogo em áreas idênticas bem como que em terreno inclinado, rodeado por vegetação, alguma já seca por via da regeneração natural das espécies, em dia quente e seco, existia no local material altamente inflamável com a aproximação de uma chama e que facilmente se propagaria, colocando em risco as habitações e a vida e integridade física de terceiros.

(...)” Como se decidiu no Ac do TRE de 23-02-2013, relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador João Gomes de Sousa, para o tipo penal do artigo 274º, o incêndio florestal, são essenciais os conceitos de «atear fogo» e «incêndio». O atear fogo será um dos elementos que delimita negativamente o tipo penal. Quem ateia fogo não causa, ipso facto, incêndio. O tipo penal exige um mais! Por isso que se imponha determinar em termos de facto se estamos perante atear fogo ou se já estamos perante incêndio, tendo presente que será a tónica do excesso que delimitará os dois conceitos.

Ora, tendo em conta os factos descritos na acusação e ainda que os mesmos viessem a resultar provados na sua totalidade em sede de audiência de julgamento, não se poderia concluir que estivéssemos perante um incêndio na acepção do preceito legal.

Como se refere de uma forma pragmática no citado aresto, “o que é fogo, fogueira, queima e queimada não é incêndio” (sublinhado nosso).

Os factos descritos na acusação dizem respeito à actuação do arguido de fazer uma fogueira que por via de factores da natureza (vento, tempo quente...), as chamas daquela se propagaram.

Os factos constantes da acusação não se integram, assim, no conceito legal. A actuação do arguido seria eventualmente susceptível de ser integrada no art.39º do DL 310/2002 de 18 de Dezembro que poderia fazer o arguido incorrer em responsabilidade contraordenacional (art.47º do mesmo diploma legal), para cuja apreciação e decisão são responsáveis as entidades administrativas.

Dispõe o art. 311º do Código de Processo Penal: 1. Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.

  1. Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada; b) De não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do nº1 do artigo 284º e do nº4 do artigo 285º, respectivamente.

  2. Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: a) Quando não contenha a identificação do arguido; b) Quando não contenha a narração dos factos; c) Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou d) Se os factos não constituírem crime.

Tendo em conta o supra enunciado, rejeito a acusação deduzida pelo Ministério Público contra AA, determinando-se o oportuno arquivamento dos autos. (arts.274º nº1, 4 e 5 do Código Penal e 311º nº2 al.a) e nº3 al. d) do Código de Processo Penal).

Não são devidas custas.

Notifique.

Deposite.» * I.2. Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO (conclusões que se transcrevem): 1 – Constitui objecto do presente recurso o despacho proferido em proferido em 23/10/2020, no qual a Mmª. Juiz rejeitou a acusação, nos termos do art. 311º nº2 al. a) e nº3 al. d) do C.P.P., e art. 274º, nº1,4 e 5 do C.P., vindo o arguido AA, acusado, nos termos do artº 274º Nº 1,4 e 5 do C.P. de um crime de incêndio florestal, por entender que os factos descritos na acusação e que delimitam o objecto do processo não constituem crime, mas antes sim, eventualmente, uma contra-ordenação p.p. pelo art. 39ºº do D.L 310/2002 de 18/12 e art. 47º do mesmo diploma legal; 2 - Fundamentou a Mmª Juiz a sua posição da seguinte forma: O arguido vinha acusado da prática de um crime de incêndio florestal p.p nos termos do artº 274º Nº1,4 e 5 do C.P., por nas circunstâncias de tempo e lugar referidos na acusação o arguido fez uma fogueira a fim de confecionar uma refeição, contudo, face ao vento, ao tempo quente, à acentuada inclinação do talude e à presença de ervas secas por via da regeneração natural das espécies e que constituíam fonte de combustível e material altamente inflamável com a aproximação de uma chama, as chamas da fogueira propagaram-se para além da mesma, numa área de 2 hectares, queimando caniçais, silvas, mato, ervas e hortas que aí existiam, designadamente uma pertença de BB; 3 - Como se decidiu no Ac do TRE de 23-02-2013, relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador João Gomes de Sousa, para o tipo penal do artigo 274º, o incêndio florestal, são essenciais os conceitos de «atear fogo» e «incêndio». O atear fogo será um dos elementos que delimita negativamente o tipo penal. Quem ateia fogo não causa, ipso facto, incêndio. O tipo penal exige um mais! Por isso que se imponha determinar em termos de facto se estamos perante atear fogo ou se já estamos perante incêndio, tendo presente que será a tónica do excesso que delimitará os dois conceitos; 4 - Ora, tendo em conta os factos descritos na acusação e ainda que os mesmos viessem a resultar provados na sua totalidade em sede de audiência de julgamento, não se poderia concluir que estivéssemos perante um incêndio na acepção do preceito legal, pois, como se refere de uma forma pragmática no citado aresto, “o que é fogo, fogueira, queima e queimada não é incêndio”; 5 - Os factos descritos na acusação dizem respeito à actuação do arguido de fazer uma fogueira que por via de factores da natureza (vento, tempo quente...), as chamas daquela se propagaram, pelo que os factos constantes da acusação não se integram, assim, no conceito legal, sendo apenas eventualmente susceptível de ser integrada no art.39º do DL 310/2002 de 18 de Dezembro que poderia fazer o arguido incorrer em responsabilidade contra-ordenacional (art.47º do mesmo diploma legal), para cuja apreciação e decisão são responsáveis as entidades administrativas; 6 - Com este fundamento, rejeitou a Mmª Juiz a acusação deduzida pelo Ministério Público contra AA, determinando-se o oportuno Arquivamento dos autos. (arts.274º nº1, 4 e 5 do Código Penal e 311º nº2 al.a) e nº3 al. d) do Código de Processo Penal), posição esta, que salvo o devido respeito, não concordamos; 7 - A fase em que os presentes autos se encontram, em que foi deduzida acusação e não foi requerida a abertura...

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