Acórdão nº 2238/20.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelRICARDO FERREIRA LEITE
Data da Resolução07 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

***Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo – Sul: I. Relatório L... , com nome social M...

, Recorrente/Autor nos presentes autos, em que é Réu/Recorrido o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, vem recorrer do acórdão do TAC de Lisboa, datado de 3 de Abril de 2021, que julgou improcedente a ação interposta, confirmando a decisão de inadmissibilidade do pedido para concessão de asilo e/ou residência por proteção subsidiária internacional, tudo nos termos e para os efeitos do disposto na Lei n.° 27/2008, de 30 de junho.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões: “A. A questão decidenda nos presentes autos consistiu e consiste em saber se a decisão do SEF, conforme o que se determina na sentença recorrida, se tratou de uma decisão correta ao aplicar, como fundamento para determinar a inadmissibilidade do pedido do Recorrente, o disposto na al. d) do artigo 19°-A da mencionada Lei do Asilo, nomeadamente ao interpretar e decidir que os EUA, enquanto país de proveniência do Recorrente, se trata efetivamente de um país terceiro seguro a fim de permitir a perentória inadmissibilidade do pedido de asilo e proteção internacional apresentado.

  1. Entendeu a sentença recorrida, tal como o fez o SEF, estarem reunidos os pressupostos e condições para aplicação da mencionada disposição legal, justificando assim a inadmissibilidade do pedido, por existir, neste caso os EUA, um país terceiro considerado seguro, até para efeitos do disposto no artigo 2°, n° 1, al. r) da lei do Asilo.

  2. Existiu também o entendimento, embora com apenas relevância indireta na decisão, que o Recorrente se revelou contraditório nas motivações da sua deslocação para Portugal, não o fazendo, segundo o entendimento do tribunal e com base nas declarações prestadas, por motivos legalmente atendíveis para efeitos de concessão de asilo ou proteção internacional, mas apenas por motivos económicos ou humanos, ainda que ponderosos e aceitáveis.

  3. A decisão recorrida errou gravemente ao considerar, primeiramente, que as motivações e fundamentos da chegada a Portugal não mereciam proteção internacional por parte do Estado Português, nos termos e para os efeitos da legislação aplicável.

  4. Errou ainda ao tomar os EUA como país terceiro seguro, para efeitos da Lei do Asilo, quando, face ao que foi concluído na própria decisão, nomeadamente que a entrada nos EUA só poderia ser realizada após retorno ao país da nacionalidade do Recorrente, este não poderia assumir o carácter de Estado terceiro para efeitos de inadmissibilidade do pedido apresentado pelo Recorrente.

  5. A desconsideração ou contradição das motivações do Recorrente não estiveram na origem da decisão do SEF nem fundamentou a própria decisão recorrida ao corroborar com a decisão administrativa anterior.

  6. O entendimento do tribunal quanto às declarações do Recorrente foi erróneo dado que este foi bem claro quanto aos perigos e violações dos seus direitos mais essenciais, nomeadamente o direito à sua autodeterminação de género sexual, levando a sucessivas perseguições e maus-tratos, inclusivamente nos EUA.

  7. A decisão recorrida não contraria tais alegações, mas acaba por as considerar contraditórias com outras motivações apresentadas pelo Recorrente, nomeadamente no que concerne à legitima intenção de este melhorar as suas condições de vida ou a problemática de, pese embora com o decurso de tantos anos, nunca ter conseguido a sua legalização nos EUA ou que este país lhe concedesse qualquer tipo de proteção.

    I. É notório que a decisão recorrida confunde a existência de motivações legítimas para a concessão de asilo e proteção internacional em Portugal, nomeadamente a existência, de perseguição e discriminação de que o Recorrente sempre foi vítima em razão da sua condição de transgénero, com o facto de esta ser a única motivação existente.

  8. A vida do Recorrente, tal como de todas as pessoas, é um fenómeno de composição complexa em que várias pretensões se misturam e encontram, ainda mais tendo o fator económico e social tanta importância na vida comum.

  9. O facto de serem evidenciadas outras preocupações e motivações não invalida a existência das motivações reais e autênticas, como bem se provou nos autos, e que derivam da vivência do Recorrente nas Honduras e nos EUA.

    L. O Recorrente foi claro ao mencionar que que a situação nos EUA se agravou ao longo dos anos, sendo que a própria decisão recorrida não teve dúvidas ao reconhecer as alterações políticas e sociais sentidas naquele país em razão das políticas da presidência Trump, afetando especialmente a comunidade LGBT como se sabe.

  10. Não existe qualquer contrariedade nas declarações do Recorrente, nem as suas motivações são principalmente económicas ou de outra natureza, apenas sucede que são motivações e preocupação paralelas e até derivadas de alterações sociais súbitas, agravando logicamente a posição do Recorrente.

  11. O que a decisão recorrida teria que afirmar e comprovar é que, independentemente da existência de outras motivações, as ameaças à integridade física e dignidade do Recorrente, as quais legitimam o acesso a asilo e proteção internacional em Portugal, não se verificaram e não foram legítimas sendo certo que a decisão Recorrida isso não fez, limitando-se, outrossim, a explorar contrariedades indubitavelmente inexistentes.

  12. Porquanto caso o pedido de asilo e proteção subsidiária internacional não se tivesse por não admitido, em razão da decisão do SEF já impugnada (por força da al. d) do n° 1 do artigo 19° A), sempre se encontrariam reunidos os pressupostos legais de aplicação dos artigos 3° ou, subsidiariamente, do artigo 7° da Lei n° 27/2008, de 30 de junho.

  13. A questão central da decisão do SEF prende-se com a verificação, entendeu-se, de um país terceiro seguro para efeitos de aplicação da al. d) do artigo 19°-A da lei n° 27/2008, de 30 de junho, neste caso os EUA.

  14. A decisão recorrida teve igual entendimento, fazendo especial enfoque na relação anterior e duradoura do Recorrente com aquele país, bem como a avaliação cuidada que o SEF realizou daquele país na sua decisão para efeitos de qualificação do País terceiro seguro.

  15. Contudo, os EUA não teriam apenas de ser um país seguro, para efeitos de total respeito e compromisso pela integridade e dignidade do Recorrente, como terá de ser um País para que o Recorrente possa efetivamente voltar.

  16. Apenas será admissível a rejeição com base na mencionada alínea d) quando estiver salvaguardado o respeito pela vida, integridade física e moral e integridade de qualquer interessado, à luz do que está naturalmente definido para o conceito de país terceiro seguro.

  17. Resultou efetivamente da decisão recorrida que os EUA não serão um país a que o Recorrente possa razoavelmente regressar.

  18. Tal não foi apenas declarado pelo Recorrente, como a decisão recorrida assim o admite na sua página 63, conformando-se com o facto de que a Recorrente terá de regressar às Honduras para que depois possa legalmente entrar em solo dos EUA.

    V. O próprio Tribunal assume que o Recorrente não poderá evidentemente regressar legalmente a solo norte americano, sendo forçado a regressar às Honduras para conseguir, posteriormente, tal regresso.

  19. Facilmente se compreende que o regresso aos EUA não será razoavelmente fácil de conseguir, bastando pensar nos anos consecutivos em que o Recorrente nunca conseguiu a sua legalização neste país ou sequer qualquer estatuto de proteção.

    X. O Recorrente poderia regressar para as Honduras onde poderia estar anos a fio (ou até indefinidamente) a tentar a sua reentrada nos EUA.

  20. Quer aa decisão do SEF quer a decisão recorrida fazem aplicação da alínea d) do n° 1 do artigo 19°-A da lei do Asilo, apenas por considerarem os EUA um país terceiro seguro e nunca por assim também considerarem as Honduras.

  21. Não podendo o Recorrente razoavelmente regressar aos EUA nem sequer será aqui relevante a qualificação da sua segurança.

    AA. A decisão incide unicamente sobre essa qualificação realizada aos EUA, sendo certo que, como se disse, a este país o Recorrente não poderá razoavelmente voltar.

    BB. Nem a decisão do SEF, nem a própria decisão recorrida contêm elementos que permitam apurar a segurança das Honduras para estes efeitos.

    CC. Pelo contrário, o Recorrente juntou exaustivamente aos autos elementos e documentos comprovativos dos constantes e repetidos abusos que o regime e a sociedade Hondurenha cometem sobre as pessoas na condição do Recorrente.

    DD.A decisão recorrida limitou-se a evidenciar recente legislação Hondurenha quanto à proteção de direitos da comunidade LGBT, o que, como sabe, nada significa em termos práticos relativamente ao que verdadeiramente sucede no âmbito social.

    EE. A decisão do SEF e a decisão recorrida não dispõem de elementos que permitam tecer qualquer consideração quanto ao nível de segurança das Honduras, e, acima de tudo, a decisão de inadmissibilidade do pedido foi exclusivamente tomada tendo por base a elegibilidade dos EUA enquanto país terceiro seguro nos termos legais aplicáveis.

    FF. Na prática a aplicação da decisão recorrida consubstancia que o Recorrente estará sujeito a que se atente contra a sua vida ou a ser sujeito a tratamento altamente desumano quando for forçado a regressar às Honduras.

    GG. O espírito da previsão da mencionada alínea d) como fundamento para rejeição dos pedidos é o de que, mediante o regresso a País terceiro seguro, o Recorrente ou qualquer interessado, verá os seus mais elementares direitos assegurados sem necessidade de atribuição de asilo ou proteção internacional pelo Estado Português.

    HH. Por nenhum modo se assegura nestes autos que o Recorrente volte para os EUA, estando até admitido que não o poderá fazer, e muito menos está assegurado que realizando a única opção que lhe resta, o regresso às Honduras, este configure um País terceiro seguro nos termos e para os efeitos da Lei 27/2008, de 30 de junho.

    II. Incorre em manifesto equívoco a sentença...

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