Acórdão nº 1920/20.1BELSB-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelLINA COSTA
Data da Resolução07 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP devidamente identificada como Entidade demandada nos autos de acção de contencioso pré-contratual instaurados por M..., SA , e também contra A..., LDA.

, na qualidade de contra-interessada, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão proferida em 15.2.2021, pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, que decidiu julgar improcedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático suscitado.

Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «A – Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida pelo TAC de Lisboa que julgou improcedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no art.º 103.º-A do CPTA, requerido pela ora Recorrente com referência ao procedimento de concurso público para a aquisição de “Serviços de Estudos e Projeto do Hospital de Proximidade do Seixal, Acessibilidades e Infraestruturas”, no âmbito do qual foi proferido ato de adjudicação da proposta da concorrente A..., LDA. , contrainteressada nos autos, cuja anulação é peticionada pela Recorrida nos autos de contencioso pré-contratual a que respeita o referido incidente.

B - A Recorrente não se conforma com esta decisão por entender que a mesma enferma de erro de julgamento, por interpretação e aplicação erróneas do disposto no art.º 103.º-A nºs. 2 e 4 do CPTA, determinante da respetiva revogação, conforme se passa a demonstrar.

C – No pedido de levantamento do efeito suspensivo automático a Recorrente identificou o interesse público subjacente à decisão de contratar – a necessidade de construir e colocar em funcionamento o Hospital de Proximidade do Seixal, com a finalidade de aumentar a capacidade de resposta do Hospital Garcia de Orta, que se encontra em situação de rotura, e, assim, assegurar o reforço de cuidados de saúde naquela região, que se encontra especialmente carenciada.

D – Ou seja, está em causa o direito constitucionalmente consagrado à proteção da saúde, cuja execução compete ao Estado Português (representado pela Recorrente no procedimento em causa nos autos), constituindo a instalação do referido equipamento hospitalar uma firme prioridade estratégica do atual Governo, cujo programa estabelece como prioridade a defesa do SNS (cfr. Portaria n.º 62/2018), e, bem assim um projeto de relevante interesse público municipal, conforme deliberação da Câmara Municipal do Seixal (Doc. n.º 6 do pedido).

E – Para além de ter demonstrado que estamos perante serviços públicos de carater estrutural, essenciais ao bem estar e à saúde pública da referida população, a Recorrente demonstrou que não tem forma de superar a suspensão automática da execução do contrato através de uma contratação alternativa e que a manutenção dessa suspensão causará graves prejuízos aos interesses públicos em presença, pois postergará para um momento futuro ainda mais longínquo (e incerto) a concretização do referido equipamento.

F – A Recorrente demonstrou também que os interesses públicos subjacentes à decisão de contratar são manifestamente superiores aos interesses privados salvaguardados com a manutenção do referido efeito suspensivo, e que os danos resultantes da manutenção deste efeito mostram-se igualmente superiores aos que poderiam resultar do seu levantamento para a Recorrida.

F - Não obstante a demonstração do preenchimento dos requisitos para o deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, o Tribunal a quo indeferiu-o, revelando ligeireza na análise das implicações da manutenção deste efeito e decidindo de forma conclusiva sem suporte fático e sem ter em conta os factos públicos e notórios que demonstram o oposto.

G – Efetivamente, atenta a fundamentação da douta decisão recorrida, para o Tribunal a quo, o retardamento da execução do projeto do Hospital do Seixal apenas implicará uma perturbação no interesse público subjacente à decisão de contratar - e não um grave prejuízo para o interesse público ou gerador de consequências claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos - porque a necessidade pública de assegurar melhores cuidados de saúde às populações não será imediatamente satisfeita com a execução do contrato.

H – Ou seja, para o Tribunal a quo, sempre que a necessidade que ditou a decisão de contratar não seja imediatamente satisfeita nunca se verificará grave prejuízo para o interesse público. E isto, independentemente dos concretos prejuízos da manutenção do efeito suspensivo automático para os interesses da Recorrida (e do próprio Estado) e da ponderação dos interesses em causa que, de resto, nem sequer foi feita. Pois o Tribunal a quo nem sequer referiu – por não existir – um qualquer prejuízo para a Recorrida decorrente do levantamento do efeito suspensivo automático, o que não é admissível.

I – Efetivamente, e pergunta-se, quais são os prejuízos decorrentes para a Recorrida? São superiores a quê e em que medida? J - Fica, pois, por saber em nome de que interesse é que a recusa do levantamento do efeito suspensivo foi declarada, já que, a Recorrida defende apenas o legítimo, mas vulgar, interesse particular de qualquer concorrente com expetativa de vir a ser o escolhido e das vantagens/benefícios que poderá retirar da futura adjudicação, em contraponto com a Recorrente, que visa prosseguir um interesse público de incomensurável relevância, consistente na satisfação de necessidades fundamentais da população da península de Setúbal, nomeadamente, em matéria de saúde, desenvolvimento e bem estar.

K – Interesse público esse que, reitera-se, ficará gravemente prejudicado com a manutenção do efeito suspensivo automático do contrato na medida em que implicará um retardamento na execução do contrato – cujo prazo é, já por si, longo (238 dias) – fazendo acrescer mais uma dilação temporal (a da perduração do processo), por natureza de duração incerta, ao prazo de fornecimentos dos serviços de projeto do referido Hospital. Lançando, por conseguinte, para um momento futuro ainda mais longínquo (e incerto) a aquisição dos serviços de estudos e projeto do Hospital e, em consequência, a concretização efetiva deste equipamento público hospitalar, e, nessa medida, a satisfação das necessidades de saúde da população que irá ser servida pelo referido equipamento.

L – Acresce que, também é facto público e notório a crise de saúde pública que actualmente atravessamos, decorrente do novo coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela doença Covid-19, e em sua decorrência, o elevado grau de exigência ao nível das necessidades na saúde e de sobrecarga dos hospitais, centros de saúde e dos próprios profissionais, tornando ainda mais premente a necessidade de tomar medidas para evitar a rotura do Serviço Nacional de Saúde.

M – Sendo ainda imprevisível o desfecho desta epidemia, pois embora tenham sido desenvolvidas vacinas que já começaram a ser administradas, não é certo que garantam uma imunidade completa e duradoura, atentas as mutações do vírus que têm vindo a surgir, factos que tornam ainda mais premente a necessidade de dotar o SNS de infraestruturas hospitalares capazes de fazer face à crescente procura dos cuidados de saúde, de que o Hospital de Proximidade do Seixal é exemplo.

N – Pelo que, e contrariamente ao decidido, a manutenção do efeito suspensivo automático fará perigar de modo gravoso a satisfação do direito à saúde da população da referida região, pondo em causa o funcionamento do SNS, pois terá o efeito de retardar a concretização e colocação em funcionamento do referido equipamento hospitalar.

O – Faz-se notar que, não sendo este efeito suspensivo levantado, o mesmo perdurará enquanto se mantiver pendente a ação de contencioso pré-contratual, sendo certo que, embora estejamos perante um processo urgente, a sua tramitação não é tão célere quanto desejável. O que desde logo resulta do hiato temporal de mais de 2 (dois) meses verificado entre a data da apresentação do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático (03.12.2020) e a data da prolação de decisão sobre este incidente (15.02.2021), sendo que, apesar de a ação ter dado entrada em Tribunal em 21.10.2020, a única diligência realizada nos autos até à presente data foi a decisão deste incidente.

P – Acresce que, cabendo recurso de apelação para o TCA da decisão a proferir pelo Tribunal a quo nos autos, e tendo tal recurso efeito suspensivo, nos termos do art.º 143.º, n.º 1 do CPTA, mesmo que a sentença negue procedência ao pedido impugnatório do ato de adjudicação, mantendo-o, só com o trânsito em jugado dessa sentença cessará o efeito suspensivo automático previsto no art.º 103.º-A do CPTA, e não no momento da prolação daquela sentença.

Q – Acresce ainda que, ao referir na decisão recorrida que, “o tempo de delonga do processo judicial é um risco inerente a este tipo de procedimentos/concursos”, o Tribunal a quo olvida ainda que, na decorrência da situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, medidas excecionais, incluindo em matéria de contratação pública e realização de despesa pública (cfr. art.º 2.º e 3.º), com o intuito de garantir às entidades prestadoras de cuidados de saúde do SNS a possibilidade de aquisição, com a máxima celeridade, dos equipamentos, bens e serviços necessários prevenção, contenção, mitigação e tratamento de infeção epidemiológica por COVID-19, bem como à reposição da normalidade em sequência da mesma.

R – Uma das referidas medidas consiste precisamente na possibilidade de adotar o procedimento de ajuste direto consagrado na al. c) do n.º 1 do art.º 24.º do CCP (por critérios materiais) para a celebração de contratos de empreitada de obras públicas, de contratos de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços, independentemente da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT