Acórdão nº 3835/19.7T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelANTERO VEIGA
Data da Resolução07 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

O MºPº junto do tribunal do Trabalho, propôs ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com processo especial regulada nos artigos 186.º-K e seguintes do Código do Processo do Trabalho, contra a Ré “Associação Empresarial de ..., ... e ...”, id. nos autos, alegando, relativamente a J. F., id. nos autos, que o(s) contrato(s) que os vinculou(aram), pelas suas caraterísticas e modo do exercício da atividade era um contrato de trabalho e não de prestação de serviços, devendo, portanto, ser assim reconhecido.

Para o efeito e em suma, alegou que, apesar de sucessivos contratos intitulados como de prestação de serviços formador externo, esta exerceu sempre as funções, subordinadamente, como docente na Escola Profissional de ..., desde aquela data e até ter comunicado a sua admissão à S. Social como trabalhadora por conta de outrem no dia 13 de Junho de 2019, com efeitos a partir de 1/01/2019, invocando factos reveladores da existência desse contrato de trabalho, que assentam, nomeadamente na circunstância dela prestar as suas funções nas instalações da R., utilizar os seus instrumentos de trabalho, ter um horário pré-definido, o controle das horas de início e termo da prestação de serviços, a obrigação de justificar as respetivas faltas, o poder disciplinar que a R. tem sobre ela e estar sujeita à avaliação de desempenho.

A ré veio contestar, invocando a nulidade do processo, inadequação do meio processual apresentado, “inutilidade originária da lide”, falta de interesse em agir e ilegitimidade/incompetência do Ministério Público e, por outro, a improcedência dos fundamentos invocados para a qualificação dos contratos celebrados com a citada trabalhadora como contrato de trabalho e reiterando a existência de um contrato de prestação de serviços.

O autor respondeu às exceções e nulidade invocadas pela R, pedindo que as mesmas sejam julgadas improcedentes, por carecerem de fundamento legal.

Proferido despacho saneador que julgou improcedentes a invocadas nulidades do processo e demais exceções invocadas, veio a requerida apresentar recurso com as seguintes conclusões (em síntese): ...

3. citada para, querendo, contestar nos termos do disposto no art.º 186.º-L, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, a Recorrente contestou a ação, alegando, em suma e entre outras, i) a existência de inutilidade originária da lide, ii) a falta de interesse em agir - também em virtude da existência prévio de contrato – iii) o uso de meio processual inadequado, iv) a falta de legitimidade do Ministério Público e, por fim, v) nulidade do processo, devido, mormente, à existência de contrato de trabalho aquando a propositura da ação.

… 6. é questão fulcral deste Recurso aferir da possibilidade do presente de processo se iniciar e desenvolver quando a qualificação do contrato que ligava a Recorrente ao referido trabalho, máxime de Contrato de Trabalho já se encontrava (mais do que) assente.

7. Ressalvado o devido e natural respeito, caricaturando, o bilhete de ingresso no recinto da sobredita Acão Especial, rectius, a discussão sobre a natureza do vínculo, está ferido de morte, porquanto, como infra se demonstrará, não está sequer em discussão nos autos… 8. Calcorreados os autos, verifica-se que após realização de intervenção inspetiva à Recorrente - por intermédio de Auto por Inadequação do Vínculo que Tutela a Prestação de Atividade, lavrado no dia 11 de junho de 2019 - foi remetida notificação para que esta procedesse à regularização da situação laboral do Trabalhador, nos termos do artigo 15.º-A da Lei 107/2009.

9. Na sequência da falta de resposta da Recorrente, que à data já tinha formalizado um contrato de trabalho …, sanando, com efeito, qualquer, alegado, vício, a ACT remeteu participação ao Ministério Público com o fito de que este intentasse a Acão Especial para o Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, nos termos do artigo 186.º K e seguintes de Código de Processo de Trabalho.

… 11. a relação laboral entre a Recorrente e J. F. perdura desde 01 de janeiro de 2019, tendo as partes, de forma consciente, esclarecida e por comum acordo, decidido reestruturar a sua relação jurídica então existente, transformando-a num contrato de trabalho (com inerente alteração ao nível de direitos, deveres e obrigações). Fechando esse parêntesis, 12. no articulado inicial, através do presente meio processual, veio o Ministério Público alegar a existência de uma relação de trabalho entre a Recorrente e a Trabalhadora desde 22 de setembro de 2006.

13. Ao invés do que é propalado pelo Ministério Público, entende a Recorrente que a relação existente entre esta e a Trabalhadora, anterior ao dia 1 de janeiro de 2019, era manifestamente uma relação de Prestação de Serviços, apresentando em sede de Contestação os seus argumentos.

14. Todavia, entende a Recorrente que essa discussão, centrada apenas e tão só na antiguidade, corresponde a uma questão a ser discutida em sede de processo comum e nunca no presente processo especial.

NESTE CONSPECTO, … 16. o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou claramente os pressupostos processuais necessários e imperativos para a proposição da ação, bem como o direito da Recorrente a um processo equitativo e justo.

NESTES TERMOS, 17. o Tribunal a quo desconsiderou, para todos os efeitos legais, que à data da proposição da ação já existia um contrato de trabalho, situação que, pela natureza e objeto da ação para o Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, é idónea para impedir a sua propositura.

18. Acrescenta-se que ao fazer uso da Acão para Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, faz-se, in casu, uso de um meio processual inadequado para o fim que o Ministério Público visa obter.

19. Em consequência do explicitado supra, dá-se uma ingerência indevida e ilegítima do Ministério Público no seio de uma relação iminentemente privada, sem que haja um interesse público que justifique tal incursão.

20. Concomitantemente, tal ato constitui uma violação clara dos direitos disponíveis do trabalhador, sempre pautando a Recorrente por afirmar que em causa está a discussão da mera antiguidade do contrato e não a sua existência, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

… III. DA VALIDADE DA ACÇÃO E DA SUA IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA … Lido e relido o teor do despacho, 23. não consegue a Recorrente determinar o sentido e o alcance das afirmações do Tribunal a quo, na medida em que através dessa interpretação se ignora a vontade contratual do próprio trabalhador.

24. Uma faísca dubitativa se levanta: deve-se reconhecer um novo vínculo contratual, omitindo o já existente contrato de trabalho entre a Recorrente e J. F. … será essa a finalidade da ação? Perdoe-se-nos a alegação do óbvio: claramente que não.

VEJA-SE O SEGUINTE: 25. A Recorrente e J. F. celebraram um contrato de trabalho em 18 de abril de 2019, com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2019, acordando de comum, livre e consciente acordo, uma modificação na relação jurídica que então mantinham, com repercussões naturais nas suas recíprocas obrigações.

… 27. não se verifica, como é claro e líquido, a inexistência de contrato de trabalho e, por conseguinte, não se preenche o requisito, objeto e desiderato da presente ação: a declaração da existência do contrato de trabalho.

… ATENTEMOS AGORA PARA A LETRA DA LEI, 29. no n.º 8 do artigo no 186.º - O do Código de Processo do Trabalho consta que “A sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral.” 30. Como é jurisprudência assente e acima se aduziu, o objetivo claro e lícito da ação Especial para o Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho é o reconhecimento de UMA relação laboral! … 33. Resulta, portanto, óbvio, quer a letra da lei, quer a sua ratio, nos termos supra elencados, que o objetivo da ação é o reconhecimento da existência do contrato de trabalho, emergindo, apenas da discussão e prova da existência do contrato, aquando a sua determinação, a obrigação acessória da fixação do seu início.

… 34. jamais a estatuição de qualquer obrigação relativa ao contrato de trabalho (tal como a antiguidade…) poderá ser fundamento ÚNICO para a determinação e existência da referida ação especial, sob pena de uso ilegítimo e inapropriado do meio processual.

37. não é nestes termos de Direito lícita, por não se enquadrar no seu âmbito de aplicação, a ação em que, antes da qual já existe contrato de trabalho celebrado, se vise apenas determinar o seu início e a antiguidade do próprio trabalhador.

… 37. Entende a Recorrente que uma questão acessória como a “antiguidade” não permite o recuso ao presente processo especial, pena de nulidade insanável, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

CUMPRE-NOS, PORTANTO, SALIENTAR QUE, 38. falta à ação um pressuposto essencial para que esta possa prosseguir, que que se traduz na (in)existência de um contrato de trabalho na relação jurídico-laboral em causa, sendo nestes termos a ação inútil.

… III – MEIO PROCESSUAL INADEQUADO … 40. No caso em apreço não está em causa a necessidade de reconhecer a existência de um contrato de trabalho, porque, na verdade, esse JÁ EXISTIA à data de interposição da ação, não estando, portanto, a ação, adequada a prosseguir o seu fim fundamental, ou seja, a declaração da existência do contrato de trabalho.

ADEMAIS, 41. A lei define concretamente, no artigo 186.º - O do CPT, que resulta da sentença quando esta reconheça a existência do contrato, a determinação da data de início da relação laboral, não sendo idóneo intentar uma ação para determinação da antiguidade do contrato nos termos desta que o Autor veio propor, surgindo a determinação do período de início da laboralidade apenas como obrigação derivada/acessória da existência do reconhecimento.

42. Não podemos olvidar a existência de limitações sérias quando à...

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