Acórdão nº 12138/19.6T8PRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelFILIPE CAROÇO
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 12138/19.6T8PRT-A.P1 – 3ª Secção (apelação) Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto – J 6 Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

Por apenso ao processo de execução que lhe move a sociedade B…, S.A. o executado, C…, deduziu embargos de executado, alegando essencialmente que, aproveitando-se da sua deficiência mental, D… e uma outra mulher, intermediária, o convenceram de que lhe dariam algum dinheiro se ele assinasse alguns papéis e lhe disponibilizasse cópias do seu cartão de cidadão e dos seus recibos de ordenado.

Incapaz de compreender os riscos que corria, o embargante anuiu àquele pedido e assinou, entre outras, uma proposta de financiamento junto da embargada para financiar a aquisição de um veículo automóvel que entregou à D… logo que o recebeu. O pagamento das prestações do crédito era feito por débito direto numa conta que aquela ou uma intermediária que os acompanhou abriram com € 500,00 de entrada, no Banco E…, ficando na posse delas o cartão de débito e o respetivo código PIN que o embargante não chegou a conhecer.

Os valores dos financiamentos foram sempre entregues diretamente pela referida financeira ao stand de venda automóvel, nunca tendo passado por qualquer conta bancária ou pelas mãos do executado.

Evidencia-se um vício da vontade do embargante, por incapacidade acidental, aquando da assinatura do contrato de financiamento e dos documentos ao mesmo anexos (a livrança e a autorização para o seu preenchimento), determinante da anulabilidade do negócio subjacente à ação cambiária, com a consequente inexequibilidade do título dado à execução.

Ademais, nunca foi entregue ao embargante uma cópia do contrato de crédito referido no requerimento executivo, não lhe foi prestada qualquer informação ou explicação pré-contratual aquando da celebração do negócio e às suas cláusulas, nem foi, previamente, avaliada a sua solvabilidade (caso em que o crédito nunca lhe teria sido concedido), sendo, por isso, o contrato nulo e anulável.

Concluiu assim o seu articulado: «Termos em que, recebida a presente Oposição à execução:

  1. Se requere a suspensão da mesma por dependência de causa prejudicial – artº 272º, n1, do CPC; b) A consequente suspensão da execução apensa, seja por efeito da suspensão da oposição, seja por ter sido impugnada a exigibilidade da obrigação exequenda – artº 733º, nº 1, c), do CPC; c) QUANDO ASSIM SE NÃO ENTENDA, ser julgado nulo o contrato de crédito ao consumo que constitui a relação causal subjacente à presente acção cambiária e, consequentemente, procedente por provada a oposição deduzida.

    » Recebidos os embargos e notifica a embargada, foi apresentada contestação, com defesa por impugnação, alegando-se designadamente que foi explicado ao embargante o conteúdo do contrato, bem como as consequência que resultariam para si da sua celebração, nomeadamente a quantia mensal que teria de pagar ao embargado B…, a taxa de juro aplicável e o número de prestações mensais.

    O embargante apresentou então também vários documentos, designadamente relativos a atestar a sua capacidade financeira e só depois o contrato foi firmado, tendo-lhe sido entregue uma cópia.

    O embargante tem capacidade para compreender o sentido e o alcance das declarações por si emitidas nos documentos que assinou, e para compreender as implicações da celebração do contrato, o que bem revelou perante os funcionários da F…, Lda., a vendedora do veículo, que desconheciam e desconhecem se ele padece de algum atraso mental e se existia qualquer relação entre ele e a mulher a que se refere no requerimento inicial.

    A embargada impugnou grande parte dos factos alegados pelo embargante e defendeu a prossecução da ação executiva até obter o pagamento integral do crédito exequendo, opondo-se ao pedido de suspensão da execução.

    O tribunal suspendeu a execução.

    Teve lugar a audiência final, após a qual foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Pelo exposto, julgo os presentes embargos totalmente procedentes, por provados e consequentemente determino a total extinção da execução.

    Condeno a embargada nas custas do processo.

    Valor da causa: o já fixado, 14.163,30€.

    »*É desta decisão que a embargada recorre, tendo alegado com as seguintes CONCLUSÕES: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Defendeu desta forma que da alteração da decisão proferida em matéria de facto no sentido propugnado, resultará a improcedência dos embargos.

    *Não foram oferecidas contra-alegações.

    *Foram colhidos os vistos legais.

    *II.

    O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).

    Cumpre decidir as seguintes questões: 1. Erro de julgamento na decisão proferida em matéria de facto; 2. Nulidade da sentença; 3. Consequências jurídicas da modificação daquela decisão.

    *III.

    É a seguinte a matéria de facto considerada provada e, como tal, constante da sentença recorrida: 1. A exequente juntou ao requerimento executivo uma livrança, no valor de € 14.037,11 (catorze mil e trinta e sete euros e onze cêntimos), subscrita por C…, emitida a 08/02/2019 e com vencimento em 23/02/2019, cujo teor se dá por integralmente reproduzida.

    1. A referida livrança foi entregue ao exequente no âmbito de um acordo escrito, denominado «contrato de crédito» ao qual foi atribuído o n.º ……, celebrado entre a exequente e o subscritor, no âmbito da actividade bancária a que a exequente se dedica, junto a fls. 58 a 68 e que aqui se dá por reproduzido.

    2. Nesse acordo escrito, em suma, a embargada/exequente declarou aceitar financiar a aquisição, por banda do embargante, de um veículo automóvel, da marca Renault, modelo …, matrícula ..-RV-.., ao vendedor e intermediário «F…, LDA», pelo preço de €15.000,00.

    3. Em contrapartida, declarou o embargante obrigar-se a reembolsar o montante total financiado, de 12.900,65€ (doze mil, novecentos euros e sessenta e cinco cêntimos) em 108 mensalidades, no valor de €180,59 cada.

    4. Mais declararam as partes, com relevo: (Ponto 12. GARANTIAS DO CUMPRIMENTO, das Condições Gerais) A. Valor ca Caução:_____________ B. LIVRANÇA EM BRANCO, se e quando a B… a vier reputar como necessária ao reforço das garantias constituídas C. Reserva de Propriedade a favor da B…- 6. Das denominadas «CONDIÇÕES GERAIS» do aludido contrato consta, para além do mais, com relevo: 12. GARANTIAS DO CUMPRIMENTO 1. Para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações assumidas pelo presente Contrato o(s) CLT(s) presta(m) a favor do IC as garantias previstas nas CP.

    5. A IC poderá exigir a todo o tempo, e sem que o(s) CLT(s) recusar, quer a prestação de garantias, no caso de não terem sido prestadas, quer o seu reforço, se elas se vierem a mostrar insuficientes. A prestação de garantias, a sua substituição ou reforço, nunca implicarão novação da dívida.

    6. A garantia abrange todos os valores devidos pelo(s) CLt(s) á IC e os respectivos custos encontra-se incluídos na TAEG; caso a garantia seja prestada posteriormente à celebração do Contrato, o respectivo custo a cargo do(s) CLT(s) será o praticado no momento da sua constituição, de acordo com o preçário em vigor.

    7. O(s) CLT(s) e o(s) Avalista(s), sem necessidade de novo consentimento, autoriza(m) expressamente e de forma irrevogável, a IC a preencher e completar os títulos de crédito que este(s) lhe entregar(em) devidamente subscritos pelo(s) CLT(s) e Avalistas mas não integralmente preenchidos, nomeadamente quanto à data, local de pagamento e valor, o qual corresponderá ao saldo em dívida de capital, juros e demais encargos e despesas emergentes do contrato, podendo a IC apor a cláusula “Sem Despesas” e fazer de tais títulos o uso que entender, na defesa do seu crédito. O(s) CLT(s) e o(s) Avalista(s) esta(ão) de acordo com o preenchimento da livrança nos termos referidos, bem como toma(m) conhecimento de que as responsabilidades assumidas no título de crédito são, nos termos da regulamentação aplicável, comunicadas à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.

    8. Sendo prestadas garantias pecuniárias, o respectivo valor será restituído pela IC, por cheque, após o pagamento da última prestação do empréstimo, salvo se o(s) CLt(s) optar(em) pela afectação ao pagamento, total ou parcial, da(s) últimas(s) prestação(ões).

    9. A fiança quando prestada será considerada, para efeitos fiscais, como acessória deste Contrato.

    10. Prestada a fiança, o(s) Fiador(es) obriga(m)-se e garante(m) o cumprimento do Contrato nos mesmos termos do(s) CLT(s) o cumprimento daquele, mantendo-se a fiança por todo o tempo de Contrato, ainda que ocorram sobre este quaisquer alterações ou modificações.

    11. A utilização de títulos de crédito...

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