Acórdão nº 0695/14.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução07 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Os Herdeiros Habilitados do Autor A…………., com os sinais nos autos, inconformados com a sentença proferida (30.08.2013) pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vêm recorrer ao abrigo do artº 106º LPTA, concluindo como segue A. Dos erros de julgamento quanto à matéria de facto: 1. O Tribunal a quo levou à matéria assente o que “consta” dos estudos elaborados pela B………….. e pelo C………. Investment Bank (juntos à p.i. como docs. nºs.19 e 20), não apreciando ou decidindo sobre os factos efectivamente alegados pelo Autor, num claro non liquet proibido pela lei que subverte o objectivo probatório da instrução processual e desconsidera as regras legais sobre o valor e função dos documentos.

2. Em consequência, o Tribunal a quo decaiu em erro de julgamento, violando além do mais o disposto no artigo 8.°, n.° 1, do CC, no artigo 264.° do CPC, no artigo 513.° do CPC e nos artigos 341.°, 362.° e 371,°, todos igualmente do CC.

3. O Tribunal a quo deu como “não provados” os lucros cessantes alegados pelo Autor, fundamentando a sua decisão nas seguintes premissas: a. O estudo da B……… (doc. n.° 19, junto à p.i.) não merece credibilidade porquanto é um “estudo de mercado (...), no qual são feitas previsões e projecções que, como é referido na «Guidance Note», a final, «poderão estar sujeitas a desvios significativos, devido a acontecimentos não esperados de cariz político, económico, social e/ou específico do mercado imobiliário»; b. Foi produzida prova testemunhal que infirmou as conclusões deste estudo, designadamente “o depoimento da testemunha do A., D…………”, nos termos do qual teria sido supostamente considerado que o dito estudo “peca por ser pessimista, indicando valores que estão abaixo do razoável; c. O estudo do C…….. Investment Bank tão-pouco merece credibilidade porquanto "contém meras projecções económico-financeiras”; d. Foi igualmente produzida prova testemunhal que infirmou as conclusões deste estudo, designadamente os “depoimentos das testemunhas do A. D………….” e “E…………., Bancário do C……. Investment”.

4. A nota constante do estudo da B……….. constitui uma mera guidance note (indisclaimer), repetida em análises imobiliárias desta natureza, da qual não é possível, com objectividade e rigor, retirar qualquer consequência probatória, designadamente no sentido de descredibilizar as conclusões do dito estudo.

5. O estudo do C…….. Investment Bank contém, efectivamente, “projecções económico-financeiras", por uma razão muito simples: destinando-se a determinar lucros cessantes, essa é a opção tecnicamente correcta para proceder ao cálculo solicitado.

6. As Testemunhas D…………. e E………….. - e, bem assim, outras que depuseram - não abalaram, sequer minimamente, a credibilidade dos estudos, tendo explicado os mesmos detalhadamente.

7. Assim, a sentença a quo enferma de erro de julgamento da matéria de facto por incorrecta valoração da prova testemunhal e documental produzida.

8. Deve este Tribunal ad quem alterar a matéria de facto assente na sentença recorrida no seguinte sentido: a. Nos pontos 46 a 48 da matéria de facto assente, deverá ser retirada a parte inicial de cada um, ou seja, o inciso “No Estudo de Mercado Resorts, elaborado, em Junho de 2003, pela B………. para o Grupo F…….. consta que”, mantendo-se o restante; b. Nos da matéria de facto assente, deverá ser retirada a parte inicial de cada um, ou seja, o inciso “No Projecto da Herdade ……………. // Avaliação económico-financeira para o Grupo F...... consta que", mantendo-se o restante; c. O ponto 49 da matéria de facto deverá ser alterado para: “os lotes inseridos no loteamento urbano projectado para a Herdade ......., num cenário defensivo, teriam um valor de mercado de referência de €300 por metro quadrado, com uma margem de variação de I5%'\ d. O ponto 128 da matéria de facto deverá ser alterado para: “o Projecto ............ permitiria ao Autor auferir proveitos no valor mínimo de € 92 J 00.000,00”.

9. Subsidiariamente, caso entenda este douto Tribunal ad quem não estarem reunidos os pressupostos para a alteração da matéria de facto nos termos acima mencionados - o que se pondera sem conceder - desde já se requer que, sem prejuízo da simples revogação da sentença recorrida e baixa à 1ª instância para renovação dos meios de prova, seja decidido, em alternativa: a. Condenar o Réu no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença, nos termos do disposto no artigo 661º, nº 2, do CPC, ex vi artigo 1º da LPTA; b. Fixar uma indemnização em termos equitativos, conforme o disposto no artigo 566º, nº 3, do Código Civil.

B. Dos vícios da sentença e dos erros de julgamento quanto à matéria de direito: i. Da ambiguidade da sentença a quo 10. O Tribunal recorrido declarou não provado um facto (constante do quesito 10 da base instrutória) que havia dado como provado na Audiência Preliminar, conforme consta de despacho proferido na mesma.

11. A ambiguidade da sentença decorrente de tal circunstância implica a respectiva reforma, nos termos do artigo 669.°, nºs 1 e 3, do CPC.

ii. Enquadramento 12. O Autor fundou o pedido que suporta a presente acção no dever de indemnizar que decorre directamente da interpretação conforme à Constituição do Decreto-Lei nº 351/93, de 7 de Outubro. 13. Subsidiariamente, o Autor sustentou o pedido no dever de indemnizar por preenchimento dos pressupostos da responsabilidade por acto lícito de gestão pública previstos no Decreto-Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967.

iii. Da omissão de pronúncia quanto ao fundamento principal do dever de indemnizar alegado pelo Autor 14. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a verificação de responsabilidade civil do Estado Português por interpretação conforme à Constituição do Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro — a qual, conforme resulta do alegado, se verifica inequivocamente.

15. A sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668.°, n.° 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° da LPTA, devendo em consequência ser substituída por decisão que conheça e declare procedente o referido fundamento de responsabilidade civil, nos termos alegados e provados nos autos.

iv. Dos erros de julgamento relacionados com a natureza jurídica do Estudo Preliminar de Urbanização 16. A aprovação e ratificação do Estudo Preliminar de Urbanização, ao abrigo do Decreto- Lei n.° 400/84, de 31 de Dezembro, é um acto constitutivo de direitos.

17. Uma tal natureza constitutiva revela-se, desde logo, no carácter vinculado da decisão de aprovação ou indeferimento da subsequente licença de loteamento.

18. Se a aprovação e a ratificação do Estudo Preliminar de Urbanização não fossem constitutivas de direitos, não teria qualquer cabimento, utilidade ou enquadramento jurídico a declaração do SEALOT da incompatibilidade do dito Estudo com o PROTALI.

19. A referida natureza constitutiva de direitos foi confirmada pela decisão, transitada em julgado, do Supremo Tribunal Administrativo, que se pronunciou pela validade da declaração de incompatibilidade em causa nos autos.

v. Dos erros de julgamento quanto aos pressupostos da responsabilidade por acto lícito de gestão pública previstos no Decreto-Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967 20. Constituindo a aprovação e ratificação do Estudo Preliminar de Urbanização actos constitutivos de direitos, a declaração de incompatibilidade deste com o PROTALI, tendo por efeito a extinção daqueles direitos, é um acto susceptível de gerar prejuízos.

21. O Recorrido tem o dever de indemnizar estes prejuízos, uma vez que estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil do Estado por facto lícito, previstos no Decreto Lei nº 48051 de 21 de Novembro de 1967.

22. Apreciando dois daqueles pressupostos (a existência de prejuízos anormais e especiais e de um nexo de causalidade entre o acto lícito praticado e os prejuízos ocorridos), o Tribunal a quo concluiu pela não existência de responsabilidade civil no presente caso.

23. O Tribunal a quo decidiu mal, pois os danos alegados e provados pelo Autor são especiais e anormais e existe nexo de causalidade entre esses danos e a prolação da declaração de incompatibilidade do Estudo Preliminar de Urbanização com o PROTALI.

24. Os prejuízos alegados são especiais por serem consequência de um acto administrativo de aplicação de uma lei específica, que define um regime drasticamente diverso do genericamente aplicável aos administrados em geral e a matérias como a versada.

25. Os prejuízos alegados são anormais porque, por força do referido acto administrativo, o projecto do Autor acabou por resultar completamente inviabilizado, sem qualquer hipótese de execução futura.

26. Verifica-se nexo de causalidade entre os prejuízos alegados e a declaração de incompatibilidade em causa nos autos porque: a. O acto administrativo através do qual foi declarada a incompatibilidade do “estudo preliminar de urbanização” com o PROTALI é causa adequada dos prejuízos verificados; b. Os danos assinalados não só são, sem margem para dúvidas, uma consequência directa da declaração de incompatibilidade emitida pelo SEALOT, como sempre seria previsível, em condições de normalidade social, que aqueles danos decorressem desse acto; c. A causa virtual da responsabilidade civil é, entre nós, irrelevante.

Neste termos, pelos fundamentos expostos, Deverão V. Exas.

Julgar totalmente procedentes os vícios assacados pelos Recorrentes à sentença recorrida, tanto em matéria de facto como de Direito, substituindo-a por outra que condene o Recorrido no pedido.

* O Digno Magistrado do Ministério Público em representação do Estado contra-alegou, concluindo como segue: 1. A sentença recorrida não padece de qualquer vício ou nulidade, maxime a invocada ambiguidade ou omissão de pronúncia, nem de erro de julgamento sobre a matéria de facto ou de direito.

2. A decisão sindicada limitou-se a interpretar e a aplicar as regras do direito, servindo-se dos factos articulados pelas partes, dos documentos que sustentam as...

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