Acórdão nº 00369/10.9BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução30 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* I. Relatório C., S.A., contribuinte fiscal n.º (…), com sede na Rua (…), autora nos autos à margem indicados, em que é entidade demandada o Ministério das Finanças e da Administração Pública, não se conformando com o acórdão proferido, em 02/02/2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, nesta acção administrativa especial, que manteve na ordem jurídica a decisão n.º 17/2009, do Conselho Técnico Aduaneiro da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, na parte relativa à origem das mercadorias (tampas de saneamento), veio do mesmo interpor recurso jurisdicional.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida: “a.

A sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, porque o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questão decisiva para o mérito da ação (parecer do INEGI onde se analisa e enfatiza a relevância das operações de transformação e complemento de fabrico ocorridas na Coreia do Sul no âmbito do processo produtivo das tampas de saneamento objeto de discussão).

b.

Tal parecer consta dos autos e o tribunal recorrido tinha a obrigação de dele tomar conhecimento, apreciando-o criticamente e considerando-o na decisão a proferir.

c.

Não o tendo feito, a sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos do preceito referido supra.

d.

A sentença recorrida padece do vício de falta de fundamentação na medida em que o tribunal a quo não deu a conhecer o itinerário cognoscitivo que o levou a decidir como decidiu.

e.

O tribunal recorrido não observou o dever de fundamentação a que está adstrito por força do disposto nos arts. 123.º, n.º 2, do CPPT e 205.º, n.º 1, da CRP, sendo que um conjunto significativo dos factos dados como provados (factos 1 a 9) nada provam quanto à questão nuclear em apreço nos autos.

f.

Por outro lado, em parte alguma da matéria de facto dada como provada consta qualquer elemento que permita ao tribunal recorrido afirmar e decidir que foi na China que ocorreram as fases mais relevantes do processo de fabrico das mercadorias em análise.

g.

O tribunal recorrido não fundamenta a sua decisão e não faz qualquer apreciação crítica dos elementos de prova carreados para os autos, apenas se inclinando para a posição defendida pela aqui Recorrida sem explicar, todavia, o porquê de tal opção.

h.

O tribunal recorrido não só não justificou a sua decisão, como também não declarou porque motivo deu mais credibilidade ao alegado pela Recorrida do que aos argumentos apresentados pela ora Recorrente.

i.

Nesse sentido, a sentença recorrida deve ser anulada por vício de falta de fundamentação, em violação ao disposto nos arts. 123.º, n.º 2, do CPPT e 205.º, n.º 1, da CRP.

j.

A questão central em discussão nos autos é a de saber qual a origem das mercadorias importadas: se a China, tal como afirma a Recorrida, ou a Coreia do Sul, como sustenta a Recorrente.

k.

Para responder a tal questão, é necessário analisar-se o processo de fabrico daqueles artefactos, avaliando-se as operações de transformação ou complemento de fabrico ocorridas nos dois países referidos e aferindo-se, depois, a importância de cada uma delas para o produto final acabado (tampas de saneamento).

l.

O Conselho Técnico Aduaneiro (aqui Recorrida), entende que é na China que tiveram lugar as fases mais relevantes do processo de fabrico de tais tampas (fundição), sustentando tal posição em informação que lhe foi facultada pela Divisão de Origens e Valor Aduaneiro da Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, m.

E que resulta, pasme-se, do site da Wikipedia!! n.

Contudo, impõe-se dizer que na China apenas ocorrem as fases da moldagem em areia, esfriamento e solidificação (que mais não será do que a secagem do molde) e desmoldagem (retirada da peça da caixa de areia).

o.

Em suma, são as fases de moldagem, fundição e vazamento aquelas que têm lugar na China.

p.

As peças, à saída da China, apresentam uma geometria muito similar do produto final, mas estão muito longe de completarem o seu processo de fabrico, razão pela qual têm de ser sujeitas a operações adicionais de transformação e complemento de fabrico que as adeqúem à prossecução dos fins para os quais são concebidos.

q.

É na Coreia do Sul que tais operações têm lugar, sendo nesse país que são introduzidas as necessárias alterações profundas ao produto que irão permitir que o mesmo respeite as normas europeias em matéria de segurança e funcionalidade (designadamente a NP EN 124).

r.

Repita-se, à saída da China, as mercadorias não apresentam características técnicas suficientes tendo em vista esse desiderato, assumindo um formato tosco e rudimentar e totalmente desprovidas de qualquer valor comercial.

s.

Com efeito, é na Coreia do Sul que têm lugar as operações substanciais de transformação e complemento de fabrico, tal como: a inspeção dos materiais com vista à aferição da respetiva capacidade de resistência; a granalhagem; a desbarbagem; a maquinação em torno das superfícies de contacto entre o aro e a tampa; a montagem anti-choque (inclusivamente com a incorporação de novas matérias-primas) e a pintura das peças para lhes conferir um tratamento anti-corrosivo.

t.

A pedido das autoridades aduaneiras portuguesas, as autoridades sul coreanas informaram a referida Divisão de Origens e Valor Aduaneiro de que não restavam dúvidas quanto ao carácter originário sul coreano das tampas de saneamento em apreço.

u.

E fizeram-no, nomeadamente, através do Certificado de Origem emitido pela Suwon Chamber of Commerce e do “Export Declaration Certificate”, tudo documentos já constantes dos autos.

v.

Por outro lado, e para esclarecer em definitivo a questão, a Recorrente solicitou ao INEGI, prestigiada instituição com reputação mundial no estudo e análise de produtos de ferro ou aço, um parecer onde se analisasse, cuidadosamente, as fases do processo de fabrico destes artefactos.

w.

A conclusão a que aquele instituto chegou foi a de que as operações de transformação e complemento de fabrico ocorridas na Coreia do Sul (e elencadas na al. s destas conclusões) são aquelas sem as quais as tampas de saneamento não estariam habilitadas a desempenhar as funções para as quais foram fabricadas e não estariam conformes com a regulamentação europeia que lhes é aplicável.

x.

Nestes termos, não poderão proceder as alegações da aqui Recorrida (e que o tribunal recorrido acolheu sem reservas) segundo as quais as operações levadas a cabo na Coreia do Sul não passam de “meras manobras de embelezamento”.

y.

Tanto mais que quanto às operações ocorridas na China, a Recorrida se baseia em informação retirada do site da Wikipedia!! z.

O tribunal recorrido erra de forma grosseira quando valida este tipo de entendimento e quando ignora os factos constante dos documentos carreados para os autos, em especial o Certificado de Origem e o “Export Declaration Certificate”, o qual, na sua casa 37, expressamente indica como país de origem a Coreia do Sul.

aa.

Ora, nos termos do disposto no art. 365.º, n.º 1, do CC, os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.

bb.

O mesmo é dizer, em apelo, aliás, ao art. 371.º, n.º 1, do CC, que o certificado de origem faz prova plena dos factos que aí são referidos.

cc.

A Recorrente questiona, legitimamente: o que se revela mais credível? a informação genérica e avulsa constante do site da Wikipedia? Ou os factos constantes de um certificado de origem validamente emitido pelas autoridades competentes da Coreia do Sul? dd.

Tanto para mais, quando resulta do Anexo Específico K da Convenção de Kyoto Revista (da qual a União Europeia é parte integrante) que o controlo das provas de origem deve ser efetuado pelo país de exportação, já que foi este também que procedeu à emissão da prova documental de origem, o que o coloca numa situação privilegiada para aferir do cumprimento das regras de origem por parte do produtor das mercadorias.

ee.

O tribunal recorrido erra manifestamente ao dar como provado o facto n.º 10 quando afirma que as autoridades aduaneiras sul coreanas não certificaram o carácter originário dos produtos.

ff.

Bem lido tal documento, logo se constata (na casa 37 do mesmo), que a origem dos produtos é sul coreana (KR).

gg.

A matéria em discussão é tratada ao nível do disposto no art. 24.º do CAC, onde são fixados os critérios legais para a determinação do carácter originário das mercadorias.

hh.

Não restam dúvidas de que todos os critérios previstos na citada norma se encontram cumulativamente preenchidos.

ii.

Desde logo, e conforme se demonstrou, é na Coreia do Sul que têm lugar as operações produtivas suscetíveis de configurar operações de transformação e complemento de fabrico substanciais.

jj.

A jurisprudência do TJUE tem ajudado na tarefa de densificação deste requisito, dizendo que uma operação de transformação ou complemento será substancial se o produto resultante apresentar propriedades e uma composição específica próprias, que não possuía antes dessa transformação ou operação de complemento de fabrico.

kk.

Este é, evidentemente, o caso dos autos: os produtos, expedidos da China com destino à Coreia, apresentam-se num estado bruto, rudimentar e tosco, sendo depois submetidos nesse último país a operações de transformação e complemento de fabrico que lhe conferem as propriedades e a composição específica próprias que não certamente não possuía até então.

ll.

Assim, e em função da substancialidade daquelas operações ocorridas na Coreia do Sul, não se poderá duvidar do que se acaba de referir.

mm.

E, se dúvidas restassem quanto a isto, o INEGI, no seu parecer, tratou de as dissipar, pois que enfatizou, e bem, a relevância das operações ocorridas na Coreia do Sul (em especial a...

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